sábado, julho 31, 2010

Férias


As férias estão aí. Quem ainda não se apercebeu que o relógio está mais preguiçoso e que hoje é quase a mesma coisa que foi ontem e que a cidade, de repente, ficou menos cheia que uma lata de sardinhas em conserva, quem ainda se não apercebeu de tais evidências, é porque continua a trabalhar. Lamento.

Os outros, os que não só compreendem as patacoadas que escrevi no parágrafo anterior como ainda seriam capazes de lhe acrescentar umas parvoíces no género, parabéns, estão assim como eu, algures entre ontem e depois de amanhã. O dia de hoje e o que lhe está colado não têm grandes coisas a prometer. É nos dias seguintes que se escondem os acontecimentos mais marcantes das férias que, apesar de já terem começado, ainda não se parecem com grande coisa.

Viagens, aviões, automóveis, comboios, barcos, metros debaixo das entranhas da cidade. Ainda estou para perceber se as férias são descanso ou cansaço. Estou quase ansioso por percebê-lo! Um gajo está sempre à espera de uma aventura qualquer. Venha ela que já estou um pouco saturado de continuar à espera.

sexta-feira, julho 30, 2010

O prazer de ver ou de pintar ou... sei lá eu!


Uma exposição de pintura que é uma exposição de pintura é coisa que não é tão comum quanto possa parecer. Esta exposição de trabalhos de António Olaio, patente no Museu de Grão Vasco, em Viseu, fez-me perceber a importância de um artista contemporâneo ter um projector de imagens no ateliê onde trabalha.

Não era nada que não me tivesse já chamado a atenção. Para executar trabalhos de uma certa dimensão, o dito projector é um instrumento de primordial importância. Já ninguém faz ampliações recorrendo ao método das quadrículas e poucos arriscarão um desenho monumental sem recorrer à ajuda de processos mecânicos de ampliação. É uma questão de sanidade mental e desenvoltura no trabalho de pincelar uma tela (ou outro tipo de superficíe).

Olhando a sequência das cadeiras, cadeirinhas e cadeirões de Olaio, senti aquele pequeno je ne sais quoi que nos assalta quando percebemos como poderíamos resolver com elegância e rapidez certas questões que ainda não havíamos compreendido lá muito bem.

Bom, sendo completamente honesto deveria dizer, "aquelas questões que já tínhamos compreendido como resolver mas que ainda não resolvemos", talvez por preguiça ou falta de pachorra ou de dinheiro ou de interesse, as razões poderão alinhar-se como soldadinhos na parada à espera que o oficial de dia faça a inspecção das suas qualidades soldadescas. Não interessa muito. Não interessa nada.

A arte parece-me uma questão de oportunidade ou interesse particular, fruto de circunstâncias específicas. Parece-me qualquer coisa que poderia não ser o que é por falta de possibilidades para compreender o que quer que seja. Esta conversa é, sem dúvida nenhuma, fruto de uma certa indolência intelectual, enxertada em calor e falta de assunto, fruto nascido podre na árvore da minha ignorância, árvore essa bem capaz de produzir toneladas de fruta podre assim, num abrir e fechar de olhos.

Resumindo e concluindo, a exposição em questão, "Na Cátedra de São Pedro", pinturas e desenhos (mais um vídeo arte) de António Olaio, patente no Museu de Grão Vasco em Viseu, não me aqueceu nem me arrefeceu, antes pelo contrário. Não percebi se a indiferença era problema meu ou dos trabalhos expostos. Talvez o leitor ocasional deste texto possa deslocar-se à dita exposição e ajudar-me a perceber que raio de coisa quero eu dizer com esta conversa toda!

terça-feira, julho 27, 2010

Condicionado


Férias são férias, caramba, hoje fui outra vez ao cinema!
Está um calor de rachar e não há local mais apropriado para um ser humano que um espaço fechado alimentado a ar condicionado. Quando entrei no centro comercial onde se acomodam as salinhas de cinema senti logo aquela lambidela fresca e seca do ar condicionado. O espaço imenso do Palácio do Gelo (nome redentor, nos dias que passam), em Viseu, não tem uma atmosfera verdadeira, nem pode. É em lugares como este que penso no esforço de produção e desperdício de energia necessários para manter a nossa sociedade a funcionar nos parâmetros que consideramos minimamente aceitáveis. Conforto, é a palavra de ordem. O calor lá fora não parece real, quando estamos cá dentro. A verdade e a realidade à cabeçada, como de costume.

Visto que o ar condicionado é um factor importante na decisão de ir até uma sala de cinema, resta dizer que o filme que fui ver foi a nova versão de Robin Hood, realizada por Ridley Scott. Não havia muito por onde escolher. É certo e sabido que escolha tem a ver com a oferta. É a essência do nosso modo de vida. E a ZON Lusomundo abafa por completo a oferta cinematográfica por este país fora. Os mesmos filmes em todo o lado, como se fosse uma empresa de fast food. Podemos estar em locais afastados geográficamente mas aquilo que temos à nossa disposição é igualzinho. A qualidade é uma miragem, nestes dias de calor abrasador. Nos restantes dias do ano é a mesma coisa.

Este novo Robin do Capuz faz uma releitura radical da história clássica do herói e das suas relações com Lady Marion, o Rei Ricardo Coração de Leão, o Princípe/Rei João, o Xerife de Nottingham, João Pequeno, Will Scarlett, etc. e tal. É um filme algo maçador, pesadão, chato mesmo, em algumas passagens. Mas acaba por prender o espectador mais familiarizado com as personagens. Sempre se quer ver até onde vai a inovação desta versão.

E vai longe. Talvez até vá longe de mais. Comprido e chato, como a espada do Rei Ricardo. Se não vires isto, caro leitor, não saberás o que perdes. Se vires, talvez não chegues a saber o que ganhas. É uma questão de ar condiconado.

segunda-feira, julho 26, 2010

O escritor fantasma


Já há muito tempo que não me acontece escrever dois posts seguidos sobre cinema. Isto deve significar que estou em férias pois este post é sobre o mais recente filme de Roman Polanski, O Escritor Fantasma.
Ora aí está um filme para os amantes do bom velho método de fazer cinema: uma câmara de filmar; um punhado de actores (uns melhorzinhos, outros nem por isso e mais alguns para darem consistência aos restantes); um argumento bem urdido, repleto de becos sem saída que, bem vistas as coisas, levam a portas escondidas que se abrem sobre... novos becos sem saída; meia dúzia de décors escolhidos a dedo e um ambiente escurecido por constantes nuvens no céu, a ameaçarem tempestade da grossa. Em suma, podemos afirmar sem grande hesitação que estamos perante um film noir, daqueles que se pensava que já não se faziam. Mas, afinal, ainda há quem os faça e com mestria assinalável, diga-se de passagem. Nada de efeitos especiais, nada planos complicados, tudo na mais eficaz das simplicidades narrativas, exposto com uma segurança quase comovente.
Muito bom.

sexta-feira, julho 23, 2010

Uma coisa negra e luminosa


A Origem, (Inception, no original) é um daqueles filmes que têm tudo para se tornarem objectos de culto. Estranho, arrojado, complexo, repleto de acção e cenas inovadoras, capaz de prender o espectador do primeiro ao último minuto.Não será um filme fácil de seguir se não estivermos disponíveis a aceitar o fundamento da trama.

O que me espanta é como Christopher Nolan (que escreveu o argumento e realizou o filme) pôde pensar, sequer, em meter-se em tamanha enormidade. Como foi capaz contar uma história tão confusa sem nunca perder o fio à meada e, ainda por cima, mantendo o espectador dentro dos acontecimentos.

Outro factor surpreendente é tratar-se de uma super-produção hollywoodesca com duas horas e meia de duração, destinada a um público global (a campanha mediática mostra que é uma aposta comercial) e não fazer a mínima concessão ao facilitismo narrativo, antes pelo contrário. Um objecto cinematográfico tão negro e denso como este filme não liga bem com pacotes de pipocas mas é a esse público devorador de pipocas que se destina.

Enfim, A Origem reúne de forma exemplar uma narrativa extraordinária com uma montagem soberba (as cenas de luta enquanto a carrinha vai caindo, caindo, caindo... são absolutamente excepcionais) mostrando a quem quiser ver que cinema comercial não é, obrigatóriamente, uma pastelice aborrecida e pré-formatada, apesar de ser quase sempre pouco mais do que isso.

Há algum tempo que não via um filme tão eficaz e que me absorvesse totalmente como aconteceu com A Origem.

Um aviso que é também um conselho a quem quiser ver este filme: quanto menos souber sobre ele mais completa será a experiência de o ver.

quarta-feira, julho 21, 2010

Arte e etc.


A cultura e as artes são cada vez mais olhadas como parte integrante do universo económico e empresarial. Sendo áreas que fornecem notícias espampanantes de verbas astronómicas que se pagam por esta obra ou receitas de bilheteira realizadas por aquele espectáculo, os políticos menos vesgos e os empresários menos ceguinhos, sonham com uma forma de encontrar por ali alguma galinha que ponha ovos de ouro.

Em termos laborais também a cultura e as artes representam cada vez mais emprego sendo, por isso, cada vez mais olhadas com interesse por parte dos recolectores de impostos. Enfim, assistimos a um crescente interesse por este universo maravilhoso, olhado com cifrõezinhos nos olhos.

Nada de romantismos bacôcos; a arte e os artistas dos tempos que correm são negócio e empresários que, como tal, pedem modernidade e dinâmica comunicacional. Etc.

segunda-feira, julho 19, 2010

Sonhos Pop

Prince eléctrico (foto de Ana Nave)

Ontem fui até ao festival Super Bock Super Rock. Sol e pó em doses generosas, cerveja a preço de champanhe francês e uma multidão pouco assustadora.

Como parti de Almada por volta das 3 da tarde não tive dificuldades em chegar ao recinto , coisa que constituiu missão impossível para muitos fãs à beira de um ataque de nervos. Chegar e estacionar foi mais simples do que entrar no recinto. À porta fui revistado com um cuidado extremoso por um jovem polícia que estranhou um objecto que tirei do bolso, por lhe parecer coisa suspeita. Tratava-se de um pequenho escovilhão de limpeza dentária que costumo trazer comigo. Vá lá, tive sorte e o dito objecto não foi confiscado pelo zeloso bófia e sempre pude limpar a dentuça depois de papar um hamburger mal passado.

Os concertos foram bastante interessantes. Gostei de ver os Palma's Gang, apesar das nítidas dificuldades do meu amigo Jorge Palma para acompanhar o som e o ritmo rock'n'roll da sessão, ainda por cima com o calor a apertar e os seus 60 anos de idade a pesarem no palco.

Depois fiz um intervalo para comer qualquer coisa e beber umas cervejolas. Regressei ao palco para assistir a alguns temas de uns Spoon bem entrosados e com um som límpido como um belo copo cheio de água. Seguiu-se The National com um vocalista em estado de graça e em grande estilo que levou a multidão ao rubro. A luz da noite ajuda sempre a compor os palcos e o ambiente destes festivais, com The National a coisa resultou em pleno.

Finalmente a hora mais esperada pela maioria dos presentes (e dos que se apinhavam nos acessos ao local), a entrada em palco de Prince. Ok, eu não sou nem nunca fui grande admirador deste Principezinho, como lhe chamou Jorge Palma, mas tenho de reconhecer que o espectáculo dele é excelente. Excelente o cenário, excelente a banda e excelente a capacidade de comunicação do outrora Victor, ou simplesmente O Artista, agora Prince, de novo, como sublinhou por mais de uma vez ontem à noite. Quando Prince se retirou do palco para dar lugar a uma Ana Moura electrificada, saí dali e vim embora. Nova viagem na paz do Senhor, de regresso a casa por uma estrada que, meia hora depois, voltou a ficar, outra vez, intransitável.

Afinal de contas aquele não era o meu sonho Pop e não me importei de perder uma parte substancial da função do Principezinho só para poder tomar um duche e limpar toda a porcaria que tinha acumulado no corpo ao longo do dia.

sábado, julho 17, 2010

Olhar não custa


As existências banais ganham uma outra dimensão quando observadas com atenção e minúcia. Veja-se, a título de exemplo comparativo, o mistério de certos objectos apresentados como obras de arte por alguns artistas contemporâneos. São muitos os casos em que nos deparamos com a profundidade misteriosa das coisas superficiais. Neste paradoxo reside a semente do extraordinário mistério da banalidade mais atroz.

O olhar de um leigo não desbrava a floresta de significados de um objecto banal. Para penetrar a floresta de signos de um vulgar home movie ou de um par de sapatos exposto numa galeria de arte, é necessário possuir um olhar devidamente apetrechado com os filtros subtis da crítica contemporânea, capaz de ir desencantar significados inquietantes a lugares de reflexão onde eles, aparentemente, não existem.

A vida dos simples é, afinal de contas, potencialmente tão interessante e complexa quanto a mais glamourosa das existências. Olhar não custa, o difícil é ver.

sexta-feira, julho 16, 2010

Filmes aos pontapés


Ultimamente tenho visto muitos filmes em casa, na televisão ou no computador, todos os dias vejo, pelo menos, um filminho. Ontem vi Gangster Americano de Ridley Scott, anteontem tinha visto A Taberna do Irlandês, um filme bastante macarrónico de John Ford num registo inesperadamente light, com o inevitável John Wayne a tentar representar, coisa que nunca foi o seu forte. Ver ou rever filmes no écrãzinho da TV é um exercício de prazer com algumas vantagens (aqui há dias vi o excelente Uma Outra Educação). Podemos parar ou retomar o visionamento em qualquer ocasião ou ver o filme em modo acelerado, como fiz com Um Homem Singular a partir de meio, um filme que me aborreceu bastante, talvez por tê-lo visto logo a seguir a Uma Outra Educação. Por vezes a dose dupla não é muito boa ideia.

Ontem à tarde resolvi ir a uma sala de verdade com a minha filha. Procurei na lista de filmes em exibição no centro comercial de Almada que tem mais de dez salas e a coisa não era nada animadora. No meio da cinzentice da oferta acordámos assistir ao último Shrek.

Shrek Para Sempre não desilude. É mais uma exibição notável de técnica de animação (desta vez em 3D) com personagens desopilantes e um argumento algo estereotipado. O resultado final merece elogios e, apesar dos oculinhos, vê-se com agrado do princípio ao fim. Sinceramente, depois de ter percorrido a lista de filmes para cima e para baixo várias vezes não tive dúvidas na escolha. As salas do centro comercial pertencem à ZON Lusomundo e a maioria das coisas que ali passam são produtos industriais com venda garantida em qualquer supermercado ranhoso.

Em casa, um tipo tem outra capacidade de decisão. Não só na escolha dos filmes mas também no poder do botão. Quando a coisa não satisfaz, zás, corta que já chega!!!

terça-feira, julho 13, 2010

Celebrações


Nós somos uns coraçõezinhos felpudos. Uns ursinhos de peluche sentimentais, ansiosos por uma boa celebração que nos aqueça a alma colectiva. Como a nossa selecção veio recambiada nos oitavos-de-final, aviada pela selecção espanhola, ficámos logo a rezar para que fossem "nuestros hermanos" a trazer a taça. Assim sempre poderíamos dizer que só perdemos com os campeões do mundo (o que é verdade), mitigando a decepção do adeus à boa maneira portuguesa.

Não é nada de mais, como português que sou compreendo isto perfeitamente. Ainda melhor compreendo que a beijoca que Casillas prespegou na namorada em directo, na entrevista após o jogo da final, seja considerada unânimemente a mais bela jogada de todo o campeonato do mundo da África do Sul. Foi, de facto, um momento memorável e inédito no mundo do pontapé-na-bola.

Conhecendo como conheço o nosso coração colectivo, não estranhei as emissões em directo nos telejornais cá da terra das celebrações populares em Madrid, na recepção à equipa campeã do mundo. Olhei o écrã da televisão e vi aquele agitado mar de gente eufórica como se fosse gente da minha gente. Afinal de contas a Península Ibérica já antes dividiu o globo terrestre em duas partes. Uma parte para ti, Espanha, outra para mim, Portugal. Não restava nada para mais ninguém, o mundo já foi todo nosso. José Saramago afirmou várias vezes que via com bons olhos um único país a cobrir toda a Península, como um cobertor gigantesco a aconchegar uma grande família ibérica. Posso mesmo dizer que compreendo muito mais que razoávelmente um livro escrito em espanhol. Isso conta.

Tretas!

Lá no fundo a transmissão televisiva das celebrações espanholas são apenas um reflexo de inveja. Mesmo que fôssemos um país apenas não haveríamos de prescindir nunca da nossa portugalidade que é uma espécie de espanholice, mas com menos salero e muito mais tristeza alapada aos costados. Olhei os espanhóis aos pinotes, todos bêbados e tresloucados, pensando como gostaria de estar no lugar deles. Mas o que me doeu mais fundo foi o facto de Cristiano Ronaldo, o nosso ídolo nacional, ter de pagar a uma rapariga para ter um filho dele e dar aquelas imagens de mau perdedor e rufião de quinta categoria, quando o capitão espanhol tem aquele momento fora do mundo ao beijar apaixonadamente a namorada perante o olhar embevecido do universo inteiro. Será aqui que se encontra a dura fronteira entre Portugal e Espanha? Entre ser português e ser espanhol? A manifestação da paixão?

Ai, isto dói muito mais que ter perdido o jogo com a selecção espanhola. Isto é muito melhor que ser campeão do mundo. Já nem sei que digo!

domingo, julho 11, 2010

Correcção incorrecta

(clica na imagem para ler o texto)
esta ilustração foi encontrada aqui
A expressão "políticamente correcto" parece ter, cada vez mais, uma conotação incomodativa. Fica a sensação que poucos têm vontade de ser vistos como "políticamente correctos", como se isso fosse uma doença comportamental ou, pelo menos, uma forte enxaqueca da consciência.

Ser políticamente correcto é ser chato, bota-de-elástico, menino de coro e pé-de-salsa, é não querer chamar as coisas pelo nome, é tentar embrulhá-las num papelinho brilhante e cor-de-rosa para que aquilo que é pareça não o ser, não deixando de sê-lo. O políticamente correcto consiste num processo de complexificação da linguagem que pretende fazer prevalecer a aparência sobre o essencial da essência.

Quando surgiu, o conceito de "políticamente correcto" depressa inundou a forma de expressar a nossa visão do mundo circundante. Coisas que sempre foram ditas passaram a não poder dizer-se para que não houvesse riscos de sermos mal interpretados já que, à luz do "políticamente correcto", essas coisas soam mal, soam erradas. O políticamente correcto é um processo de minagem dos campos da expressão individual que espalha pelo mundo milhares de consciências estropiadas por rebentamentos inesperados.

Mas a coisa parece estar a mudar. O políticamente correcto está a perder aquela aura beatífica que o conduziu a um triunfo temporário e começa a soar mal. Tudo o que abusa do equilíbrio acaba por se desiquilibrar também. O abuso da paciência do povo, que gosta de falar como lhe dá prazer sem policiamento expressivo, vai acabar por cavar o buraco onde será enterrado o políticamente correcto.

A liberdade ainda continua a ser o que era e não há outra maneira de nos referirmos a ela. Já que não temos muitas outras formas de expressar a nossa liberdade individual, o uso despreocupado da linguagem triunfará sobre a pesada visão do políticamente correcto. E, depois das palavras, os actos. Em breve o políticamente correcto será absolutamente incorrecto.

sexta-feira, julho 09, 2010

Ai, o fado!


O nosso governo tem um comportamento deveras estranho. É como se cambaleasse. Toma decisões, anuncia medidas, avança todo empertigado e, logo a seguir, recua, hesita, dá o dito por não dito e volta atrás ou tropeça para o lado. A imagem que fica é a de um grupo de personagens voluntariosas que não sabem bem o que pretendem fazer mas, como têm de governar o país, lá vão tentando qualquer coisinha, que a margem de manobra também não é assim tão grande. Ele há a crise e a Comissão Europeia, a senhora Merkel e os compromissos internacionais, enfim, uma série de empecilhos que impedem a clarividência e emperram a eficácia da tribo governativa.

No meio da confusão conseguem irritar toda a gente. Foram os professores, agora são os automobilistas, os accionistas da PT e os agentes culturais, só para citar alguns casos mais mediáticos. Pelo meio, o governo vê-se metido em tribunais que, invariavelmente condenam as suas acções e dão razão aos que dele se queixam. Até parece que os nossos governantes não conhecem as leis e governam às apalpadelas. Tomam-se as decisões e depois logo se vê. Pode ser que pegue!

A sensação que fica é que somos governados por um grupo de pessoas mal preparadas para as funções que exercem, que fazem de Portugal um espectáculo medíocre, uma noite de amadores a quem apenas os familiares e amigos são capazes de aplaudir sem entusiasmo nenhum, por favor ou eventual interesse. É um espectáculo miserando e insípido. Uma espécie de fado mais triste que o habitual que somos obrigados a ouvir apesar do desafinanço.

quarta-feira, julho 07, 2010

Previsões

O polvo Paul em plena actividade profissional


Paul é um polvo. Não posso dizer "um simpático polvo" porque é bicho a que não se descortina qualquer tipo de emoção. As únicas emoções que consigo retirar de um polvo são as que me proporciona quando o como. Devo confessar que é um petisco que muito aprecio, apesar do seu aspecto assustador. Cozido, em salada, no forno, à lagareiro, não me lembro de comer polvo sem disso ter retirado um refinado prazer. Mas este Paul, polvo alemão ou, pelo menos, a habitar território teutónico (a questão da origem coloca-se em relação aos jogadores, não em relação a certa bicharada) tem dons de adivinhação.

Pode parecer esranho mas, em boa verdade, Paul acertou em cheio nos resultados alcançados até à data pela selecção alemã no presente mundial. Para o jogo de hoje (que está a decorrer neste momento e já vai na 2ª parte com zerozero no placard) o polvo adivinho previu a vitória da Espanha (ver aqui) o que deixou muito irritados os adeptos alemães. De imediato choveram receitas para cozinhar o bicho milagroso da forma mais saborosa (ou mais cruel) ditadas pelos referidos adeptos.

Este episódio deixou-me a pensar nos especialistas que fazem as previsões de crescimento ou encolhimento das economias, os tais que trabalham para as tão badaladas agências de rating e que nos deixam sempre em sobressalto de cada vez que se lembram de dizer que Portugal está mais teso que um carapau de corrida.

O jogo está de feição para os espanhóis (ainda não marcaram nenhum golo mas a coisa está complicada para os compatriotas de Paul). Se a Espanha ganhar talvez não seja má ideia oferecer um lugar a este polvo milagroso numa dessas agências de rating.

Nestas coisas de previsões e adivinhações estou em crer que não haverá grandes diferenças entre um polvo e um ser humano. Já em termos gastronómicos inclino-me mais para o gajo dos tentáculos. Estou a falar do polvo, entenda-se.

segunda-feira, julho 05, 2010

Futebol é nome de animal irracional


Futebol é nome de bicho que come caca e defeca ouro. Os humanos adoram o bicho, mas o bicho não parece estar muito comovido com esse amor que os humanos lhe dedicam. O Futebol teima em comportar-se de forma indisciplinada. Bem que os humanos tentam perceber o comportamento do animal mas, por muito que tentem, hão-de ficar sempre irritados com a forma como ele finge que dorme e não dorme, como ele finge que salta e fica quieto no lugar. Futebol é bicho feio. É bicho malandro.

Mas não há volta a dar-lhe, o amor que os humanos têm por essa alimária malcheirosa ultrapassa todas as fronteiras da racionalidade e acabam por lhe perdoar qualquer tropelia ou malfeitoria. Futebol é bicho mimado e malcriado.

Fico sempre esperando que o Futebol me dê uma alegria mas, no fim de contas, são mais as desilusões que os momentos de prazer. E não o deixo a dormir ao relento, como merecia, o sacaninha, acabo sempre por lhe abrir a porta e deitar alguns restos saborosos no pratinho da comida. E o Futebol volta sempre. Meloso, matreiro, enganador. Vive comigo, quer eu queira, quer não queira.

Um destes dias vou deixar o Futebol no meio da rua. Não lhe abro a porta, muito menos lhe abro o coração que já está dorido de tanto por ele sofrer. Há-de ganir e latir e pedir "por favor" que lhe abra a porta... e eu? Vou abrir, claro está, e pedir desculpa por ter imaginado que seria capaz de viver sem ele e por ter sido tão insensível. Volta Futebol, estás perdoado.

domingo, julho 04, 2010

Pobrezas

"Bateu no fundo?" cartoon de Luís Afonso


Anda tudo afogueado com os anunciados cortes no orçamento de estado destinado ao investimento na cultura. São os artistas quem mais esperneia e com toda a razão, diga-se de passagem.

Há por aí muita gente que acha que as produções culturais não merecem apoios governamentais numa sociedade sujeita às leis do mercado que se baseiam na oferta e na procura. Muitos pensam que se um determinado produto cultural tem qualidade vende-se, garantindo dessa forma a subsistência dos produtores. Seria lindo que assim fosse mas a realidade não permite sonhos tão bonitos.

Há um factor que me parece não ser devidamente quantificado nesta situação. Falo do factor pobreza. Nos últimos tempos temos percebido que são cada vez mais os portugueses que têm extrema dificuldade me garantir os meios básicos de subsistência. Se os cidadãos têm dificuldade em arranjar dinheiro para comer ou pagar a renda de casa como podem investir o que quer que seja em produtos culturais? Ai, ai, a coisa é complicada.

Se os cidadãos não conseguem dinheiro extra para ao teatro como podem os teatros funcionar? Segundo as leis do mercado se não há procura a oferta está condenada.

Ui, vamos deixar de ter teatro em Portugal? E cinema? E dança? E orquestras? A coisa está mesmo complicada. Haverá solução para tão triste perspectiva? Pessoalmente não sei como se poderá descalçar esta bota. Os artistas procuram o apoio do estado mas, nos tempos que correm, é como um mendigo ir pedir esmola para a porta da sopa dos pobres.

sexta-feira, julho 02, 2010

Olha eu!

Coisa máilinda!


Neste campeonato do mundo de futebol há um pormenor que me tem divertido bastante. Falo da maneira como as pessoas se comportam quando se vêem nos écrãs gigantes que se encontram nos estádios.

A coisa começa nas imagens das transmissões televisivas ainda antes de o jogo começar. As câmaras vão focando os espectadores mais vistosos, que nas bancadas há sempre quem invente personagens coloridas. Estes, quando se apercebem que estão expostos no écrã, sorriem, saltam, acenam para si próprios, num frenesim de felicidade incontrolável. Depois começa o jogo e os realizadores concentram-se no que se vai passando dentro das quatro linhas.

Aí o protagonismo é dos jogadores. Cristiano Ronaldo, só para dar um exemplo (Káká também é jeitoso), passou os jogos a olhar para cima. Quer dizer, não era bem para cima, que os olhos não procuravam o céu, era para aquele espaço intermédio, entre o céu e a terra, onde estão suspensos os écrãs. Disfarçadamente os jogadores admiram-se na sua imagem projectada. Uns mais do que outros que a vaidade humana não tem sempre o mesmo peso. Mas é engraçado verificar como não resistem ao apelo gigantesco dos écrãs.

Estou em crer que a coisa os deve desconcentrar, "Olha, tenho a sobrancelha mal depilada" e não deve dar grande confiança ao companheiro de equipa que não tem relevância mediática, "Lá está outra vez aquele palhaço a olhar para o écrã em vez de tentar perceber onde está a bola".

Nas bancadas poucos são os que não se apercebem da coisa, o que também não contribuirá para que sigam o jogo com toda a atenção. Enfim, é um fenómeno tecnológico com influência ainda por quantificar em termos de influência nos resultados finais dos desafios. A Ronaldo já ninguém lhe tira a fama de estar mais interessado em admirar a sua extraordinária beleza física do que chutar a redondinha, o que terá transformado em monstro horrível o futebol por ele praticado neste campeonato do mundo.


Se eu fosse seleccionador no próximo mundial, havia de escolher os jogadores mais feios e menos adorados pelas adolescentes. Talvez assim pudesse chegar mais longe e ganhar o campeonato, quem sabe? Vivam os feios que os lindinhos não têm vida pra isto!!!

quinta-feira, julho 01, 2010

Ainda a lucidez...


Não é só no universo artístico que a lucidez irrompe majestosa e musculada, qual touro desembolado em loja de porcelanas. A lucidez está em todo o lado. Assentou arraiais nos programas escolares, onde a Matemática e a Língua Portuguesa são consideradas a coluna vertebral do bom ensino. Nada a objectar se as Artes tivessem um mínimo de protagonismo (que não têm). A História passou a parente pobre e a Filosofia já conheceu dias bem mais interessantes. Uma e outra tendem a desaparecer, lenta e tristemente. Tudo isto em nome de uma suposta necessidade de preparar os infantes lusitanos para uma coisa meio abstrusa a que chamam "vida activa". Fica por entender a que actividade se referem os que desenham os currículos aplicados nas escolas.

A Economia não sofre beliscadura, substitui com brilhantismo a velha Religião e Moral (católica) que os deuses de hoje são outros que não eram ontem. Os pais querem ver os filhos a estudar Gestão de Empresas e Ciências, imaginando que, desse modo, terão outras facilidades na tal "vida activa". Esquecem-se que o "canudo", por si só, não garante nada a ninguém. Na sua tremenda lucidez não percebem que, ou os filhos estão dispostos a trabalhar ou não estão, e é aí que reside a principal diferença. Com tanta secura matemática e tão aparelhados olhares científicos, as criancinhas têm cada vez maiores dificuldades em compreender aspectos simples das relações humanas e não lidam particularmente bem com noções básicas de justiça. Talvez lhes falte um pouco de Filosofia, ou de História (já nem falo na História que nos descreve as Artes). Ética acrescentada à Aritmética, Estética a dar o braço à Óptica, sei lá que se pode dizer em favor de um ensino mais humano e humanístico!

Não cabe neste post um discurso perfeitamente articulado sobre questões tão vastas e de tanta polémica. Mas, olhando de viés o mundo em nos atascámos, podemos perceber os efeitos da lucidez na governação, na economia, na justiça, na nossa vida quotidiana, enfim. A lucidez está presente quando dizemos às criancinhas "as coisas são como são, não és tu que vais mudar o mundo!" Não há perspectiva do Universo mais lúcida do que esta. Nem mentira mais redonda.

Se não formos nós a mudar o mundo, outros o farão no nosso lugar. Ou então serão capazes de o manter tal qual está, se isso lhes trouxer os lucros do costume. A lucidez é perigosa, na medida em que contribui fortemente para gerar hordas de cidadãos parecidos com animais ruminantes. Animais que pastam informação com indiferença bovina, incapazes de perceber que o mundo não é aquele palácio que lhes prantaram defronte. O mundo está do outro lado, nas traseiras do palácio, à espera que vamos até lá fazer o que for preciso. Falta um pouco de loucura a esta lucidez com que andam a empacotar as nossas vidas.