Sentados em redor da mesa rectangular, uns de frente para os outros, continuamos a debater o aspecto que tem o espaço vazio. A nossa percepção da coisa é recolhida através do olhar. Olhamos o espaço vazio com tanta força, tanta concentração (alguns chegam mesmo a semicerrar os olhos) que dificilmente nos conseguimos aperceber daquilo que estamos a ver realmente.
Estamos a ver o plano de fundo; vemo-lo desfocado, impreciso, no entanto procuramos explicação para aquilo que somos incapazes de compreender. Vale o esforço, falham os resultados, sobra-nos o mundo que temos.
Pobres daqueles que ignoram o vazio, são tomados por tolos.
As pessoas inteligentes não têm dúvidas e nunca (ou raramente) se enganam. Toda a hesitação é por elas resolvida recorrendo à sua inexcedível inteligência. A cada problema resolvido corresponde tempo ganho, dinheiro em caixa, riqueza adquirida e sabedoria... sabedoria... sabedoria!?
Entre o tolo e o inteligente ergue-se uma torre enorme e sem nome, paredes lisas como marfim, apenas uma abertura, uma frincha estreita que é a porta. Dentro da torre não há nada, apenas o tal vazio e, além do vazio, existe a ausência de luz, a mais completa escuridão. Na verdade esse vazio é percepcionado como sendo a essência do Universo pelas pessoas inteligentes que, por serem inteligentes, são consideradas sábias. A ausência de luz permite uma maior concentração aos sábios e provoca algum desconforto naqueles que são tolos.
As pessoas inteligentes, os sábios, afirmam ser capazes de compreender o espaço vazio (na verdade não vêem nada, muito menos no interior da torre) ao ponto de proporem modelos que traduzam essa ausência em algo palpável, normalmente recorrendo a complexas conjugações de algarismos, números e símbolos cabalísticos. É coisa só para iniciados.
Na verdade esses sábios, pessoas inteligentes que conhecem a magia dos números, estão a construir modelos do interior de si próprios e não daquilo que julgam estar a ver. Quando muito conseguirão proporcionar um vislumbre da forma como percepcionam o plano de fundo, até mesmo aos tolos que manifestem interesse suficiente em tais assuntos. Poderemos sempre questionar o espelho como fez a Rainha Má.
Esta fábula não tem fim porque sempre que surge um sábio há, pelo menos, um tolo que o persegue ou admira ou tenta compreender. Sempre que um novo modelo é oferecido ao mundo que pretende explicar há uma multidão de basbaques prontos para tudo: acreditar, duvidar e refutar. Assim o processo é reiniciado, o vazio volta a merecer toda a atenção. História sem fim enquanto houver Humanidade.
Ao tolo cabe um estranho papel.