quinta-feira, agosto 28, 2008

Por falar em blasfémias...



Fotografia: Cortesia Museion/Reuters

28-08-2008 13:03:00

Arte Contemporânea ou blasfémia?

Uma escultura de madeira com um sapo verde crucificado exposto no Museion, Museu de Arte Contemporânea em Bolzano, norte de Itália, provocou a ira do Papa Bento XVI. Em solidariedade com o presidente do Governo regional, Franz Pahl , que no início do Verão entrou em greve de fome para que removessem a peça de arte contemporânea da exposição, o Papa considerou, em carta enviada ao museu, que a obra era uma blasfémia: “É ofensiva para os cristãos que vêem na cruz o símbolo da salvação”. A direcção do museu reúne-se hoje para decidir se retira ou não o sapo da exposição.

Texto retirado do Público online

Segundo fonte do dito museu, a escultura é um auto-retrato do artista alemão Martin Kippenberg em estado de crise profunda. Crise existencial, poderemos nós depreender. É de salientar que Kippenberg faleceu em 1997, com 44 anos de idade e, portanto, já cá não está para apreciar a polémica causada pela sua obra.

Como é seu timbre, a Igreja Católica reagiu violentamente contra o objecto em causa, dando-lhe a habitual publicidade que, se estivesse menos actuante no campo da censura, nunca teria.

Pelas fotos trata-se de uma obra, no mínimo, grotesca. Um sapo de louça verde e vidrada, com uma caneca (de cerveja?) numa mão e um ovo cozido na outra, pregado numa cruz... que raio de ideia! Ainda por cima tratando-se de um auto-retrato. É caso para bradar: meu Deus!!! Mas pouco mais do que isso.

Ao pretenderem fazer justiça divina, castigando os mortos (o artista) e os vivos (os responsáveis do museu), o Papa, o bispo e até o presidente do governo regional, estão apenas a fazer figuras tristes, mostrando aos mais distraídos que não são capazes de conviver pacificamente com um mundo onde a igreja ocupa um lugar que já não lhe permite mandar ninguém para a fogueira nem estigmatizar obras no Index, de má memória.


Esquecemo-nos frequentemente que a Igreja Católica tem estes instintos e apetites. O facto de estar domada vai para quase um século, não lhe apagou totalmente os tiques absolutistas, herdados ao longo de séculos em que se manteve ao lado dos poderosos e fez a vida negra a todos quantos punham o pé na frágil e instável linha do que era e do que não era permitido pela lei divina. Lei essa bem terrena nos seus propósitos e características. Tal como agora, com esta história do sapo.

Deus, se existir, poderá sentir-Se insultado por tão pueril espantalho? Deus, se existir, será muito superior a qualquer tipo de insulto que um mero ser humano possa fazer-Lhe. O mesmo não se pode dizer dos homenzinhos que dizem (será que acreditam?) representá-Lo aqui na Terra.
A haver blasfémia, neste caso, será mais contra a Arte que contra Deus, mas isso já é outra conversa...

19 comentários:

Anónimo disse...

Independentemente das convicções de cada um ou de cada artista, não me parece bem que se faça troça de ícones religiosos a este nível. Assim como também não gostei que fosse publicado naquele jornal dinamarquês os tais cartoons que deram origem a tanta polémica e actos terroristas. Há espaço para todos, podendo ou não acreditar em deuses. Isso fica ao critério de cada um. A liberdade de expressão é essencial, mas não podemos interferir de forma tão pública, aberta e até ofensiva. Cada um na sua, sem provocações desnecessárias. Sou católica não praticante, mas não critico quem o é, apesar de toda a merda que tem sido feita em nome de Deus e de Alá e do raio que os parta, os extremos é que nos destroem. Também não percebo o que é que o "artista" quis provar com o sapo verde pregado na cruz. Algum ácido com muita estriquinina, eu diria. A criatividade na arte é infinita, basta olharmos à volta e visitarmos os blogues d'alguns dos nossos amigos. Não é preciso chocar quem encontra a paz a rezar. Ou quem é mais fraco.

Beto Canales disse...

Religião e arte não se misturam. Se o mão muito ocupado chefe maior da igreja católica não visse o sapo, nada aconteceria. Talvez se os olhos estivessem voltado aos padres pedófilos, o sapo ficaria na cruz invisível.Desrespeito por que? Apesar de uma peça horrorosa, se alguém quiser que a faça. A importância é dada por quem vê, não quem faz. Eu me preocupado mais com que os sapos estejam pensando. A propósito, cruz não é símbolo propriedade de ninguém. Não só os católicos mataram (e morreram), incendiaram e decapitaram em uma cruz. Os romanos e até os maias faziam isso.
Peça feia, conseqüência pior ainda. Melhor o papa cuidar de seu rebanho e deixar os sapos no banhado.

Anónimo disse...

Muito confortável essa tua posição. Desresponsabilizar quem comete os actos, sejam eles quais forem. A culpa é dos outros por existirem. Assim sendo, os assassinos também não podem ser culpados de nada. Coitadinhos.

Silvares disse...

Não me parece que o Papa tenha autoridade suficiente para interferir neste caso nem em nenhum outro que ultrapasse a esfera da Igreja que ele orienta. A liberdade ou é total ou não é liberdade. A escultura parece-me horrível mas não pelo conteúdo (que, sinceramente, me ultrapassa, não a compreendo!). É horrível porque, aos meus olhos, é mesmo muito feia e sem sentido. Não encontro coerência no objecto. Mas esse é um problema meu. Não gosto e pronto. Daí a sentir um impulso censório...
Para poderem existir boas obras de arte temos de suportar um número infindável de criações menores. Se Deus criou este mundo, convenhamos que esteve longe de ser infalível.

Anónimo disse...

Esta discussão daria pano para mangas. É como fumar e não fumar: quem fuma não tem o direito de incomodar quem não fuma, assim como quem não fuma não tem que evangelizar quem fuma. É mais por aí. E sim, o sapo é um horror!

Só- Poesias e outros itens disse...

Um sapo que deu pano para mangas...
Sempre me questiono se isto é realmente arte, destas que nos transportam para outras dimensões além do real. Há irreverência, com certeza há, mas o que ela quer dizer...
Estamos sem parâmetros para definir o que é arte, mas não podemos deixar nas mãos de alguns religiosos que se sentem ofendidos.

Este sapo, pelo sucesso que anda fazendo vai valer mais do que alguns quadros meus que andam por ai, e este é difícil de engolir.



bjs.

JU Gioli

Anónimo disse...

Boa, Ju!

Olaio disse...

curiosamente esta noticia também me chamou a atenção e acabei por coloca-la no acercadanet.

O problema do Papa, como dizia alguém, é não acreditar mesmo em Deus... se ele ao menos tivesse uma duvida?

Olaio disse...

Roserouge a obra é de Martin Kippenberger, que é considerado um dos nomes mais importantes da arte contemporânea europeia dos anos 80 e 90 e chegou a ser comparado com Andy Warhol. Morreu em 1997, aos 44 anos de idade, e sua carreira foi marcada por obras polémicas.

Segundo o artista, a escultura da rã representa uma sociedade hipócrita, corrompida internamente enquanto que mantém uma imagem exterior irrepreensível.

Roserouge, discordo da tua comparação com as caricaturas de Maomé. Uma coisa são os conflitos e confrontos no interior de uma cultura ou religião, outra coisa, são pretensas afirmações de superioridade de uma cultura ou religião em relação a outra. Isso normalmente leva ao acentuar de conflitos e não contribui para o entendimento entre diferentes culturas, como foi o caso.

Anónimo disse...

Não estou a comparar nada, Olaio. Nem a defender a atitude do Papa e muito menos os fundamentalistas islâmicos. Os extremos são sempre perigosos e incitam à violência gratuita. Mas há limites e se a religião traz conforto e paz espiritual a certas pessoas que, de outro modo não conseguem, não se toca, deixa estar. Esse artista não trouxe nada de novo. Vícios privados, públicas virtudes? Ora, que déjá vu! Tell me something new and different.

Ví Leardi disse...

Só pelo debate ...o feíssimo sapo já valeu...Não vou discutir a obra de Martin Kippenberger,que já fez coisas ótimas,ou as caricaturas de Maomé....estou de pleno acordo com a Ju,"Estamos sem parâmetros para definir o que é arte, mas não podemos deixar nas mãos de alguns religiosos que se sentem ofendidos"
mas o pior é que é verdade, em função desta polêmica vai valer mais....gente de novo...Que Feiura.
Ah,a Arte!!!

Ví Leardi disse...

Ah,sim ....vim para agradecer os generosos comentários e dizer que
também sou apaixonada por animação...muitas as boas descobertas que tenho colocado no noVÍ tá,mas uma delas é excepcional...se por acaso não tiver visto nas postagens anteriores....copie e cole...vale a pena...
The Pearce Sisters.

http://www.atom.com/funny_videos/the_pearce_sisters/

Anónimo disse...

Silvares,

cheguei a salvar a notícia, para uma postagem, mas a sua ESGOTOU o assunto. Concordo em genero, número e grau! O Papa cuida da Igreja, e a arte é outra coisa! Agora se isso é arte, como disse é outra história!

Forte abs

Beto Canales disse...

Desresponsabilizar quem comete atos? Roserouge, o ato foi cometido pelo papa, o sapo tá lá em uma cruz e quer dizer somente isso: sapo na cruz. Ponto final. Quem colocou o cunho religioso não foi o pseudo-artista, foram os olhos de quem viu. Como disse antes, cruz não é propriedade simbólica de ninguém, portanto, ofenderam-se por que serviu o chapéu ou qualquer coisa assim. Sabe qual a melhor solução: o papa que fique com a existência ou não do limbo e o sapo que vá comer moscas. Seria perfeito.

Silvares disse...

Roserouge, não me parece que seja bem a mesma coisa. Aposto contigo que a esmagadora maioria dos que condenam o sapo verde nunca puseram os pés num museu de arte contemporânea. Mais, estão-se nas tintas para esse fenómeno. O museu acabou por recusar-se a retirar a peça da exposição. E, na minha opinião, fez bem.

Ju, as questões que levantas neste comentário dão origem ao próximo post.

Olaio, estou de acordo contigo. A intolerância perante aquilo que manifesta diferença apenas gera mal-entendidos e mais intolerância.

Roserouge, a arte não tem de ser sempre nova e original. Se assim fosse haveria muito menos artistas do que os que por aí andam. Bons, maus e mais ou menos.

Ví, o debate segue no próximo post.
Já conhecia as Pearce Sisters. Outro filmezinho de grande qualidade. Mas, repare, um filmezinho bem feio... não é mesmo!?
:-)

Eduardo, a vontade da Igreja Católica de intervir na esfera pública e laica deveria ser menos radical nos tempos que correm.

Beto, também me parece que, como diz o povo, "cada macaco no seu galho".

Anónimo disse...

Curto este blog. Está vivo.

Silvares disse...

Estamos vivos!
:-)

Cristina Loureiro dos Santos disse...

Cheguei atrasada, Rui :(

Nunca tinha visto o sapo.
É horroroso, simplesmente. Poluição visual pura. Para mim, nem vale a discussão, é dar-lhe muita importância, não merece. Por acaso li o post seguinte antes deste. Adoro este debate, embora ele não tenha fim ;)

Quanto ao Papa, eatá a chamar atençao para a peça, mais valia ignorar, é que, como católica, faço. Aquilo nem me ofende, tão mau é.

Beijinhos :)

PS: O teu blog continua excelente!

don azia disse...

parece que, desta vez, a igreja engoliu um sapo.