quinta-feira, maio 10, 2018

Imaginar

Não sei se alguém alguma vez se terá dado ao trabalho de compilar uma História da Imaginação. Imagino que sim, que alguém o tenha já feito. Há Histórias de tudo e mais alguma coisa, decerto haverá uma dedicada à Imaginação. Desconheço, apenas posso imaginar.

Veio-me isto à cabeça hoje de manhã ao ter um flash da minha mais tenra infância, uma imagem fugaz que de vez em quando se me acende cá dentro. Vejo uma fileira de pequenas pedras muito alinhadinha num chão que é o da Sernada (ou será Cernada?), um lugar onde ia frequentemente em criança, acompanhando o meu avô paterno. As pedrinhas são soldados. Falam: uma delas dá ordens, outras conversam entre si, temem o inimigo emboscado; continuam a marchar.

É só isto. Não consigo recordar a sorte da coluna de pequenos soldados-pedra; se foram assaltados por uma horda de pinhões vindos detrás de uma moita, se foram simplesmente abandonados, esquecidos em benefício de outro brinquedo, alguma imaginação maior ou, pelo menos, diferente.

Era muito assim.
Um pau tanto podia ser uma espada como uma espingarda ou um stick de hóquei ou uma bengala, caso decidisse envelhecer subitamente. A brincadeira era um bocado dadaísta, os objectos ganhavam conteúdos mais ou menos adequados, conforme as circunstâncias. Era assim que um gajo exercitava a imaginação, retirando conteúdos, espremendo significados, manipulando o sonho numa tentativa alquímica de o sintetizar em realidade.

Bem vistas as coisas um gajo imaginava o mundo, literalmente, no ar. Daí sermos apelidados de "cabeças-no-ar". Gostava de ser criança outra vez para voltar a inventar as coisas todas, para ver como se faz agora, uma vez que já poucos brincarão com pedrinhas e quase nenhuns brincarão, sequer, na rua.

Estamos perante as primeiras gerações que sonham quase exclusivamente sonhos eléctricos, fechados em ecranzinhos. Jogos, filmes, vídeos, fotos disto, fotos daquilo, selfies, selfies, selfies, crianças que aprendem a fazer sorrisos horríveis desde que têm dentes para os fazerem (tão depressa estão a sorrir para um telemóvel na sua própria mão como imediatamente fazem a maior cara-de-pau, depois do clic).

Isto tem de de influenciar a forma como se imaginam as coisas, como se perspectiva o mundo que nos rodeia, as relações que estabelecemos com a realidade (seja lá isso o que for).

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