terça-feira, maio 01, 2012

Um comentário a um comentário

A propósito do post anterior o Rui Sousa deixou um comentário que me pareceu digno de passar para este lado do 100 Cabeças (não é a primeira vez que o Rui deixa um comentário com esta qualidade mas é a primeira que eu faço isto) . O Rui comentou assim:

Esta onda que se levantou de proximidade ao Miguel Portas tem-me feito pensar numa coisa que já me venho apercebendo há alguns anos a esta parte. Na vida existem dois tipos de pessoas, os que ficam e os que partem. Os que ficam são a estrutura e os pilares do edifício, aqueles que acreditam nos valores da “construção” e lutam pela sua eternidade. São conservadores e reacionários ao que é novo porque é uma forma de preservarem as estruturas do edifício. Fazem trabalho de sapa, são repetitivos na sua forma de vida e por isso cinzentos e sem magia, fazendo da sua força, determinação e teimosia, as suas armas. Depois, do outro lado estão aqueles que partem, que não suportam a repetição da vida, a rotina e vivem a vida num constante vai e vem. Aparecem quando menos se espera para desestabilizar as almas bem comportadas e conservadoras e desaparecem na primeira oportunidade quando estão mais próximos da vitória e da conquista. São recorrentemente amantes à solta que espalham a sedução e contaminam os que se aproximam com o seu doce veneno, que é no fundo o seu fascínio. Os primeiros erguem, os segundos derrubam, os primeiros acreditam no “fazer”, os segundos acreditam no “viver”, os segundos precisam dos primeiros, precisam das suas almas carentes para incendiá-las com a sua paixão e para legitimar a sua vida, os primeiros precisam dos segundos para se convencerem a si próprios das razões da sua convicção. Uns desestabilizam, outros estabilizam. Uns vivem uma vida cinzenta, outros espalham a cor pela vida e nós, ávidos que estamos sempre de cor, nunca resistimos ao glamour nem ao fascínio de quem vive em detrimento de que faz. Os irmãos Portas são a incarnação real deste exemplo. Será que se fosse o Paulo a morrer o país se emocionaria tanto? E se fossemos todos como o Miguel seria possível construir um país? E se fossemos todos como o Paulo seria possível viver neste país?

Na minha perspectiva das coisas, quando alguém falece logo se nos revela diferente daquilo que foi enquanto esteve vivo. Como diz uma canção dos Stranglers, "everybody loves you when you're dead". Fico com a sensação de que tememos mais a presença do corpo físico do que a permanência das ideias, o que não será uma atitude particularmente avisada. 


Nem Paulo Portas é o diabo nem Miguel se transmutou subitamente em anjo. A vida é para ser vivida e, quando morremos, a nossa memória poderá ter alguma utilidade para os que cá ficam. Talvez seja neste ponto, após a nossa morte, que a vida ganha algum sentido.

5 comentários:

Jorge Pinheiro disse...

Acho que já tinha ganho em vida, mas a morte garante uma apreciação definitiva.

Rui Sousa disse...

Rui, obrigado pelas simpáticas palavras. De facto a natureza humana é um poço de inspiração, de pecados e virtudes. há uma frase que diz que todos os Homens são bons quando não os temos que aturar muito tempo. É esta equação da relação com a proximidade do nosso semelhante e com a sua distância que nos perturba, porque nunca foi bem resolvida por nós. Parece que não conseguimos viver com os outros, nem conseguimos viver sem os outros.

Silvares disse...

Jorge, definitiva não direi. Mas perto disso.

Rui, há também quem diga que "o inferno somos nós" mas isso são já contas de um outro rosário...

Li Ferreira Nhan disse...

Qualquer palavra minha iria estragar tudo o que eu li.

Silvares disse...

Li, pode sempre experimentar escrever essa palavra, decerto irá encontrar o lugar dela.
:-)