sexta-feira, outubro 31, 2008

Pontos de vista

O meu post anterior tem uma introdução violenta. Disparo em todos os sentidos e um tanto às cegas. Estava (e ainda estou) aborrecido com a forma como o processo de organização da exposição "Seis Cadeiras e Uma Mesa" decorreu. Reconheço que tenho mau génio perante certas situações e nesta ele veio à tona com um colorido berrante.

Acabei de montar o meu painel de desenhos. A exposição está pronta. Estou com uma dor nas costas que me recorda a necessidade de fazer mais exercício físico. Fez-se tudo num dia apenas. Mas está feito.

O dito post originou uma reacção indignada de uma pessoa que tenho em muito boa conta (ler aqui) e que fez um comentário igualmente aguerrido em defesa da sua perspectiva dos acontecimentos. Se eu tivesse pensado que estava a atingir essa pessoa talvez tivesse sido menos agressivo. Mas não pensei. E ela reagiu. Está no seu pleno direito.

Seja como for mantenho a impressão geral daquilo que afirmei. Houve falta de capacidade de resolução de problemas básicos. Isso é um facto. Se as pessoas implicadas se esforçaram por resolver esses problemas a verdade é que não foram capazes de o fazer com eficácia. E, na minha perspectiva dos acontecimentos, foi uma autêntica desgraça.

Se com esta perspectiva estou a indignar alguém que tem consciência de ter feito tudo o que estava ao seu alcance e nada resultou, lamento. Mas a verdade é que, visto deste lado, não se nota todo esse trabalho. Fui injusto? Parece que sim. Mas agora pouco posso fazer. O que escrevi está escrito e não vou apagar uma linha porque essa é a minha visão dos acontecimentos. Distorcida? Possivelmente (se a Emília diz que sim acredito que haja exagero da minha parte, mas é a minha visão).

Talvez tudo isto se fique a dever a um espírito algo Romântico que trago normalmente comigo, só para não andar sozinho. Talvez as palavras saltem de dentro de mim com demasiada facilidade quando se trata de atirar farpas pelos ares. Talvez eu estivesse a armar em vítima. Talvez tanta coisa.

No entanto uma certeza: houve demasiados acidentes em todo o processo que originou esta conversa, a organização da exposição. E tanto acidente também chateia. Há quem diga que a verdade é só uma e há também quem sustente que o mesmo facto pode ser observado de diferentes pontos de vista, permitindo diferentes versões igualmente válidas. Não sei bem o que pensar, portanto só me resta uma hipótese: pensar sobre o assunto.

quinta-feira, outubro 30, 2008

É amanhã (ou hoje, depende...)

Aviso à navegação: este post é anormalmente comprido mas a situação justifica-o. Aí vai disto!
É amanhã (ou hoje, depende da hora e do local em que estejas a ler estas palavras) a inauguração da exposição de artes plásticas "Seis Cadeiras e Uma Mesa", na Galeria Municipal de Almada. Está marcada para as 21horas e 30minutos.
Depois de ter estado agendada para o pretérito dia 10 do corrente e devido à necessidade de substituir o chão da sala de exposições, foi marcada esta nova data. O facto (tristongo e decepcionante) é que apenas ontem (!!!) foi iniciado esse trabalho. A habitual incúria e desorganização dos serviços públicos foi empurrando o assentamento do soalho flutuante no tempo até ser impossível adiá-lo mais. Sendo assim, a montagem das peças a expor ficou, se Deus quiser, para o último dia, o dia da inauguração!
Como de costume, quando confrontados com a total falta de respeito pelos artistas e absoluta ausência de profissionalismo que tal barafunda representa, os eventuais responsáveis pela situação dizem que não têm culpa. Não têm culpa!? Então de quem é a culpa? Não é de ninguém, claro está. E assim funciona o funcionarismo público, um amontoado de pretensas boas intenções e falta de empenho no trabalho que facilmente se confunde com ausência de competências mínimas para o desempenho de funções, mesmo das mais simples.
Os artistas que têm as suas peças mais que prontas há mais de um mês e contavam com alguns dias para organizar o espaço convenientemente, lá terão que fazer das tripas coração e trabalhar a mata-cavalos para poderem cumprir o compromisso mínimo de terem as peças no lugar à hora de abertura das portas ao público.
Lamentável mas, infelizmente, habitual.
Como de costume, caso tudo acabe por correr "bem", lá ficará o caso meio esquecido e os pecadores perdoados. Afinal de contas vivemos num país de tradição católica e só cai no Inferno quem não tiver a mínima hipótese de redenção. Amen.

Segue-se uma apresentação dos artistas e respectivas obras. (ver tudo aqui)

João Gaspar
Série: Esburacados

Um buraco pode-se definir como sendo uma falta física, é algo que se caracteriza através do que não é. Procurar a materialidade deste conceito é encontrar uma ausência.Um Buraco é uma espécie de vazio material, mas nessa aparente falta dá-nos a ver algo que de outro modo não se veria e que apenas nos surge mediante essa ausência.Deste modo é uma falta de matéria e um preenchimento com as expectativas que abre, simultaneamente é uma falta de algo e uma abertura para um outro algo. Ao mesmo tempo que retira, coloca. A abertura, ou o acesso a este lugar de possibilidades – o lugar do outro - é nos dado paradoxalmente pela supressão, isto é através da constatação de uma falta.A ideia de buraco aparece-me como um paradigma da própria representação, sendo que re-apresentar é tornar presente na mente de quem vê, por algum meio, algo que não está presente, mas sim ausente.

Estas peças foram concebidas em diferentes alturas, mas a decisão de reuni-las num só conjunto expositivo deve-se ao facto de estas – umas de um modo mais explícito que outras – girarem em torno de uma mesma temática: os buracos.O modo de abordar e explorar este conceito diverge, sendo que há peças, onde aparecem representados objectos, que por si só contêm uma identidade esburacada, isto é, os orifícios fazem parte da definição destes corpos, noutras surgem objectos esburacados, mutilados, numa espécie de perda de identidade. A profundidade também difere, suscitando diferentes emoções e interpretações. Se por um lado pode haver um vazio angustiante de um interior de uma carapaça de caranguejo por outro uma misteriosa sensação pode ser convocada por uma toca profunda.


Série: Esburacados
Acrílico sobre tela
100x80cm
2007

Série: Esburacados

Colagem de papel e acrílico sobre tela

70x60cm

2007



Trabalhos de David Castanheira para "6 cadeiras e 1 mesa".




Iluminismo Popular

“Concílio da Páscoa/ Burocracias”
técnica mista (acrílico e grafite) sobre papel, 118,8x84,1cm


“Knock”
técnica mista (acrílico, grafite e impressão) sobre papel, 125x86,5cm



Rui Silvares

Cadáver Aflito (painel)





Dezenas de desenhos de tamanho A3 organizados em painel de dimensão variável.
Cada desenho é um átomo do corpo global que constitui o painel.
A forma como os átomos se conjugam e organizam é sempre diferente.
Assim, o corpo resultante dessa organização possuirá características próprias e diferentes das que teve da última vez.
Cada nova exposição, cada novo painel, terá um aspecto semelhante ao anterior mas obrigatoriamente diferente.
Trata-se de uma regeneração (ou degenerescência) do corpo anterior.
Com novos átomos que se misturam nos antigos.
E por aí fora, crescendo como um fungo, parasitando o espaço, oferecendo-se de novo e mais uma vez ao olhar eventual que irá completá-lo.
O observador irá ser infectado pelo painel através da mera observação.


Filipa Rebordão

O tríptico de Filipa Rebordão, a expor na "Seis Cadeiras e Uma Mesa", conjuga dois meios de expressão plástica que, aparentemente, travam uma batalha mortífera no campo da arte contemporânea. O painel central, executado na tradicional técnica pictórica (com pincéis e tinta acrílica), coabita com dois loops em registo vídeo a servirem de painéis laterais.



painel central, acrílico sobre tela 119 x 246 cm
vídeos laterais, loop, dimensões variáveis



A SAGRAÇÃO DA CARNE

Ao gritar o suporte visceral nascido de imagens sacras, confiro ao silêncio espectral das imagens uma auto-suficiência sonora que ecoa internamente no Si. Liberto dum corpo cristão forças reprimidas bombeadas através de filtros pulsionais, até terem dimensão in-visível em mim, no meu ser-obra. Chute d’organes reflecte uma série de reflexões e novas visualidades a partir do painel seiscentista Martírio de São Sebastião, proveniente da oficina do pintor régio Gregório Lopes. No painel original, o Santo é o ideal e belo senhor do mundo, com total domínio das suas contradições internas, criado para prestar reverência e servir Deus como forma de salvar a alma. O seu espírito materializa o divino. Este idealismo e formalismo renascentista mesclado com frieza e falseado maneirista, permitem-me conferir-lhe uma nova concepção de corpo. Ao mártir, que sobre o pedestal exala os últimos sopros de vida com um sorriso humilde e resignado, confere-se um valor espiritual à dor física, porque a alma tem por vezes dó do corpo. Conferi o mesmo tipo de iluminação interior ao Santo que se descobre noutra condição e noutro lugar a todos oculto. Trata-se de uma ténue passagem revelada pela in-carnada luz, acontecimento do Ser Nada. Crio um corpo desumanizado pela violência externa, corpo humilhado e passivo para exprimir o sagrado, numa lógica de sistema aberto onde existem trocas de matéria e energia entre o corpo e o exterior. Tomo ainda, à maneira cristã, o homem como criatura cujo único objectivo é a obtenção da salvação eterna através de uma lição de sacrifício e sofrimento. Concebo um corpo para a morte. Corpo sem órgãos, em pose, esperador, sedento de ser e de-vir a ser em si.
Filipa Rebordão


Sara Bichão

Sequência de imagens dos trabalhos de Sara Bichão para a exposição Seis Cadeiras e Uma Mesa. Paredes e portas em dimensão real. Superfícies saturadas de sinais. Reminiscências do nosso quotidiano. Mensagens codificadas ou puro caos?




parede n.11,04 x 1,78 x 0.16 m. Técnica mista.

Produção de parede: Cimento, esferovite, cola de esferovite.

Luís Miranda
Segue-se uma amostra dos desenhos de Luís Miranda. Lá mais abaixo o autor explica...


Luís Miranda“...e até Platão tinha um corpo”desenho, técnica mista sobre papéis reutilizados2002/...Estes desenhos constituem uma série, ainda não terminada.São iniciados com café e tinta da china sobre papéis de origem variada (revistas, jornais, toalhetes, guardanapos, embrulhos...) e trabalhados posteriormente com lápis de cor, pastéis e acrílicos.A temática gira em torno do corpo como matéria em transformação, desagregando a unidade do eu com uma história, e a possibilidade, ou não, de uma nova reconstituição individualizada.

quarta-feira, outubro 29, 2008

Imagens, imagens, imagens...

Encontrei aqui uma sequência de imagens de obras de arte expostas em museus portugueses. São 2 minutinhos apenas, preenchidos por imagens inspiradoras. Lá estão algumas das obras que me ajudaram a construir o universo visual que habito alegremente. Destaco o São Pedro, de Vasco Fernandes, no museu de Grão Vasco em Viseu, a primeira obra de arte que me cortou o fôlego quando era ainda uma criançola. Depois há esse portento de imaginação e sensibilidade que é o painel das Tentações de Santo Antão, de Bosch, a jóia mais cintilante da colecção do Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa. Convido-te, caro leitor, a que ofereças a ti próprio esses 2 minutos de calma suavidade.
Fica bem.

terça-feira, outubro 28, 2008

Fantasmático


Ontem vi "Os Fantasmas de Goya", o filme de Milos Forman inspirado no genial pintor espanhol. O realizador assinou alguns filmes que considero muito bons e que já vi mais do que uma vez (alguns até mais que duas e três vezes). "Voando Sobre um Ninho de Cucos", "Amadeus" ou "Homem na Lua" estão nessa categoria. "Os Fantasmas de Goya" não vai fazer-lhes companhia. Vi, pronto, está visto.

Nada a dizer sobre a qualidade do elenco. Nada a dizer sobre a reconstituição dos cenários ou a qualidade do guarda-roupa e dos penteados. Tudo 5 estrelas. O que me parece falhar, não sei bem porquê, é o argumento. Há ali qualquer coisa que não cola, uma urgência narrativa qualquer, um olhar obcecado por alcançar um fim pré-determinado, como se o realizador estivesse sempre a filmar a mesma coisa em cada cena, não sei explicar com clareza.

Acho que é um filme razoável, o que já é meio elogio. A única coisa que não resulta de todo, o pormenor de (muito) fraca qualidade, são alguns dos adereços, nomeadamente as pinturas que Stellan Skarsgård/Goya vai pintando ao longo do filme. Não é preciso ser-se um entendido para perceber que aquelas pinturas, melosas e lambidinhas, nunca poderiam ter saído do pincel do Mestre. Daí que os planos que enquadram essas telas, principalmente o retrato de Natalie Portman/Inês Balbútia, caiam num certo ridículo absolutamente a despropósito e perfeitamente evitável.

Seja como for, a força das gravuras de Goya (a sequência que mostra o processo de produção das chapas até à impressão em papel é de um didatismo assinalável) acaba por atenuar a fragilidade dos adereços acima referida, equilibrando o resultado final.

Enfim, um filme a ver, nem que seja apenas por uma vez.

segunda-feira, outubro 27, 2008

O futuro nunca morre


Alan Greenspan era a imagem do desalento. Durante a audição no Congresso Norte Americano, onde reconheceu o logro da sua crença nas virtudes do chamado "livre mercado" (ler aqui) para se auto regular, Greenspan parecia ainda mais triste e mais envelhecido do que seria de esperar de um rato de biblioteca económica.
Assistimos à morte de uma crença de contornos quase religiosos da qual Greenspan era o sumo-sacerdote. A Santa Economia de Mercado começa a ser olhada com desconfiança por milhões de fiéis que, ainda há um mês atrás, lhe dedicavam fervorosas preces sempre que investiam capital na esperança de receberem milhões de lucro no retorno.

Mais desemprego, menos consumo, estas duas vertiginosas previsões do ex-sacerdote Greenspan, surgem cinzentas, sobre o horizonte do futuro. Teremos de rever o nosso modo de vida, diz-se, consumir menos, o que fará a economia estagnar. Deixaremos de pagar ao cabeleireiro dos cãezinhos e passaremos a lavar nós próprios os nossos carros, deixando em maus lençóis os empresários que haviam apostado na exploração dessas e outras vertentes do mercado menos imprescindíveis para a existência do ser humano.

Isto vai ser duro. Imaginemos que, de súbito, passamos a consumir apenas e unicamente aquilo de que realmente necessitamos. Meu Deus! Será o descalabro do sistema económico tal como o conhecemos e tem vindo a ser organizado no mundo ocidental, baseado no desperdício e no consumo desorganizado de bens e serviços que, lá no fundo, não são vitais embora possam parecê-lo.

Ontem vi imagens de Cabul na televisão. Uma cidade deprimente. No entanto uma cidade com futuro, seja ele qual for. O futuro não morre. Nem para os afegãos nem para nós. Não morre para ninguém.

sexta-feira, outubro 24, 2008

A hora mágica

Há uma certa hora do dia que é uma hora mágica. É aquela hora entalada entre a tarde e a noite, quando a luz se comporta como se fosse um imenso duende, a brincar com o olhar humano. As coisas brilham estranhas e os adultos passam na rua com crianças pela mão que vêm da escola. As mochilas pendem dos ombros mais altos e os pequeninos contam histórias do dia com expressões exageradas e vão felizes. É aquela hora em que o mundo se completa e faz mais sentido. É quando as coisas se preparam para mudar a sua natureza. Nem o dia é noite, nem o contrário é verdade e não há mentira. É a hora do reencontro, da comunhão de todas as existências. Nem sempre nos apercebemos dessa hora mágica porque ela é tão discreta como um beijo de boas-noites. Quando a vejo, quando a sinto, quando entro na magia dessa hora, enche-me o peito uma felicidade enorme e sei que sou um felizardo por viver num mundo assim e poder senti-lo dentro e fora de mim. E sei também que é necessário fazer seja o que for para que, no dia seguinte, a hora mágica regresse. E no dia seguinte e todos os dias, até que a eternidade acabe.

terça-feira, outubro 21, 2008

Não há dinheiro, não há palhaço!


A notícia não pode espantar ninguém. As leiloeiras, que costumam encher páginas de jornais com pontos de exclamação à frente dos preços com que colocam obras de arte no mercado, também sentem a tal crise económica.
"Depois de cerca de cinco anos de expansão do mercado de arte contemporânea, nos últimos quatro dias a Christie's e a Sotheby's obtiveram receitas inferiores às suas previsões."

Cinco anos de expansão, cinco anos a bater recordes, cinco anos a facturar milhões e mais milhões. O que me espanta é que os preços baixos continuem tão elevados. Parece que estou a brincar com as palavras mas não estou.

Uma coisa que sempre me fez confusão foi a ânsia constante de manter a economia em expansão. Os níveis de crescimento económico não pararam de crescer nos últimos anos e parecia que nunca iriam abrandar, como se não houvesse um limite, um ponto máximo para esse crescimento. Na minha cabeça, pouco capaz de compreender este tipo de situações, sempre imaginei que a economia, de tanto crescer, haveria um dia de rebentar, como um balão.

Não sei se rebentou mas tem, pelo menos, um furo e está a esvaziar. Os governos dos países mais ricos tentam tapar o furo com milhões de milhões "injectados" nos bancos que precisam do dinheiro como um drogado precisa de injectar heroína só para poder mexer os braços e as pernas. O mercado da arte haveria de ressentir-se desta situação. E, lá está, "Segunda-feira à noite, a Sotheby’s fez menos de 57 milhões de euros num leilão em que previa conseguir um mínimo de 71 milhões de euros."

Este sintoma vem juntar-se aos restantes que permitem aos especialistas diagnosticar um estado febril e de alguma fraqueza física à economia global. Entre os analistas do fenómeno do comércio de arte há quem tire as suas conclusões, "O "Arts Newspaper" cita alguns observadores que se questionam “se o consumo ostentatório da arte não estará a chegar ao fim”."

Como se diz por aí, nas ruas: "Não há dinheiro, não há palhaço!". No entanto não tenho a certeza se não continuará a haver muitos palhaços com dinheiro e vice-versa...


A notícia que serviu de base a este post pode ser lida na íntegra aqui.

domingo, outubro 19, 2008

Mundo bruto


A Europa pretende ser um farol para a Humanidade. O Velho Continente persegue o sonho da unificação tentando construir uma democracia baseada nos princípios humanistas que, gostamos de acreditar, caracterizam a nossa herança histórica.

Um dos palcos onde a Europa costuma passear a sua imagem algo vaidosa e pretensamente superior, é a do combate à poluição na tentativa de inverter as alterações climáticas. Os europeus, representados nos palcos internacionais pela União Europeia (UE), estão sempre prontos a assinar acordos, a promulgar leis e a dar lições sobre o melhor modo de tratar as doenças que afligem o Planeta. É louvável, sim senhores.

Mas a crise económica é uma diaba chifruda e veio pôr a nú algumas falácias dos representantes da UE. Os nossos ministros do ambiente reunem-se amanhã para debaterem o estado actual do plano climático europeu e as nuvens de dióxido de carbono adensam-se sobre a cimeira. Segundo notícia do Público online:
"A crise financeira está a ameaçar as medidas previstas, como aconteceu na cimeira que os líderes da UE celebraram nas passadas quarta e quinta-feira, quando cerca de dez países pediram diminuição do nível de compromissos." Ou seja, é tudo muito bonito quando não estão em causa os princípios sacrossantos do "desenvolvimento" industrial que serve de motor ao sistema económico.

A economia espirra, o Planeta adoece um pouco mais. Este mundo é um mundo bruto. Definitivamente. Não há Humanismo que aguente a quebra das bolsas nem herança grega que disfarce um Orçamento de Estado a tremer de frio. Sinais dos tempos...

sábado, outubro 18, 2008

Uma visita ao museu

Uma das obras em exposição
Revelations
ARTIST:
Damien Deroubaix
WORK DATE:
2006
aquarelle, encre, acrylique, collage et gravure sur bois sur papier
SIZE:
h: 330 x w: 450 cm


O Museu/Colecção Berardo continua em grande. Das exposições que por lá estão fui à procura da que tem por título "não te posso ver nem pintado". A ideia é propor um percurso pela figuração na arte contemporânea, tendo a figura humana por protagonista. O resultado é deveras interessante e a variedade de linguagens plásticas pode deixar o visitante menos informado um pouco zonzo. O visitante mais informado sai de lá zonzo na mesma mas com a sensação de que, afinal, há vida em Marte e até noutros planetas menos simpáticos.

Enfim, uma exposição a ver com curiosidade e algum tempo livre.

As outras exposições não me preencheram grande coisa uma vez que já vinha cheio daquela que ali me levou.

De enaltecer o facto de a entrada continuar a ser livre como um passarinho. Havia muita gente e, talvez por acaso, muitas crianças que dão uma alegria extra ao espaço já que se deslocam em grande velocidade produzindo sonoridades de uma alegria imensa. Foi bom.

quinta-feira, outubro 16, 2008

Aquilo em que eu acredito mas não posso provar


Banksy ataca de novo! Desta vez em Nova Iorque, o mais notório artista de rua inglês, promove uma exposição (ver aqui, é um espectáculo!!!) no mínimo surpreendente. Banksy pretende parodiar as relações que os seres humanos estabelecem com os seus animais de estimação num contexto urbano e dá largas à imaginação. A notícia corre mundo e, como sempre, o resultado do trabalho de Banksy, "até há pouco tempo tão famoso quanto desconhecido" numa excelente frase de Ana Brasil no Público de ontem, deixa-nos entre o espanto e o desconcerto.

O macaco que vê televisão com auscultadores nos ouvidos é tão humano que mete medo. Os "nuggets" no galinheiro, as salsichas rastejantes, ou os douradinhos nadando no aquário questionam-nos sobre algumas opções alimentares. A coelhinha que se mira ao espelho com sombra azul nos olhos e um batôn nas patinhas é uma imagem da vaidade que transportamos para os nossos animais de estimação, como se a sua beleza potencial, fosse um reflexo de nós próprios, da nossa própria beleza.

É uma exposição de animatronics (ver o vídeo que está aqui), seres artificiais com movimentos obtidos através do recurso a peças mecânicas motorizadas, que viaja entre a arte conceptual, a instalação e o universo do cartoon e dos desenhos animados.

Banksy continua a quebrar barreiras e a mostrar trabalhos absolutamente originais. Damien Hirst é considerado o artista contemporâneo mais influente no mundo actual. Esse rótulo foi-lhe colado muito por causa do mega-leilão onde realizou 140 milhões de euros, produto da venda de um número considerável das suas obras.

Aquilo em que eu acredito, mas não posso provar, é que Banksy, apesar de não ganhar fortunas com a sua arte, é um artista bem mais influente que Hirst em termos da construção de um discurso sobre o imaginário da sociedade de consumo contemporânea. Acredito que a simplicidade desarmante dos seus trabalhos tem muito mais valor que a afectação algo exibicionista dos complexos trabalhos de Hirst. Acredito que o discurso artístico de Banksy é melhor compreendido e mais eficaz que o de Hirst. Acredito nisto embora não o possa provar, até porque, numa sociedade onde a economia e a finança continuam a ser as principais preocupações das elites, a tendência é considerar mais valioso o trabalho de Hirst, o milionário bem sucedido.

quarta-feira, outubro 15, 2008

Voar (blogagem colectiva da Tertúlia Virtual)

Dentro da gaiola também se voa.
(Tweety obra de Banksy)

domingo, outubro 12, 2008

Acredito que vocês existem (isso já é qualquer coisa!)

Neurónios


No post colocado aqui no 100 Cabeças no dia 7 de Outubro, referia-me a um livro intitulado Grandes Ideias Impossíveis de Provar. O livro é uma torrente de temas e de ideias interessantíssimas. Hoje não resisto a transcrever uma parte. Trata-se do contributo de Daniel Gilbert, professor na Faculdade de Psicologia da Universidade de Harvard e director do seu laboratório de emoção e cognição social. A questão colocada é "O que é que acredita ser verdadeiro, mesmo sem conseguir prová-lo?". A resposta de Gilbert, no final do seu texto é: "O que é que eu acredito ser verdadeiro mas não posso provar? A resposta é: em vocês!"
Uma resposta que surge no final de uma elegante sequência de ideias:

"Num futuro não demasiado distante, seremos capazes de construir sistemas artificiais que darão toda a aparência de consciência - sistemas que agirão como nós de todas as formas. Estes sistemas poderão falar, caminhar, piscar um olho, mentir e parecer preocupados com eleições iminentes. Hão-de jurar a pés juntos que estão conscientes e exigirão os seus direitos civis. Mas não teremos maneira de saber se o seu comportamento é algo mais do que um truque bem concebido - algo de superior a um pombo que foi ensinado a escrever, batendo com o bico num teclado: «eu existo, eu existo!»
Aceitamos a consciência uns dos outros com base na fé, porque é preciso, mas depois de dois mil anos de preocupação com esta questão, ainda ninguém concebeu um teste definitivo da sua existência. Na sua maior parte, os cientistas cognitivos acreditam que a consciência é um fenómeno que emerge da complexa interacção de partes decididamente não conscientes (os neurónios), mas mesmo quando finalmente compreendermos a natureza dessa complexa interacção, continuaremos a não ser capazes de provar que produz o fenómeno em questão. E, no entanto, não tenho a menor dúvida de que toda a gente que conheço tem uma vida interior - uma experiência subjectiva, um sentido do «eu» - que é muito semelhante à minha. O que é que eu acredito ser verdadeiro mas não posso provar? A resposta é: em vocês!»

Faço minhas as palavras finais de Gilbert. Bom Domingo.

sexta-feira, outubro 10, 2008

A rua


Para conhecer verdadeiramente a cidade é necessário caminhar nas ruas. É na rua que sente o pulsar da vida quotidiana. É na rua que vemos outras pessoas como nós, que percebemos os contornos dos objectos, que sentimos os odores da cidade, é nas ruas que ouvimos os ruídos que ajudam a compor o panorama que nos cerca.

Quando passamos dentro do nosso carro, com o leitor de CD a dourar-nos os ouvidos, com os vidros corridos a fazerem de muro separador, temos uma percepção deturpada do que vai lá fora. Não vemos as pessoas, elas passam na vidraça como imagens virtuais, os contornos dos objectos ficam distorcidos (a velocidade desmaterializa os corpos, segundo a máxima dos artistas Futuristas ), o odor que nos sobe pelas narinas é o do ambientador que dançarica pendurado no espelho retrovisor, os ruídos não entram ou, se entram, chegam-nos disfarçados de palhaço pobre.

Há pessoas que nunca põem um pé na rua. Passam sempre de carro. Quanto mais importantes são as pessoas na escala social, menos pisam a calçada. Mais sofisticados são os carros em que se deslocam e maior é a sua capacidade de se isolarem do ambiente circundante. Normalmente, aqueles que nos governam, os que se encontram mais próximos do vértice na pirâmide social, nunca assentam os sapatinhos reluzentes na poeira do nosso chão e muito menos pisam a caca dos cãezinhos da vizinha. O exercício do poder afasta os poderosos da esfera do humano, elevando-os à esfera do não-sei-que-raio-de-merda-é-aquele-gajo.

Então como podem eles governar? Como podem legislar sobre os nossos problemas quotidianos? Os problemas deles são outros. Nem nós os compreendemos nem eles nos compreendem a nós. Caímos assim num paradoxo. Governados e governantes preocupam-se com a mesma coisa pública mas, lá no fundo, essa coisa não é a mesma.

Nestes dias de crise económica crescente ouvimos dizer que esta bodega toda na alta finança vai afectar a economia real. Então torna-se evidente que existe uma outra economia (virtual?) diferente da real e que é a que realmente orienta a nossa existência.

Estou confuso mas, apesar de tudo, continuo feliz como um perú no dia a seguir ao Natal.

quinta-feira, outubro 09, 2008

Problema de expressão



Sou admirador dos Clã. Gosto muito. Mesmo muito. Gosto principalmente de assistir ao vivo e deixar-me levar pela energia contagiante de Manuela Azevedo sempre excelentemente suportada pelos restantes elementos da banda. Neste Problema de Expressão gosto particularmente da parte em que a cantora nos explica que "devia ser como no cinema, a língua inglesa fica sempre bem e nunca atraiçoa ninguém..." é bonito. Muito bonito.

terça-feira, outubro 07, 2008

Provavelmente improvável


clica na imagem para poderes ler


Este é um livro, no mínimo, curioso.
Parte de uma pergunta colocada no site Edge
( http://www.edge.org/) "O que é que acredita ser verdade, mesmo sem poder prová-lo?". A pergunta partiu de John Brockman, editor e escritor que se debruça sobre temas científicos, e foi respondida por um extenso número de pensadores e intelectuais das mais variadas zonas do pensamento e da especulação contemporâneas. Brockman coordenou o volume que agora anda por aí e que teve a sua edição original em 2005 (a edição portuguesa é de Fevereiro deste ano, pela Tinta da China http://www.tintadachina.pt/, uma editora cheia de boas ideias e livros com óptimo aspecto).
O resultado é deveras interessante. São umas dezenas largas de perspectivas inesperadas e, algumas vezes, espantosas sobre a mais variada panóplia de questões que possamos imaginar.
Tenho andado a lê-lo com tempo e muito espaço. O facto de os textos nunca ultrapassarem 3 ou 4 páginas torna a leitura bastante aerodinâmica e permite ao leitor parar para respirar um pouco, reflectir sobre algo estrondoso que acabou de ler, antes de se meter de novo ao caminho. Por ar, terra, mar e outras superfícies menos definíveis, montado em veículos estranhos que se deslocam a velocidades variáveis, entre o passo de tartaruga e a velocidade da luz.

domingo, outubro 05, 2008

Lembrete

Eça de Queiroz (1845-1900)

Neste ano de eleições, lembremo-nos: «Os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente e pela mesma razão.»
Recebi este lembrete por e-mail.
Em Portugal iremos votar 3 vezes no próximo ano (!!!). Eleições legislativas, locais e para o parlamento europeu. No Brasil está também a decorrer um processo eleitoral. Daí que seja importante relembrar estas palavras de um dos grandes escritores da nossa língua comum.

sábado, outubro 04, 2008

Crença

Não sou gajo de acreditar naquele Deus das barbas que os pintores inventaram para dar uma forma ao indizível. Para mim,se Deus existe, é uma coisa sem hipótese de ter nome nem ter forma, nem nada que se possa mostrar aos olhos que nos saem do cérebro e nos atiram os sentidos ao mundo. Se Deus existe acredito que faço parte Dele que sou um átomo (ou menos do que isso) do seu infinito corpo. E tu és outro átomo e por aí fora, que todos somados, brancos e pretos, os bons e os maus, os cães e as libelinhas, as minhocas e os bisontes, mais as pedras, as árvores, os rios, o mar e o céu por cima, tudo isso é Deus e Deus, sem o saber, é isso tudo.E mais o resto.
Tenho alguma fé nesta crença. Será pouca mas é toda a que tenho.

quarta-feira, outubro 01, 2008

O sentido da vida


Ao ler a crítica de Jorge Lourenço Figueira ao mais recente espectáculo da Seiva Trupe (Estados eróticos imediatos de Soren Kierkgaard, de Agustina Bessa-Luís com encenação de Roberto Merino , ver também aqui com vídeo e notícia do Cartaz da SIC), estreado no Teatro do Campo Alegre, no Porto, deparei com uma ideia que me pareceu muito interessante.

"Anne Bogart e Tina Landau, num manual de metedologia teatral (The Viewpoints Notebook) dão exemplos de como se foi alterando, ao longo da história do teatro ocidental, o destinatário principal das palavras dos actores. Nos anfiteatros de Roma e da Grécia Antiga, o actor dirigia-se aos deuses, representados em estátuas colocadas acima e atrás da assistência; durante o Renascimento, falavam para a corte, sentada nos lugares centrais do primeiro balcão; no século XIX, para a plateia, dando origem às formas populares do melodrama e do vaudeville; com o advento do naturalismo, e as peças de Ibsen e Tchekhov, os actores passaram a falar uns com os outros, como se houvesse uma quarta parede entre eles e o público; finalmente, com Beckett, a relação do actor é com o Nada. O foco da representação passou do cósmico, pelo humano, para o existencial. Este espectáculo é um um exemplo dessa mudança que culmina no olhar para o vazio (...)"

retirado do jornal Público, suplemento diário P2, em 30 de Setembro de 2008, página 11

A forma como o destinatário das acções desenvolvidas em palco se vai deslocando das divindades para os poderosos, até se centrar no espectador, independentemente da sua origem ou classe social, mostra também a maneira como o espaço intelectual se foi democratizando ao longo dos séculos na nossa sociedade.

O objecto artístico (neste caso o teatro mas poderemos considerar diferentes formas e técnicas de expressão) vai perdendo o carácter reverencial e celebratório das forças dominantes da sociedade (os deuses, os soberanos) para se centrar na reflexão da existência dos seres humanos, por mais simples e aparentemente insignificantes que eles sejam ou possam parecer.

Esta atitude parece-me ser fundamental em todo o pensamento artístico e seria importante que estivesse presente em todo o acto criativo. A Humanidade é a razão da nossa existência e o Humanismo uma forma mais justa de arquitectar a coisa social.

Foi com Tchekhov que aprendi que o sentido da vida é construirmos uma sociedade mais justa para as gerações futuras mesmo que saibamos que nunca vamos usufruir dessa justiça durante o nosso tempo de vida. Não me recordo exactamente das palavras, lembro-me que recebi essa ideia enquanto assistia à peça "As Três Irmãs", pela Companhia de teatro de Almada com encenação de Rogério de Carvalho. Desde esse dia que a ideia não pára de dançar dentro da minha cabeça.