sábado, outubro 28, 2017

O perfume

Começa a cheirar a PPD e fica muita gente um pouco doida, um pouco inebriada. É como se a Primavera chegasse no lugar do Inverno, montada nele, a sorrir, disparando sorrisos na direcção da populaça.

Nota-se nas páginas dos jornais, nas entrelinhas, nos noticiários, nos discursos de gente boa (e de gente má também), enfim, sente-se a possibilidade de um Renascimento. Até já se fala outra vez do "arco da governação" e do bom que era o PPD e o PS serem outra vez amigalhaços. Ou ainda numa super-geringonça que metesse ao barulho os partidos todos, de esquerda e de direita e os que são nem uma coisa nem outra, uma espécie de grande cozido à portuguesa. Com todos, como o bacalhau.

O que me surpreende nesta história que agora se desvela é a facilidade com que se criam narrativas mediáticas e se dá a volta a um tão grande número de pessoas só assim, com um estalar de dedos.

Dizia o outro que venderia com a mesma eficácia sabonetes ou presidentes de república. Basta um bom perfume para que um monte de merda quase mude de figura.

quarta-feira, outubro 25, 2017

A coisa vai indo

Desde os tempos em que o PREC foi ao fundo que temos sido governados por uma facção do Parlamento, ali do centro para a direita do hemiciclo. Ora sós, com maiorias absolutas do PS e do PPD, ora mal acompanhados, com o CDS ou com o PPM, criou-se uma espécie de aristocracia democrática que foi orientando as cenas em proveito de... não sei que diga. Em proveito de alguém, pronto, não quero parecer demasiado injusto.

Foi o ministro que se demitiu irrevogavelmente, se não estou em erro, quem criou a expressão "arco da governação" para designar aqueles que, na sua visão muito particular, tinham o "savoir faire" necessário para meter as mãos na massa da República. Claro que o seu partido fazia parte daquela nata social e ele, mais do que qualquer outro, tinha todo o direito de decidir os destinos da nação, submarinos incluídos.

Foi também este rapaz-maravilha quem, em tom jocoso e confiando na vinda do Mafarrico, designou por Geringonça o arranjinho com que Costa, Jerónimo e Catarina Martins lixaram bem lixado o "arco da governação". À direita ninguém acreditava que os comunistas fossem capazes de engolir tantos sapos mas a verdade é que eles se habituaram ao desagradável menu e lá vão mantendo a geringonça a funcionar aos soluços.

Estou convicto que as maiorias absolutas tendem a corromper a Democracia. Principalmente quando são figurões da estirpe de um Relvas ou de um Lelo do PS (só para dar dois exemplos de vigaristas encartados que me vieram de repente à memória) a orientar a formação de listas de candidatos a deputados e a puxarem os cordelinhos que fazem levantar e sentar os rabisoques nas bancadas da Assembleia.

A Geringonça funciona mal? Podia funcionar melhor mas não é capaz disso. No entanto prefiro esta Geringonça a cagar e a tossir do que o "arco da governação" em todo o seu esplendor.

domingo, outubro 15, 2017

Declaração de amor

A acusação do malfadado Processo Marquês vem fazendo sonhar muitos cidadãos portugueses. Iremos andar embrulhados em questões processuais que, decerto, irão dourar muita pílula, entravar muita investigação e desviar atenções.

Iremos assistir a condenações em praça pública e a juras de amor à presunção de inocência; enfim: vamos assistir a uma sucessão de trambolhões magníficos e espectaculares para gáudio da populaça e exibição de extraordinários dotes jurídicos dos causídicos envolvidos no drama que se segue.

Os abutres aguardam, poisados num ramo seco de uma árvore morta.

É por estas a por outras que tenho um particular apreço pela Geringonça. O Partido Comunista Português e o Bloco de Esquerda nunca fizeram parte do malfadado "arco da governação", essa espécie de qualidade misteriosa que enformaria uma elite capaz de governar a nação portuguesa e que, quem não tinha percebido percebe agora, não era mais que uma associação de malfeitores, os vampiros da canção de Zeca Afonso.

Com a Geringoça a guardar o portão da quinta, a bicharada malcheirosa fica a rosnar do lado de fora. Um ou outro, mais atrevido, ladra alto e bom som, mas a coisa fica mais difícil para os monstros glutões que devoram a nossa riqueza comum. A imbecilidade de um Cavaco ou a sonsice de um qualquer Coelho já não fazem grande mossa.

Apesar de todas as suas incongruências e evidentes deficiências físicas, amo a Geringonça. Espero que se mantenha durante muitos e bons anos mas já se adivinha a impaciência dos adeptos do "centrão". Com Rui Rio a chegar-se ao cadeirão do PPD vai-se sentindo muito esfregar de manápula  e um certo pivete ansioso começa a sentir-se outra vez.

Tenhamos o bom senso necessário para evitar que os abutres desçam, de novo, em vôo picado sobre a carcaça agonizante do nosso país. Eles andam por aí!

sexta-feira, outubro 13, 2017

Bombas

Sinceramente não sei porque hei-de ficar inquieto caso o Irão consiga fabricar armas atómicas. Nem sei porque hei-de ficar mais inquieto por essas armas já fazerem parte dos brinquedos do rei-comunista da Coreia do Norte. Inquieto já eu estou pelo simples facto de armas desse género existirem um pouco por todo o planeta. É o bastante.

É suposto eu, na minha qualidade de cidadão ocidental, ser a favor da existência, manutenção e expansão dos arsenais nucleares dos países considerados democráticos? Veja-se o caso dos EUA e do tolo alucinado que agora senta o olho do cu no vértice da pirâmide do poder lá da terrinha. Com uma besta daquelas a ter acesso ao botãozinho nuclear podemos nós estar descansados? Claro que não.

O problema da sociedade global e informatizada parece ser a sua novíssima capacidade de eleger anormais para cargos de poder e publicitar com estrondo os peidos e arrotos de todos os mentecaptos que orientam os destinos dos povos. Sim, dos mentecaptos, porque aqueles que governam com sabedoria e equilíbrio raramente são motivo de notícia.


quinta-feira, outubro 05, 2017

Memória vaga

Lembro-me vagamente de ser criança e olhar para os mais velhos com admiração e respeito. Acreditava que os cabelos embranqueciam à medida que uma pessoa se tornava mais sábia.

Não eram só os mais velhos que me enchiam o peito daquela reverência infantil, também os que desempenhavam papéis sociais relevantes mereciam a minha admiração. Decerto seriam pessoas especiais para terem chegado ali, ao vértice da pirâmide que se erguia no lugar que ocupavam.

O tempo passou e eu próprio fui ganhando cabelos brancos e uma barba branca e percebi que, afinal, isso não tem nada de extraordinário, nem é isso que nos confere a autoridade que me fascinava quando vivi num corpo de criança.

A autoridade é um bicho estranho e inquieto e tem muitas origens diferentes, nem todas merecedoras de admiração, muito menos merecedoras de reverência.

segunda-feira, outubro 02, 2017

Armaduras pretas

O que se está a passar na Catalunha é uma grande confusão. Assistimos incrédulos a uma escalada de violência que poderia perfeitamente ser evitada caso houvesse interesse de parte a parte em que as coisas acontecessem de acordo com o bom senso. Mas não. A uns aproveita a violência, a outros está-lhes na massa do sangue.

No meio do terramoto o povo anónimo. Não duvido que, caso fosse catalão, haveria de andar a levar porrada da Guarda Civil. Mas, estando descansadinho cá no meu Portugal, olho para tudo aquilo com uma enorme dose de desconfiança.

Fica a imagem da brutalidade do estado policial. Aqueles cães de fila, enfiados nas suas armaduras, protegidos por capacetes negros, são o símbolo do poder, a sua materialização junto de quem protesta e clama por aquilo que acredita serem os seus direitos. Não há diálogo, apenas violência. Todos sabemos que a violência se propaga como um incêndio em dia de Verão.

Rajoy é um pirómano perigoso e Puigdemont, para apagar o fogoléu, traz um bidão de gasolina em cada mão. Não é preciso fazer um grande esforço de memória para recordarmos situações vagamente semelhantes um pouco por toda a Europa. Sempre que o povo sai à rua lá aparecem os gajos das armaduras pretas e dos capacetes fechados.

São as forças que garantem que a Democracia funciona como DEVE ser.