segunda-feira, dezembro 31, 2012

Bom Ano de 2013

Estava para aqui a ponderar a possibilidade de desejar um bom Ano de 2013 a quem ler estas linhas. Em Portugal o sentimento geral é de grande apreensão sobre o que o Novo Ano nos poderá trazer. Há razões fundamentadas que sustentam todos os nossos receios mas, como diz o povo, a esperança é a última coisa a morrer e, enquanto tiver um soprozinho de vida, devemos acarinhá-la.

Assim sendo, desejo a todos que não desliguem a máquina que vai evitando a morte cerebral da esperança. Enquanto ela não bater completamente a bota teremos ainda uma hipótese de ver 2013 trazer-nos algo que não apenas desespero e desconfiança.

Corações ao alto, hoje (pelo menos hoje) é dia de festa!

sexta-feira, dezembro 28, 2012

A lista

No atropelo dos dias a correr todos para ver qual deles chega primeiro ao último do ano fazem-se as habituais listas.

Refiro-me às listas dos melhores filmes, dos melhores livros, dos melhores dos melhores do ano, discos, personagens e acontecimentos, um caleidoscópio de factos e ideias difícil de conceber quando não se tem a eloquência cultural de um crítico jornalista.

Invejoso como sou, não quero ficar atrás das luminárias que tudo leram, tudo viram e ouviram, ganhando dessa forma uma autoridade que não tenho mas que posso fingir que tenho. A inveja tem destas coisas.

Como sou desorganizado e  chego muitas vezes tarde e a más horas ao conhecimento exigido (se frequentasse o Facebook com maior regularidade talvez me safasse) vou aqui lavrar uma lista digna da minha soberba. É possível que algumas das coisas que constam desta lista nem tenham saído este ano, não há problema.

Assim:

O melhor filme do ano foi "Vergonha" daquele gajo com nome de actor mas que é realizador e foi artista plástico. Mas também gostei muito de "Tabu" do muito nosso Miguel Gomes e poderia citá-lo antes do outro. É uma questão de pedantismo cultural...

O melhor disco (dos que ouvi) foi "Blunderbuss" de Jack White. Decerto me estão a escapar montes de coisas interessantes mas, assim de repente, não me ocorre outro o que deve fazer deste o que mais me impressionou.

O melhor livro que li este ano... caraças, esta é mais complicada. Sei que "Mel" de Ian McEwan saiu em 2012 e é um grande livro. Também me agradou "A Boneca de Kokoschka" de Afonso Cruz mas, vejo agora, que já foi editado em 2010. E depois? Li uma mão-cheia de bons livros, "O Varandim seguido de Ocaso em Caravangel" de Mário de Carvalho foi editado este ano e também poderia figurar no topo. Fico por aqui que já estou a ficar confuso.

Termino a minha singela lista com a escolha do melhor palhaço ou o maior palhação, não interessa muito para o caso. Esta é fácil e difícil: entre Miguel Relvas e Pedro Passos Coelho venha o Diabo e escolha. De preferência que escolha os dois e os leve com ele.

Até breve e boas listas.

quinta-feira, dezembro 27, 2012

Um desejo

O Natal passou, vem aí o último dia deste ano. 2012 sempre vai acabar com o mundo, aparentemente, intacto ou, pelo menos, apenas um pouco menos saudável. Nada de muito preocupante.

Desejar um Novo Ano feliz soa a conversa mole, conversa de circunstância. O melhor é não o fazer. Fico-me por um desejo mais sincero, caro leitor, quanto ao Novo Ano, desejo, apenas, que lhe sobrevivas. Dê lá por onde der.


sexta-feira, dezembro 21, 2012

Viva o Mundo!

E pronto, é oficial, o mundo acaba (acabou?) hoje.

Já tantas vezes morto e enterrado, o mundo renasce sempre, transformado, como larva que gera borboleta que gerará nova larva e nova borboleta e outra larva, por aí fora, até que alguma borboleta não encontre mais céu para voar nem raio de luz para disputar. O que não é o caso.

Alguns sinais, discretos mas perceptíveis, provam a morte do mundo: a caixa de correio vazia em vésperas de Natal; o frenesim apático de inteligência que anima os corpos que cruzam o centro comercial em velocidade de cruzeiro fantasma; a falta de esperança no novo ano que se aproxima à distância de poucos dias...

O fim do mundo não é, ao contrário do que pretendem alguns fanáticos alarmistas e maus realizadores de cinema, uma sucessão fantástica de calamidades que tudo arrasa em explosões espectaculares e multidões em fuga para lado nenhum, gritando como manadas de vitelos desmamados. Não. O fim do mundo é uma coisa secreta que acontece todos os dias. Dentro de cada um de nós, fora da realidade comum.

O mundo que hoje acaba (acabou?) é um cadáver há muito adiado. Anunciar o seu fim nos meios de comunicação social apenas tornou visível essa mortezinha quotidiana, faz ver a quem não tem olhos como as coisas são frágeis e transitórias. Nada de mais, mera banalidade essa: a agonia de um planeta inteiro dentro de cada um de nós.

E pronto. O mundo morreu, viva o mundo! É tempo de continuar a viver.

segunda-feira, dezembro 17, 2012

A morte como Bela-arte

"Mata-os suavemente" é um filme que tenta fixar uma estranha forma narrativa, sobrepondo duas camadas, duas linhas narrativas, em simultâneo.

Por um lado seguimos os acontecimentos que vão constituindo o quotidiano sombrio das personagens, por outro acompanhamos, através da TV e de um ou outro "outdoor" a campanha eleitoral que marcou o fim do reinado de Bush e a ascensão de Obama à presidência dos EUA.

Há sempre uma espécie de eco, um eco da realidade histórica, que se sobrepõe ao fio narrativo e ficcional do argumento. O resultado é, por vezes, elegante, noutras ocasiões resulta num grosseiro sublinhar daquilo que está, evidentemente, retratado perante os nossos olhos.

Talvez resida aqui alguma fragilidade, uma certa incapacidade de manter um discurso equilibrado, como se o realizador ora considerasse o espectador como alguém inteligente ora estivesse a dirigir-se a um imbecil, incapaz de compreender certas subtilezas narrativas.

Em termos formais pareceu-me muito bom. Os enquadramentos e as sequências visuais têm momentos perfeitos. Quando a cena exige contenção e simplicidade, ela está lá, quando o realizador sente necessidade de estilizar a acção ao ponto de a transformar em mero artifício não hesita em fazê-lo. A violência tem momentos de uma beleza pungente, quase comovente, que divide com situações de uma crueza selvagem.

Uma última palavra para os desempenhos dos actores, merecendo destaque a prestação de James Gandolfini, um assassino a perder a mão e o jeito. Os outros, com Brad Pitt à cabeça, vão todos em grande estilo.

Enfim, um filme a ver com o agrado que formos capazes de sentir perante um objecto predominantemente sombrio.

sábado, dezembro 15, 2012

Massacres

Os massacres de inocentes sucedem-se a um ritmo estranho nos EUA (ver aqui lista). Os assassinos, nitidamente loucos varridos, dedicam a sua fúria desconcertante para os mais variados grupos.

Em Agosto um gajo abateu seis cidadãos e feriu outros três, cuja particularidade, inquietante para a sua mente perturbada, era o uso de turbante sikh. Pouco tempo antes, em Julho, um outro maluco assassinara a tiro de metralhadora 12 espectadores de um cinema no Colorado (e feriu mais 59) que se preparavam para assistir à estreia do mais recente filme do Batman.

Os assassinos suicidam-se, são abatidos ou apanhados e condenados, isso não interessa muito para o caso. A questão é: porque acontece isto tão regularmente em território norte americano?  A resposta parece ser óbvia: porque um gajo pode ir, por exemplo, ao barbeiro e, entre um corte de cabelo e uma manicure, comprar uma arma automática com munições sem ter que explicar a ninguém o desejo de possuir tão macabro brinquedo.

É conhecido o poder dos fabricantes de armas nos EUA (se fosse só nos EUA...) e a sua inacreditável capacidade para perpetuar a venda livre de pistolas, metralhadoras e bazucas lá na terra deles. O argumento económico pesa, e de que maneira, para manter esta situação selvagem.

Tudo isto configura uma metáfora poderosa do estado civilizacional a que chegámos. A morte é fácil mas o dinheiro flui... já a vida parece demasiado cara para ser preservada. A morte é, de longe, mais barata e lucrativa do que a vida.

quarta-feira, dezembro 12, 2012

Olha para mim


Há pessoas a quem a necessidade de atenção obriga a fazer coisas estranhas.

Aquele rapaz caminhava com os gestos gingões que deve ter visto nos maus da fita de um qualquer vídeo de hip hop de quarta categoria, um vídeo daqueles, cheio de gajas boas e cantores atarracados sob o peso de correntes de ouro, anéis enormes e bonés colocados às três pancadas, encavalitados no cucuruto forrado com lenço colorido. 

É um passo em cadência embriagada, ao ritmo de uma música imaginária, que lhe desorganiza o peso dos pés e das pernas, que confunde aos nossos olhos a força da gravidade. Desloca-se enredado na teia daquele complexo jogo de forças invisíveis, a serpentear dos calcanhares às nádegas, das nádegas à ponta dos ombros, a parecer que cai, mas não cai, a pisar o chão com demasiada força após um movimento da perna que parecia suave e gracioso.

Esse rapaz acompanha um outro que, não sendo tão estiloso no andar, tem uma característica complementar. Vai agarrado a um telemóvel, debruçado para dentro dele, teclando furiosamente com o polegar direito. Fala alto, como se tivesse um megafone incorporado e tem um aspecto algo patusco de aspirante a presidiário, uma dureza construída à força e demasiado óbvia. 

São dois bonecos de um museu de cêra dos horrores domésticos, dois animais de estimação a quem falta o dono, a quem falta quem lhes dê atenção e os leve a mijar no fim de mais um dia sem outra coisa que não seja exibir o aspecto duvidoso, como se isso fosse uma grande (e única) qualidade. 

Olho para eles e penso "nunca ninguém lhes disse que eram bonitos, nem mesmo quando foram pequeninos". E não vou ser eu quem lhes diz isso. Eles nunca vão ser bonitos. Se era atenção que eles queriam, aqui a têm.

domingo, dezembro 09, 2012

Aniversário

Aqui há uns dias atrás o 100 Cabeças cumpriu o 7º aniversário. Como de costume nem me apercebi (a data de nascimento deste blogue é algures para os finais de Novembro) e venho assinalar a efeméride com o atraso habitual.

Muito se tem falado da falência da Blogosfera (chegou mesmo a surgir o termo Zumbisfera) e das razões que levam a esse suave desvanecimento. A leitura de "O ÚLTIMO BLOG e outras blogagens" veio recordar-me uma série de questões relacionadas com a motivação do "blogueiro" e as dificuldades de encontrar e manter leitores (a parte em que o Eduardo expõe as características que considera essenciais para que um Blogue seja capaz de "prender" leitores é muito interessante).

Realmente, as dúvidas e as questões enrolam-se constantemente umas nas outras e vão fazendo com que o "blogueiro" ora seja assíduo, ora se sinta algo desmotivado e vá fazendo gazeta à escrita.

Seja como for, já lá vão 7 anos a "blogar" e, para ser sincero, não estou a ver o fim próximo para esta coisa. Será teimosia, ego desmesurado, simples ingenuidade ou outra coisa qualquer. A verdade é que o 100 Cabeças passou a fazer parte de mim (ou terei sido eu que passei a fazer parte dele?).

Parabéns (atrasados) a mim próprio, o 100 Cabeças!

sexta-feira, dezembro 07, 2012

A força da Palavra

Joaquim Benite

Há dias em que só me apetece dizer "foda-se"!

Expressão profundamente grosseira, de uma deselegância próxima da boçalidade camponesa que enformou a minha mais tenra infância, "foda-se" é mais do que uma palavra, foda-se é um estado de espírito.

Foda-se a morte, foda-se a vida, fodam-se os mortos e fodam-se os vivos. Dita assim muitas vezes, a palavra foda-se tem qualquer de catártico, esconjurando fantasmas e traumas com uma eficácia desarmante.

Dizer foda-se muitas vezes e de forma apropriada poupa-nos uma ida ao psiquiatra e faz-nos evitar a cartomante da esquina. Foda-se é uma expressão libertadora que contribui para a poupança de uns dinheiros que, de outra forma, seriam (mal) aplicados em terapia desnecessária.

Anteontem faleceu o Joaquim Benite, ontem o eterno deixou de fazer sentido com a morte de Niemeyer. Dizer a palavra (foda-se) ajuda a aliviar a sensação de que há fantasmas que o Inverno liberta e ficam por aí a reclamar vidas a que pensam ter direito, mesmo do outro lado do mar oceano onde nem sequer faz sentido que se morra por não estar o frio que aqui se faz sentir.

Foda-se.

Dickens intuiu a coisa com o seu Scrooge e os fantasmas natalícios. Mas, como era um homem bem educado, não utilizou, no seu conto imortal, a palavra mágica: foda-se. Convenhamos que é a palavra que falta ao conto para que seja uma obra-prima absoluta e não aquilo que realmente é, uma extraordinária obra-sobrinha.

Termino este mal-humorado post com a sugestão: leitor amigo, experimenta dizê-lo alto - FODA-SE. Se porventura não sentiste um leve sopro libertador, então repete, di-lo mais alto, grita-o se necessário for. O mundo não merece mais do que isso. Estranhamente, também não merece menos.




quarta-feira, dezembro 05, 2012

Milagre zumbisférico

Recebi um exemplar de  "O Último Blog e outras blogagens", uma espécie de milagre contemporâneo em que o virtual se transmuta em objecto palpável.

Mais credível que um deus que se fez carne ou aqueloutro que se fez livro, o milagre acima referido tem o cunho do Eduardo Lunardelli que, estou em crer, dispensa qualquer tipo de apresentação aos leitores eventuais deste meu post.

Ler "O Último Blog" é como surfar na internet só que num "book" verdadeiro, com folhas de papel e letras impressas. A sensação é estranhamente agradável, até porque não é todos os dias que temos a possibilidade de confirmar um milagre verdadeiro e é reconfortante confirmar que coisas dessas acontecem fora da estreita vigilância dos polícias do Vaticano.

"O Último Blogue e outras blogagens" é um milagre zumbisférico.

Post Scriptum Juntamente com o referido livro-milagre chegou também a colectânea de poesia intitulada Poema [entre chaves] onde o Eduardo reúne alguns dos poemas que vem postando lá no Varal de Ideias.