segunda-feira, março 15, 2021

Um cadáver no meio da rua

Nos últimos tempos tenho andado com a ideia do fim da vida enfiada nos meus pensamentos. Os posts mais recentes dançaricam em volta da morte como um rancho folclórico que arrastasse os pés ao som da marcha fúnebre. Hoje, por volta da uma da tarde vi um homem morto.

Tinha saído de casa atravessando a rua para ir comprar algo que me servisse de almoço. Na paragem de autocarro, mesmo defronte à porta do supermercado, estava uma inusitada aglomeração de pessoas. 

Havia um carro da polícia e dois agentes cá fora, vários cidadãos mantinham-se em pé, como que dependurados pela nuca; divisei o que me pareceu ser alguém esticado no passeio, debaixo da cobertura da paragem, tapado por um plástico muito azul. Os pés estavam à vista. Havia ainda uma mulher sentada no passeio, junto do plástico que reflectia gloriosamente o sol primaveril.

As máscaras não me deixavam ver as expressões faciais mas também não era necessário para perceber que todos estavam constrangidos, tristes, contrastando fortemente com o sol e o canto dos pássaros escondidos na paisagem urbana. 

Percebi que o homem estava morto. Fiquei por momentos a olhar a cena e depois entrei no supermercado. Fiz as minhas compras, paguei na caixa automática e quando saí havia uma carrinha funerária estacionada. Dois homens retiravam um caixão de plástico cinzento que colocaram no chão. Um deles pegou num braço do cadáver, sempre coberto por aquele plástico azul, azulão brilhante sob o peso da luz do sol. A mulher sentada desaparecera, as pessoas haviam-se afastado uns passos como se o corpo sem vida as repelisse suavemente. Voltei as costas e dirigi-me para casa.

Tudo era silêncio, apenas se fazia ouvir o ruído dos motores dos automóveis que passavam. A seguir abriria a porta do prédio, subiria as escadas e haveria de preparar o almoço para mim e para a minha família. Quem foi aquela pessoa que morreu ali, no meio da rua. Que vida estava a ser recolhida pelos gatos-pingados naquele caixão de plástico cinzento, macabra metáfora da nossa existência?

Terei sentido nos dias anteriores a proximidade da morte? Foi isso que me levou a escrever textos tão deprimentes? Nos próximos dias tentarei esquecê-la. Vou tentar focar-me na vida.

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