domingo, julho 31, 2016

Olhar a paisagem

A obra de arte não começa necessariamente com uma ideia.
Um desenho não tem obrigatoriamente de obedecer a um esboço prévio.
Um texto não resulta sempre de um trabalho aturado.
Há momentos inspirados que nos projectam pelos ares e fazem de nós coisas voadoras.
Quando voamos e olhamos para baixo podemos assustar-nos ou sentir uma liberdade imensa (há mais possibilidades).
Não é um pecado evidente querermos ser como Ícaro.

sábado, julho 30, 2016

Recuerdos


Saio de casa à hora do lobisomem
Agradeço à lua não estar cheia.
No carro evito o espelho,
apesar de tudo receio lá não estar.

Caixas de cartão como cadáveres de
objectos consumidos, peles de cobra esquecidas
na esquina de uma primavera


sexta-feira, julho 29, 2016

Criatividade

E se a criatividade for, essencialmente, potência desenfreada, necessidade absoluta de comunicar, deitar fora o que se acumula dentro; tudo isto e mais alguma coisa?

Será a criatividade uma alucinação, aquilo a que chamamos inspiração, quando poderíamos perfeitamente chamar-lhe expiração ou garandalhice ou altrinquitim ou outra coisa qualquer?

E se a criatividade estiver ao alcance de todos os que nela acreditarem, como estão as fadas e as bruxas? Talvez a criatividade seja um exclusivo dos néscios e dos ingénuos.

Talvez a criatividade não dependa tanto do conhecimento, do trabalho árduo e da técnica quanto nos ensinam na escola. Talvez a criatividade tenha a densidade do vento.

terça-feira, julho 19, 2016

Suores frios

Criar imagens é uma actividade fantástica.

A colagem em Adobe Phtoshop gerou o desenho a tinta da China. Fiz a colagem aqui há uns anos e dei-lhe o título de Night Rider, uma brincadeirazita com a designação de uma célebre série de televisão.

Ontem, dia 18 de Julho de 2016, realizei a versão desenhada. Enquanto ia desenhando o sentido da imagem foi-se alterando. Vieram-me à memória uns quantos atentados terroristas, centenas de pessoas desfeitas em bocadinhos, o medo a ganhar forma física. Desespero e violência.

Então, o título do desenho terá de ser outro.

Por agora o título é "Suores Frios" mas penso que venha ser ainda outro.


domingo, julho 17, 2016

Criançada

Brincamos uns com os outros como se não houvessem crianças neste mundo. Como se fôssemos todos crianças eternas. Como se ser criança fosse o nosso único e comum destino. Brincamos uns com os outros convencidos que somos diferentes das crianças.

Mas não somos.

quinta-feira, julho 14, 2016

Mistério

Quanto pode uma pessoa apaixonar-se?

(tragam uma balança, tragam uma fita métrica, tragam um doutor e um catedrático)

Quanto tempo pode durar essa paixão?

(tragam um calendário, uma ampulheta com todas as praias de Portugal enfiadas lá dentro, tragam alguém que não saiba do que estamos a falar)

Eu vos digo, compinchas meus, que não há regra nem limite.

A coisa é mais do que incomensurável, é coisa eterna!

Quando nos dizem que as paixões esmorecem e que, no benigno horizonte dos dias que passam, haverá de surgir uma coisa mais ou menos informe à qual muitos matrecos gostam de chamar "amor", eu vos aviso, ó compinchas... é treta!

A paixão dura mais tempo do que o tempo que dura uma vida como esta.

(texto reescrito)

terça-feira, julho 12, 2016

Atentado!

Quando, aqui há umas semanas escrevi um post sobre os primeiros dias do Campeonato da Europa de Futebol, temia um atentado terrorista a qualquer momento.  Portugal ia estrear-se jogando contra a Islândia e todos nós estávamos bem longe de imaginar a sucessão de acontecimentos que vieram a ter o resultado que agora sabemos.

Nem houve atentados nem a Selecção acabou, como de costume, a lamentar-se da má sorte, das arbitragens ou da inveja dos deuses do Olimpo. Pela primeira vez na História Portugal venceu uma grande competição do chuto na bola.

Na nossa perspectiva a coisa correu melhor que a encomenda. Os derrotados dizem que a nossa equipa apresentou um futebol nojento, que um campeão a jogar assim contribui para a morte do jogo.

Desta vez foram 11 contra 11 e, no fim, ganhou Portugal, um valente chuto na tradição futebolística.

Concluindo, afinal houve um atentado mortífero: Portugal foi campeão.

quarta-feira, julho 06, 2016

Pronto

Por vezes sinto vontade de ser uma outra coisa, não me sinto grande pessoa, talvez gostasse de me transformar num objecto. Uma escova de dentes. Um pneu de bicicleta. Um gancho de cabelo.

A dificuldade está na escolha.

Não, outro animal não é desejo que me seduza. Para ser animal estou bem assim, bicho homem.

Gosto de comer. Gosto de beber. Gosto de fumar.

Outro bicho fosse eu, dificilmente fumaria!

Por vezes sinto vontade de me transformar noutra pessoa, sonho com uma vida após esta que vou vivendo. Uma vida que fosse um prolongamento, que me permitisse aproveitar o que tenho aprendido para construir outra personagem, viver uma outra narrativa.

Por vezes escrevo só por escrever. Uma frase leva a outra, uma ideia transforma-se em imagem que gera um jogo de palavras que termina num ponto final.

E pronto.

segunda-feira, julho 04, 2016

Fronteiras

As fronteiras recomeçam a ganhar forma no interior da Europa. Cada dia que passa amanhece com certas fronteiras até aqui adormecidas que voltam a acordar para a vida de forma inquietante.

Nos limites físicos da União erguem-se muros e regressa o arame farpado. Dentro da própria União surgem nacionalismos revigorados que começam a marcar certas fronteiras, primeiro ideológicas que, mais tarde, tenderão a tomar formas mais palpáveis e agressivas.

Parece-me que vão ganhando nitidez certas diferenças entre os países do centro da Europa, principalmente os que faziam parte da Europa de Leste antes da queda do Muro de Berlim, e os países que estavam deste lado dessa terrível fronteira.

Olhando para a Polónia, a Eslováquia, a República Checa e a Hungria, para citar os casos que me parecem mais evidentes, assistimos a um nítido crescimento da influência política de forças da extrema direita, forças revolucionárias nestas áreas geográficas. Para um cidadão português ou espanhol, isto parece terrível. Ainda mais quando em França  ou na Áustria também forças com este pendor extremista ameaçam ganhar o poder.

A União terá de reflectir sobre qual é o caminho comum que pretende propor aos cidadãos dos, agora, 27 países membros. Há algum plano, algum objectivo, alguma ideiazinha, por pequena que seja, que vá para lá das questões económicas, alguma proposta civilizacional que estejamos dispostos a transformar em bandeira comum?

Enquanto andamos para aqui, feitos baratas tontas, a patinhar de um lado para o outro no meio do lixo ético e ideológico, as fronteiras vão ganhando nitidez, vão-se levantando, regressam em todo o seu tenebroso esplendor.

sábado, julho 02, 2016

Possibilidade

Talvez acredite num Deus que seja o resultado da ligação em cadeia de todas as consciências de todos os seres vivos que habitam o planeta. A existir, este Deus, seria algo informe e maravilhoso, uma omnipotente emanação de energia não assimilável, algo por nós disparado em direcção a uma outra dimensão, uma outra realidade na qual apenas a verdade pudesse ter lugar.

Este Deus seria o resultado da existência de vida e nunca o seu criador. Talvez eu acredite que um Deus possa ser criado e mantido vivo enquanto no planeta a vida existir, mesmo que apenas sobrevivam ratos e baratas a deambular por aí. Mesmo que restem apenas seres unicelulares.

Talvez eu acredite que Deus é um sopro de vida.

Talvez eu acredite nisto... não sei, sinceramente, não sei em que acredito.