quarta-feira, maio 14, 2014
Milagres
Ontem foi dia de comemorar milagre. Saí à rua a olhar para cima, não fosse a Virgem passar por ali e eu, distraído, a não visse. Pensei em todos aqueles milhares de peregrinos que palmilham as estradas de Portugal em direcção a Fátima, terão eles a secreta esperança de dar de caras com Nossa Senhora?
Cansado de olhar por detrás de cada nuvem à cata de uma aparição, lá me orientei por entre os prédios, o lixo, os automóveis e as pessoas com olhar de zombie, penetrando no meu quotidiano delirante com aquela segurança abstracta que define o modo de ser do citadino contemporâneo: "sou um estereotipo", pensei. "Espera, sou um estereotipo que pensa; menos mau."
É bastante frequente ter pensamentos deste tipo, pensamentos que me sossegam, como se desse palmadinhas no ombro a mim próprio: "deixa lá isso, pá, o mundo é uma merda mas tu até nem estás mal"; é assim que nos distraímos dos passos que damos e nos arriscamos a dar de trombas com um santo qualquer?
Talvez não, esta capacidade para a auto-complacência pelo contrário, deve ser coisa para afugentar as bondosas criaturas celestiais. Imagino que um gajo como eu não precise de um santinho que o salve quando se tem a si próprio. Os santos decerto encontram pessoal bem mais precisadinho das suas capacidades curativas.
Ontem foi dia de comemorar milagre mas os milagres são para quem tem a felicidade de tropeçar neles e não para quem deles anda à procura.
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