Não sei me comovem os esforços (tantas vezes patéticos) daqueles que pretendem desvendar grandiosas intenções pré-determinadas quando olham, observam e veneram a obra de algum artista, objecto da sua devoção.
Quem se dedica ao acto criativo sabe bem que a sua criatura é algo independente. Somos todos Frankenstein, o criador alucinado, o visionário deslumbrado que gerou um monstro; magnífica metáfora do mais negro e belo Romantismo!
Quem cria sabe bem que a criatura deseja sempre a liberdade (pelo menos até ser capaz de compreender o que significa Liberdade).
Quem cria deve ter grandeza de espírito suficiente para se aguentar à bronca com as consequências da sua criação.
domingo, março 29, 2015
sexta-feira, março 27, 2015
Pudor
De início não se percebe muito bem que porra é aquela. Uma angústia indefinida, um apertar do coração. Ainda que o sol brilhe num céu tão azul que parece tirado do genérico dos Simpsons, o apertão incomoda não se percebe bem nem onde nem porquê. Não faz sentido.
Depois começa-se a suspeitar que possa ser das botas. Muito calor para ter calçado aquelas merdas, uma em cada pata. Mas não, as botas que se lixem, já sei...! Dormi foi pouco. Mas até que nem é verdade. Ontem até te deitaste cedo e dormiste descansado (pelo menos é o que recordas do teu sono).
Então que raio de filha da putice é que te está a enrolar os miolos nos tomates, a deixar-te azedo e controverso?
Até te parece que estás a começar a perceber... já sabes! Mas tens pudor em falar nisso.
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coisas sem sentido
quarta-feira, março 25, 2015
Funeral do Rei Antigo
O povo anseia por tremendas liturgias. O Povo ama missas e cortejos, desfiles dolorosos são sempre os desfiles favoritos. O Povo saboreia a dor como uma criança se deleita com um docinho ou um urubu se deleita com bosta de cavalo sêca.
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poesia inquinada
terça-feira, março 24, 2015
Fim do dia
O dia acaba escuro e levado pelo vento que traz para dentro um lugar frio.
As luzinhas da rua fazem aquele papel triste que lhes foi atribuído pelo Grande Arquitecto, fraco em urbanismo, confuso no traçado das ruas e desleixado na forma como amontoou na cidade a realidade com o sonho.
O dia acaba escuro, borrifado de receios inocentes, certos recantos fracamente iluminados por (secretos) desejos que ardem nas pedras do passeio, fantasmas de cães sem dono.
O dia acaba na certeza de que amanhã estará de volta, acompanhado da luz que o sol nos quiser oferecer.
As luzinhas da rua fazem aquele papel triste que lhes foi atribuído pelo Grande Arquitecto, fraco em urbanismo, confuso no traçado das ruas e desleixado na forma como amontoou na cidade a realidade com o sonho.
O dia acaba escuro, borrifado de receios inocentes, certos recantos fracamente iluminados por (secretos) desejos que ardem nas pedras do passeio, fantasmas de cães sem dono.
O dia acaba na certeza de que amanhã estará de volta, acompanhado da luz que o sol nos quiser oferecer.
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poesia inquinada
segunda-feira, março 23, 2015
Da estupidez
A estupidez quando tem olhos é muito pior do que quando é cega.
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pensamento matinal
domingo, março 22, 2015
O imbecil
Sermos pacíficos vivendo ao lado de um imbecil com tiques violentos deixa-nos vulneráveis.
O imbecil vê em nós seres inferiores a ele por não termos apetites semelhantes aos dele, apetites que lhe confundem as tripas com os testículos e o fazem desejar tudo. O imbecil deseja tudo mas não sabe para quê.
Deseja por desejar, deseja para possuir, para usar e, depois de usar, atirar para um canto o que usurpou. É preciso ter cuidado com o imbecil. Quando ele investe, bruto e violento, pouco mais podemos fazer que desviar a cabeça quando atira o primeiro soco.
O imbecil violento é um imbecil perigoso.
O imbecil vê em nós seres inferiores a ele por não termos apetites semelhantes aos dele, apetites que lhe confundem as tripas com os testículos e o fazem desejar tudo. O imbecil deseja tudo mas não sabe para quê.
Deseja por desejar, deseja para possuir, para usar e, depois de usar, atirar para um canto o que usurpou. É preciso ter cuidado com o imbecil. Quando ele investe, bruto e violento, pouco mais podemos fazer que desviar a cabeça quando atira o primeiro soco.
O imbecil violento é um imbecil perigoso.
quinta-feira, março 19, 2015
Momentos gloriosos (1)
Está um gajo a mijar encostado a uma parede nas traseiras de um prédio de apartamentos ranhosos. Passa um cão magricela que se prepara para uma bela duma cagadela. O mijão, indignado, mete a gaita pra dentro e afinfa uma valente biqueirada no canídeo que sai dali a ganir e a arrastar o cú pelo chão, deixando um rasto de merda no empedrado. "Ganda porco, este cão" pensa o mijão.
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momentos gloriosos
quarta-feira, março 18, 2015
A ferrugem
Andam por aí a dizer que isto ou aquilo não passam de contos para crianças. Querem dizer que são coisas parvas, coisas estúpidas, coisas que não passam de patranhas. Ilusões, enredos enganosos.
Pois, então é assim que tratamos as nossas crianças? As histórias que lhes contamos não têm outra intenção ou função que não seja menorizá-las (a elas que, por definição, já são menores)?
Na verdade, à medida que o tempo passa, as histórias infantis parecem tender para a imbecilidade graças à paranóia das pedagogias que nascem de posturas politicamente correctas. Mas as crianças não são as únicas vítimas desta plastificação da inteligência humana, os adultos também levam pela medida grossa.
Tal como nos contos infantis os lobos maus e as bruxas canibais parecem estar disfarçados de outras coisas para não traumatizar os mais sensíveis, também nos meios de comunicação social a bicharada mais peluda e de dentuça afiada, com hálito podre e merdoso, nos aparece em pose angelical e com discurso melífluo.
Andamos a pintar de fresco uma sociedade ferrugenta. Pintamos por cima sem limpar primeiro. A ferrugem continua lá, por baixo, a corroer, a corroer, a corroer...
Pois, então é assim que tratamos as nossas crianças? As histórias que lhes contamos não têm outra intenção ou função que não seja menorizá-las (a elas que, por definição, já são menores)?
Na verdade, à medida que o tempo passa, as histórias infantis parecem tender para a imbecilidade graças à paranóia das pedagogias que nascem de posturas politicamente correctas. Mas as crianças não são as únicas vítimas desta plastificação da inteligência humana, os adultos também levam pela medida grossa.
Tal como nos contos infantis os lobos maus e as bruxas canibais parecem estar disfarçados de outras coisas para não traumatizar os mais sensíveis, também nos meios de comunicação social a bicharada mais peluda e de dentuça afiada, com hálito podre e merdoso, nos aparece em pose angelical e com discurso melífluo.
Andamos a pintar de fresco uma sociedade ferrugenta. Pintamos por cima sem limpar primeiro. A ferrugem continua lá, por baixo, a corroer, a corroer, a corroer...
segunda-feira, março 16, 2015
Nós, portugueses
Os portugueses não acreditam no diálogo; "falam, falam, falam e não dizem nada!"
Os portugueses não acreditam que possam ser chave para resolver um problema; "não sou eu quem vai mudar o mundo!"
Os portugueses têm baixa auto-estima, não acreditam que a critividade possa ser raíz para solução de seja qual for a natureza do problema que os aflige..
Os portugueses têm da arte uma visão patética que oscila entre a ignorância boçal e o pretensiosismo snob de uma auto-declarada elite que se compraz na sua pequenez intelectual.
As elites portuguesas são uma desgraça.
No entanto é pelos portugueses que nos apaixonamos facilmente. Por serem cépticos, desconfiados, conservadores, crédulos, falsamente vaidosos, orgulhosos de serem tal qual são, por serem um pouco estúpidos e razoavelmente imbecis.
Ok, ok, há quem esteja a ler estas linhas e a pensar: "são tudo isso, os portugueses, tal qual tu és." Não poderia estar mais de acordo: tal qual eu sou.
No dia em que todos tivermos coragem para nos olharmos ao espelho com olhos de ver quem somos (um povo que marca greves para as sextas-feiras) talvez possa existir a vaga possibilidade de mudar algo, por poucochinho que seja.
Até lá, cá andaremos com a cabeça entre as orelhas.
Os portugueses não acreditam que possam ser chave para resolver um problema; "não sou eu quem vai mudar o mundo!"
Os portugueses têm baixa auto-estima, não acreditam que a critividade possa ser raíz para solução de seja qual for a natureza do problema que os aflige..
Os portugueses têm da arte uma visão patética que oscila entre a ignorância boçal e o pretensiosismo snob de uma auto-declarada elite que se compraz na sua pequenez intelectual.
As elites portuguesas são uma desgraça.
No entanto é pelos portugueses que nos apaixonamos facilmente. Por serem cépticos, desconfiados, conservadores, crédulos, falsamente vaidosos, orgulhosos de serem tal qual são, por serem um pouco estúpidos e razoavelmente imbecis.
Ok, ok, há quem esteja a ler estas linhas e a pensar: "são tudo isso, os portugueses, tal qual tu és." Não poderia estar mais de acordo: tal qual eu sou.
No dia em que todos tivermos coragem para nos olharmos ao espelho com olhos de ver quem somos (um povo que marca greves para as sextas-feiras) talvez possa existir a vaga possibilidade de mudar algo, por poucochinho que seja.
Até lá, cá andaremos com a cabeça entre as orelhas.
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povo português
quarta-feira, março 11, 2015
Comboio em fuga
As pessoas tombam constantemente para dentro de pequeníssimos écrãs. Inclinadas sobre rectângulozinhos que seguram entre dedos ágeis e esguios concentram toda a sua atenção naquele pedacinho de universo que paira um palmo abaixo dos respectivos narizes.
Na carruagem são a maioria, a quase totalidade. Alguns dos adoradores do écrãzinho elevam-no ao nível dos olhos num gesto elegante que tem algo de litúrgico, fazem lembrar o padre e a hóstia.
Um ou outro velhote, um ou outro cidadão mais entrado nos anos que a vida tem para lhes cobrar não se curvam sobre o écrãzinho, não fogem por ali. Decerto escapam também pelos olhos mas fazem-no através das janelas, através da biqueira das botas, da biqueira dos sapatos, através do olhar lançado muito simplesmente no vazio mental.
Todos estamos concentrados, cada um na sua prisão. Todos queremos libertar-nos desta, todos correremos para dentro de outra. Somos um comboio em fuga.
Na carruagem são a maioria, a quase totalidade. Alguns dos adoradores do écrãzinho elevam-no ao nível dos olhos num gesto elegante que tem algo de litúrgico, fazem lembrar o padre e a hóstia.
Um ou outro velhote, um ou outro cidadão mais entrado nos anos que a vida tem para lhes cobrar não se curvam sobre o écrãzinho, não fogem por ali. Decerto escapam também pelos olhos mas fazem-no através das janelas, através da biqueira das botas, da biqueira dos sapatos, através do olhar lançado muito simplesmente no vazio mental.
Todos estamos concentrados, cada um na sua prisão. Todos queremos libertar-nos desta, todos correremos para dentro de outra. Somos um comboio em fuga.
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quotidiano delirante
quarta-feira, março 04, 2015
Fazer
Fazer. Fazer algo que não constitui obrigação. Fazer algo que resulte de uma vontade que pode até nem ser muito forte. Fazer algo que vem de algum lado, calmamente, a espreitar o mundo, algo que vem de algum lado dentro de nós, a querer mundo. Fazer. Apenas. Fazer.
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terça-feira, março 03, 2015
Democracia
Alguma vez terá existido Democracia?
Se existiu deixou de existir; é passado, dificilmente será futuro outra vez. Governantes e governados deixaram de ter tempo para pensar nesse assunto.
Andamos todos demasiado ocupados a tentar ganhar dinheiro e a discutir como se pode arranjar mais dinheiro e quem deve dinheiro a quem e qual a melhor forma de cobrar a dívida e a menos ruinosa de pagar os juros agiotas que quem empresta dinheiro sempre cobra.
A Democracia vende-se e compra-se, troca-se, empresta-se e negoceia-se.
A Democracia é um franchise de uma marca made in USA que comprou os direitos de representação à Europa ali por volta dos tempos do pós 2ª guerra. A Democracia é fabricada na China por operários que trabalham 20 horas num dia e recebem uma tigela de arroz em troca do seu trabalho.
Se existiu deixou de existir; é passado, dificilmente será futuro outra vez. Governantes e governados deixaram de ter tempo para pensar nesse assunto.
Andamos todos demasiado ocupados a tentar ganhar dinheiro e a discutir como se pode arranjar mais dinheiro e quem deve dinheiro a quem e qual a melhor forma de cobrar a dívida e a menos ruinosa de pagar os juros agiotas que quem empresta dinheiro sempre cobra.
A Democracia vende-se e compra-se, troca-se, empresta-se e negoceia-se.
A Democracia é um franchise de uma marca made in USA que comprou os direitos de representação à Europa ali por volta dos tempos do pós 2ª guerra. A Democracia é fabricada na China por operários que trabalham 20 horas num dia e recebem uma tigela de arroz em troca do seu trabalho.
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