Cada novo dia soa a velho. Há qualquer coisa de arrogante nesta minha perspectiva, um convencimento tácito trazido pela acumulação de anos de vida. Será que o tempo que vivemos nos permite olhar para a frente com o desencanto de quem experimentou tantas coisas que já nada o poderá surpreender? Isso é que era doce!
Cada novo dia atemoriza por ser novo. 360º, ângulo giro, uma volta inteira na perspectiva do parágrafo anterior. Lembro a fábula da raposa e das uvas; a novidade, o desconhecido, recusados mas desejados: oxalá caíssem e pudesse eu abocanhá-los sem ter de me pôr em bicos dos pés! E, mesmo nos bicos dos pés, correr o risco de os não alcançar. A idade a tornar-me incapaz, a incapacidade confundida com sabedoria...
Cada novo dia é uma aventura inesperada. Poesia barata, discurso motivacional, conversa banal sem significado nem objectivo palpável. Talvez seja esta a formulação mais justa.
Talvez a vida, a minha vida, a nossa vidinha, caríssimo leitor, a vida de um cidadão ocidental, num sistema democrático, um cidadão comum, com direitos, num estado de direito, seja assim mesmo. Cada novo dia não tem de soar a velho, embora possa acontecer, nem atemorizar, embora isso seja possível, nem tem de ser propriamente uma aventura ou o seu contrário. Cada novo dia é mais um dia de vida.
Acabamos sempre a enfiar La Palice pelas orelhas abaixo.
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