Ontem foi dia de manifestação em Lisboa. Seria banal (quantas manifestações já se fizeram em Lisboa, meu Deus?) se não tivesse sido dia de manifestação em mais umas quantas centenas de cidades por esse mundo fora. Talvez me engane mas penso poder afirmar que assistimos à primeira manifestação global na sociedade da informação. E do consumo.
O que levou tantos milhares de pessoas (todas juntas terão atingido os milhões?) a sairem para a rua gritando palavras de ordem tão diferentes umas das outras, numa verdadeira Torre de Babel de sentimentos e reivindicações? Na Ásia, na América, na Europa, um pouco por todo o universo democrático, os cidadãos revoltam-se contra a gula insaciável do capitalismo selvagem.
Penso que o que está a despertar no íntimo de cada um de nós é a percepção de um paradoxo destruidor de boas vontades: dizem-nos que somos livres e tratam-nos como escravos.
O que irá sair daqui? Não sabemos. Quem pode prever o futuro? Ninguém. O que podemos perceber com algum grau de segurança é que está lançada a semente de alguma coisa nova que irá crescer e tomar o seu lugar no horizonte dentro de algum tempo.
É uma semente de revolta (chamam-lhe "indignação") que questiona o sistema pós-democrático com frontalidade. Já todos percebemos que não somos governados por aqueles que elegemos por sufrágio universal e directo, mas sim por personagens que desconhecemos em absoluto que decidem as políticas macro-económicas em nome do enriquecimento faraónico de nem sabemos quem!
Alguma coisa está a mudar.
9 comentários:
Pois, alguma coisa se passa de muito interessante. E essa torre de Babel, parece-me que não o é assim tanto, ou seja, há razões locais que levam as pessoas a manifestarem-se, como é o caso do roubo dos nossos subsídios ou do aumento do horário de trabalho - um perigosíssimo precedente para o mundo e um enorme recuo civilizacional. Mas também há razões universais, o outro lado da globalização. Exigir a globalização da liberdade, da democracia, da justiça, querer globalizar uma mais justa distribuição da riqueza, não me soa à cacofonia que aparentemente parece.
E por isso também lá fui.
Lá estivemos. A luta, neste momento, parece-me que se situa numa espécie de jogo do empurra. Ou conseguimos levar os direitos democráticos para Oriente ou permitimos que nos caia em cima a "desmocracia" chinesa. OO jogo faz-se sob a égide da sacrossanta economia. A ver vamos, como diz o cego. Enquanto a coisa vai ou não vai os vampiros já nos cravaram a dentuça na gorja e vão chupando, chupando...
Sem dúvida, uma semente. Esperemos que o incêndio não se descontrole... muito!
Muito bem colocado! Nunca vimos no mundo nada tão global, em matéria de reenvidicações.O que virá depois, ou por conta dessa onda, ninguém poderá prever. Suspeitamos, mas não sabemos ao certo! Dias historicamente importantes.
Parece-me claro que o capitalismo deixou de ter soluções para um mundo minimamente justo e que o pessoal já percebeu claramente isso.
Agora a questão é que mundo queremos, que soluções propomos e em relação a isso, esta manifestação avançava com algumas ideias que me parecem correctas:
- Por uma democracia participativa.
- Pela transparência nas decisões políticas.
- Contra a privatização dos recursos naturais e sectores estratégicos.
- Pelo direito ao trabalho com DIREITOS, à habitação, à educação, à saúde e à cultura.
Esta equação é verdadeiramente difícil, senão mesmo impossível de resolver nos modos em que a queremos resolver. Para haver democracia, tem que haver liberdade e para haver liberdade tem que haver capitalismo. Temos que nos convencer que não há capitalismo com regras, a liberdade de acção e o individualismo é o adn do capitalismo, quem é forte safa-se e quem é fraco fica sujeito ao abandono ou à caridade de quem tem. São estas as regras do jogo. O socialismo e a social democracia são sistemas híbridos sem um fundamento filosófico por trás, como tem o capitalismo ou o comunismo, por isso é que estes dois últimos funcionam ( com mais ou menos injustiças ) e os outros não. O socialismo e as sociais-democracias foram uma “invenção”, pós-guerra. Os governantes europeus tiveram que criar um sistema para confortar e acalmar as reivindicações (legitimas) das classes baixas (operários), e inventou-se a classe média, ou seja os funcionários públicos. Quem tivesse esta classe do seu lado ganharia as eleições, mas para estarem do lado tiveram que ir subindo a “parada” ao longo dos anos (nos ordenados, no serviço público, nas reformas, etc.) e o resultado é este, chegamos a um ponto em que não nos sustentamos mas em que, também, nem queremos o proteccionismo do comunismo (porque nos rouba a liberdade), nem a lei da selva do capitalismo porque nos dá a selva, ou seja queremos todos o melhor dos dois mundos e isso parece-me impossível. Estas manifestações estão a dar um sinal errado ao mundo porque estão a dizer às pessoas que é possível continuar a viver como a Europa sempre viveu e não é possível. A única coisa que devíamos exigir é que os sacrifícios fossem proporcionais a todos, porque mesmo que não resolvessem os problemas do mundo, pelo menos resolviam a nossa consciência, essa devia ser a única mensagem mas não é, e é pena.
como otimista que sou, vislumbro uma luz no fim do túnel, nem tudo está perdido. Nem dando tempo para ler todos os seus posts, tá inspirado Rui.Bjs
madoka
Jorge, é só fumaça!
:-)
Eduardo, é isso, fica a sensação de que estamos a viver uma página de um livro de História. Sensação estranha quando se faz parte de um presente que sabemos ir ser lembrado no futuro... quando já for passado.
:-D
Olaio, as palavras de ordem sabem bem, deixam um perfume agradável dentro da boca mas quando entram em contacto com a atmosfera depressa se esvaziam.
:-(
Rui, estamos obrigados a procurar respostas para questões extraodinariamente complexas. A coisa não é fácil mas, parece-me, talvez haja soluções que ainda não somos capazes de imaginar.
:-]
Madoka, nem que seja a luz de uma velinha. Se ela lá está é para lá que temos de nos dirigir. A escuridão que se dane!
:-}
Rui lutar contra a privatização dos recursos naturais e sectores estratégicos (um exemplo), não é só uma boa palavra de ordem, é uma ideia concreta de futuro sob a qual podemos juntar vontades para construir um mundo JUSTO e LIVRE!
The dear Zé, não queiras “globalizar uma MAIS justa distribuição da riqueza”, pois tudo o que seja menos que UMA JUSTA DISTRIBUIÇÃO DA RIQUEZA, é uma injustiça, ou mais propriamente (porque a situação não está para meias palavras); FASCISMO!
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