Muito se fala dos muçulmanos que cospem fogo dos olhos e da boca de cada vez que alguém se lembra de lhes mostrar uma imagem considerada ofensiva para os seus princípios sagrados. Que não sabem o que é a liberdade expressão, que não são capazes de conviver pacificamente num mundo livre de preconceitos e o diabo a quatro.
De imediato há vozes que se levantam dentro das fronteiras do chamado mundo livre a avisar os muçulmanos que por cá vivem da necessidade de mostrar respeito pelos princípios sagrados das democracias ocidentais. A liberdade de expressão é um desses princípios e, como tal, respeitinho ou então que se ponham a milhas de distância.
Quando a coisa queima os olhos e a fé das seitas cristãs, sejam a católica, as evangélicas ou outras que agora me não acorrem à memória, como podemos lidar com a fúria dos fiéis? É que Cristo é o herói cá deste lado (Maomé é o herói dos "outros") e, na terra dos livres, à partida, não há limites para a expressão de ideias e convicções.
Pessoalmente já não tenho pachorra para aturar as virgens ofendidas, sejam cristãs ou muçulmanas. Um símbolo é um símbolo e não passa disso. Se não gostam das imagens que vão por aí surgindo não olhem ou então tapem a boca com a mão para que ninguém ouça o palavrão que estas lhes sugerem. E peçam perdão a Deus por terem dito uma coisa tão suja. O assunto fica resolvido.
sexta-feira, setembro 28, 2012
terça-feira, setembro 25, 2012
A lição da amêijoa
Vejo a publicidade de uma cadeia de supermercados que anuncia, óptimo negócio a preço convidativo, a oferta de um produto exótico: a amêijoa vietnamita. Dá que pensar, a mera existência de semelhante possibilidade de negócio, ao alcance de qualquer cidadão, mesmo daquele que tenha o pé quase descalço.
Trata-se de um produto surpreendentemente barato e vem de tão longe... a amêijoa da Ria Formosa, que vem já dali, que tem de percorrer uns míseros quilómetros em território luso, é tão mais cara! Como pode isto acontecer?
Fenómenos da globalização que qualquer economista de pacotilha ou merceeiro que comercialize bivalves decerto me explicaria com rapidez e eficácia graças a um especialíssimo olho de falcão negociante.
Eu, mero consumidor, ignorante destas maravilhas planetárias, espanto-me, simplesmente, e olho o fenómeno como se observasse uma aparição milagrosa da Virgem Maria no tabuleiro da ponte em hora de ponta.
Ainda há pouquinhas décadas atrás, as amêijoas vietnamitas eram tostadas a fogo de napalm, cuspido dos céus pelos nossos aliados americanos. Naquele tempo os comunistas combatiam os meus irmãos capitalistas com uma ferocidade digna do mais tremendo dos dragões numa das guerras mais sangrentas que a memória do século XX registou a contragosto.
Eram dois mundos de tal forma antagónicos, pareciam tão irremediavelmente apartados e, agora, isto. O Vietname é hoje um dócil destino turístico, o professor Henrique Calisto foi, durante alguns anos, treinador da sua selecção nacional de futebol e andamos a comer amêijoas à Bulhão Pato nadas e criadas em pleno território vietnamita!
Tanta morte, tanto ódio, tanta angústia, tanto desvario animalesco para agora termos na travessa de alumínio a apetitosa amêijoa vietnamita. Os antigos camaradas vietcong também têm o direito a sonhar com um écrã LCD e um carrito que queime gasolina. O capitalismo triunfou, de facto?
Ainda não acabei de escrever a frase anterior e já me sinto tentado a concluir que as guerras só se ganham (ou perdem) depois de muito bem assente a poeira levantada pela última bomba.
Trata-se de um produto surpreendentemente barato e vem de tão longe... a amêijoa da Ria Formosa, que vem já dali, que tem de percorrer uns míseros quilómetros em território luso, é tão mais cara! Como pode isto acontecer?
Fenómenos da globalização que qualquer economista de pacotilha ou merceeiro que comercialize bivalves decerto me explicaria com rapidez e eficácia graças a um especialíssimo olho de falcão negociante.
Eu, mero consumidor, ignorante destas maravilhas planetárias, espanto-me, simplesmente, e olho o fenómeno como se observasse uma aparição milagrosa da Virgem Maria no tabuleiro da ponte em hora de ponta.
Ainda há pouquinhas décadas atrás, as amêijoas vietnamitas eram tostadas a fogo de napalm, cuspido dos céus pelos nossos aliados americanos. Naquele tempo os comunistas combatiam os meus irmãos capitalistas com uma ferocidade digna do mais tremendo dos dragões numa das guerras mais sangrentas que a memória do século XX registou a contragosto.
Eram dois mundos de tal forma antagónicos, pareciam tão irremediavelmente apartados e, agora, isto. O Vietname é hoje um dócil destino turístico, o professor Henrique Calisto foi, durante alguns anos, treinador da sua selecção nacional de futebol e andamos a comer amêijoas à Bulhão Pato nadas e criadas em pleno território vietnamita!
Tanta morte, tanto ódio, tanta angústia, tanto desvario animalesco para agora termos na travessa de alumínio a apetitosa amêijoa vietnamita. Os antigos camaradas vietcong também têm o direito a sonhar com um écrã LCD e um carrito que queime gasolina. O capitalismo triunfou, de facto?
Ainda não acabei de escrever a frase anterior e já me sinto tentado a concluir que as guerras só se ganham (ou perdem) depois de muito bem assente a poeira levantada pela última bomba.
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terça-feira, setembro 18, 2012
Imagens
Ninguém sabe ao certo quantos eram. Eram um rio, fizeram um mar de gente. Milhares e milhares de cidadãos manifestando-se de forma pacífica, uma forma de expressão muito portuguesa. Havia mamãs com bebés em carrinhos, pais que levavam os filhos às cavalitas, crianças que batiam com pandeiretas na cabeça dos pais, velhinhos muito velhinhos e raparigas e rapazes jovens. Punks de crista colorida e tias da linha com os seus óculos enormes e roupas de marca. Havia gente de todas as cores, de todos os tamanhos, formas e feitios.
Bandeiras... quase todas portuguesas (vi uma bandeira islandesa). Palavras de ordem... ou eram complicadas e ninguém conseguia repetir o que alguém gritava através do megafone ou eram simples e, de vez em quando, elevavam-se coros de vozes "FMI, fora daqui".
Mas, a palavra de ordem que todos sabiam, os que costumam participar em manifestações de rua e os que nunca haviam antes experimentado esta liberdade, os que já eram crescidos quando rebentou a Revolução e os que ainda nem sequer tinham nascido, a palavra de ordem que me trouxe lágrimas aos olhos por tudo o que significa, pelo seu maravilhoso fundo quixotesco, pela esperança quase infantil que transporta, a palavra de ordem que entoei com os outros, que me fez sentir eles e compreender que eles se sentiam eu, a maravilhosa palavra de ordem foi a imortal "o povo, unido, jamais será vencido, o povo, unido, jamais será vencido, o povo, unido, jamais será vencido".
O mundo pode acabar tal como o compreendemos, podem matar-nos a todos de todas as formas possíveis e inimagináveis, mas o povo, quando sai à rua, é a coisa mais bela do mundo!
Que se lixe a troika, no sábado tivemos a nossa vida de volta!
Bandeiras... quase todas portuguesas (vi uma bandeira islandesa). Palavras de ordem... ou eram complicadas e ninguém conseguia repetir o que alguém gritava através do megafone ou eram simples e, de vez em quando, elevavam-se coros de vozes "FMI, fora daqui".
Mas, a palavra de ordem que todos sabiam, os que costumam participar em manifestações de rua e os que nunca haviam antes experimentado esta liberdade, os que já eram crescidos quando rebentou a Revolução e os que ainda nem sequer tinham nascido, a palavra de ordem que me trouxe lágrimas aos olhos por tudo o que significa, pelo seu maravilhoso fundo quixotesco, pela esperança quase infantil que transporta, a palavra de ordem que entoei com os outros, que me fez sentir eles e compreender que eles se sentiam eu, a maravilhosa palavra de ordem foi a imortal "o povo, unido, jamais será vencido, o povo, unido, jamais será vencido, o povo, unido, jamais será vencido".
O mundo pode acabar tal como o compreendemos, podem matar-nos a todos de todas as formas possíveis e inimagináveis, mas o povo, quando sai à rua, é a coisa mais bela do mundo!
Que se lixe a troika, no sábado tivemos a nossa vida de volta!
domingo, setembro 16, 2012
quinta-feira, setembro 06, 2012
Regresso a casa
Começo a recuperar o sentido do tempo tal como ele é marcado nos relógios de minha casa. Os primeiros dias, após uma viagem intercontinental, são sempre um tanto hipnóticos. É meia-noite e é como se fossem horas de jantar. Tudo indica que devia estar a dormir mas só acordado as coisas fazem uma réstea de sentido.
Entretanto o corpo vai cedendo ao cansaço, os sonos reorganizam-se de acordo com os movimentos indolentes do sol e da lua e percebemos que podemos declarar estarmos de regresso. Casa só volta a ser casa quando conseguimos dormir outra vez no tempo certo da noite.
Isto pode fazer com que coisas muito simples sejam complicadas e muito, muito irritantes. O quotidiano parece um donut cor-de-rosa derretido a um canto da sala ou um ramo de flores que ficou quinze dias na jarra com água e agora a água cheira a podre e as flores estão secas mas também molhadas. Vamos regressando mas nunca regressamos de uma assentada. É um processo parcelar e muito pouco metódico.
No primeiro dia sente-se um deslumbramento estranho. A televisão parece quase um teatro renascentista e a vizinha velhota do rés-do-chão é como se tivesse saído de uma super produção óliudesca de um filme de zombies tristonhos que, no entanto e apesar de serem zombies, falam com uma voz fininha que até parece que estão a atirar agulhas com uma pistola de vácuo.
Após uns quantos dias a estranhar as coisas mais banais sinto que, finalmente, regressei ao meu corpo. Sim, estou outra vez dentro de mim próprio. Estou mais gordo.
Entretanto o corpo vai cedendo ao cansaço, os sonos reorganizam-se de acordo com os movimentos indolentes do sol e da lua e percebemos que podemos declarar estarmos de regresso. Casa só volta a ser casa quando conseguimos dormir outra vez no tempo certo da noite.
Isto pode fazer com que coisas muito simples sejam complicadas e muito, muito irritantes. O quotidiano parece um donut cor-de-rosa derretido a um canto da sala ou um ramo de flores que ficou quinze dias na jarra com água e agora a água cheira a podre e as flores estão secas mas também molhadas. Vamos regressando mas nunca regressamos de uma assentada. É um processo parcelar e muito pouco metódico.
No primeiro dia sente-se um deslumbramento estranho. A televisão parece quase um teatro renascentista e a vizinha velhota do rés-do-chão é como se tivesse saído de uma super produção óliudesca de um filme de zombies tristonhos que, no entanto e apesar de serem zombies, falam com uma voz fininha que até parece que estão a atirar agulhas com uma pistola de vácuo.
Após uns quantos dias a estranhar as coisas mais banais sinto que, finalmente, regressei ao meu corpo. Sim, estou outra vez dentro de mim próprio. Estou mais gordo.
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segunda-feira, setembro 03, 2012
Regresso ao Metropolitan
O Metropolitan Museum é uma perdição. Assim, ao calhas e de repente: Van Eyck, Goya, Bruegel (o Velho), David, Ernst, Beckman, Picasso e, acima de tudo, a galeria de peças escultóricas coleccionadas na ilhas do Pacífico. Penetrar aquela massa arquitectónica sem objectivos bem definidos pode deixar o visitante em pânico.
Uma vez que já entrara em pânico numa visita anterior, desta feita concentrei-me mas galerias de pintura europeia e, ainda assim, em peças muito específicas. Absorvi a pincelada tresloucada de Goya , deixei-me ficar a observar com minúcia as tabuinhas de Van Eyck (no Louvre e na National Gallery já me deslumbrara com as suas pinturas mas estas, meu Deus!!!), babei-me com a perícia extraordinária de David em A Morte de Sócrates e no retrato de Lavoisier e sua dama, sentei-me em frente aos ceifeiros de Bruegel a descansar o espírito. Fiz ainda uma visitinha aos Vermeer antes de descer para o piso térreo.
Atravessei em passo de bêbado a galeria de arte da Oceania dirigindo-me às salas de arte moderna e contemporânea. Desinteressei-me de Dali, admirei com mais vagar um ou outro Picasso até me focar nos Bárbaros de Max Ernst. Como pode um objecto tão diminuto possuir uma força e uma energia tão devastadoras? Rondei os painéis de Beckman como uma hiena, deixei-me envolver por uma cena nocturna de Delvaux e depois disparei de novo para a galeria das peças da Oceania.
Andei por ali como uma criança perdida na floresta e, não sei bem porquê, saí do museu e fui para casa.
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