Uma leitura feita na diagonal da edição de hoje do jornal
Público leva-me a realçar alguns pormenores que me captaram a atenção e fizeram pensar um pouco.
Obras de Malhoa e Souza-Pinto falham venda em Londres13.11.2008, Vera Monteiro
Dois quadros dos pintores portugueses José Malhoa e Souza-Pinto, integrados num leque de pinturas de arte espanhola, não atingiram ontem o preço-base de licitação no leilão da Sotheby's em Londres.A pintura de José Malhoa (1855-1933) em leilão, O Barbeiro da Aldeia, tinha como base de licitação 200 mil libras (240 mil euros) e a licitação mais alta foi 190 mil libras (228 mil euros). Já a obra A Pequena Guardadora de Vacas, de José Souza-Pinto (1856-1939), recebeu uma licitação de 75 mil libras (90 mil euros), mas precisaria de um mínimo de 80 mil libras (96 mil euros).
Será que só nós sabemos que Portugal não é, actualmente, uma província espanhola? Dizem-nos sempre que a pintura de Malhoa tem um carácter fortemente distintivo de um certo olhar genuínamente português. Talvez os leiloeiros da Sotheby's não estejam virados para certas especificidades de obras de arte provenientes de mercados periféricos. Terá sido por isso que os quadros referidos ficaram nas mãos de quem já os possuia?
Pedro Lapa, director do Museu Nacional de Arte Contemporânea, reforça uma tendência para a homogeneização, na qual a "valorização nacional tenderá a diluir-se". Aponta também a crise económica como uma possível explicação, ou até a evolução das colecções, que na última década se tem vindo a transformar, sobrepondo-se o gosto pelo contemporâneo ao gosto "mais tradicional, de tendência naturalista".
Eu diria mesmo que essa homogeneização é do tipo global. Artistas contemporâneos portugueses não têm tido muito mais sorte que estes mestres novecentistas nas grandes vendas de arte (que estão a tornar-se menos grandes a cada leilão que passa). A arte já não vale o que, ainda há bem pouco tempo atrás, chegou a valer. O
Damien Hirst fez o seu leilãozinho na hora H. Olhem se o inglês tivesse marcado a venda das suas obras para o corrente mês de Novembro. Que flop!
Legumes tortos de regresso aos mercados13.11.2008, Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas
A partir de Julho, melões menos ovais e cenouras nodosas vão voltar a ser vendidas. Os agricultores europeus estão contra e dizem que os preços não vão baixar para os consumidores
Os frutos e legumes de formas e dimensões menos elegantes, como os pepinos curvos, as cenouras nodosas ou beringelas tortas, vão poder voltar a ser comercializados na União Europeia (UE) a partir de Julho, graças ao fim da calibragem obrigatória que foi ontem decretado pela Comissão Europeia.A decisão foi tomada depois de uma discussão acesa entre os representantes dos Governos da UE. A maioria votou contra a proposta de Bruxelas (16 países contra, nove a favor e duas abstenções, incluindo Portugal). O número dos opositores não chegou, no entanto, a atingir o limiar da maioria qualificada dos Vinte e Sete que seria necessária para rejeitar a proposta.
Fico simultaneamente satisfeito e apreensivo perante esta notícia.
Satisfeito porque verifico uma espécie de "efeito Obama" uma vez que deixa de haver discriminação contra certo tipo de frutas e legumes só porque apresentam nódulos ou curvas antinatura. Em boa verdade será o fim da segregação vegetal que tem imperado nos nossos mercados, Europa adiante.
É de salientar ainda o calor da refrega argumentativa sobre as qualidades da cenoura marreca e o efeito pernicioso que diferentes configurações das maçãs num expositor podem ter no cérebro do europeu médio, habituado a imaginar que tudo tem uma forma exacta, um peso determinado e um brilho controlado genéticamente.
Fico apreensivo por reparar que a maioria votou contra a proposta. Isso mostra como a Europa continua a imaginar que o mundo pode ser, todo ele, normalizado, democratizado, repintado e restaurado de acordo com as conveniências e o gosto estético do eixo Paris-Berlim.
Uma referência ainda para a posição do nosso país. Portugal, como é costume, absteve-se. Nem no que diz respeito ao peso dos tomates ou à necessidade de comercializar pepinos rectilíneos os nossos representantes são capazes de tomar uma posição concreta, mantendo assim a sua habitual personalidade de banana equatoriana. Deve ser por isso que o Manel Durão Barroso foi escolhido para presidir à Comissão Europeia e, há quem diga, mantém fortes probabilidades de se recandidatar com sucesso. Convenhamos que, em termos de normalização, Durão tem um pensamento absolutamente igual ao que dele se espera.
Finalmente (e correndo o risco de já estar a ser chato) realço uma noticiazinha pequenina que surge na página 18:
O regresso das tropas a casa, o livre acesso à universidade e a criação de um sistema de saúde universal foram algumas das notícias da cópia quase perfeita do jornal norte-americano The New York Times, distribuída na manhã de ontem, em vários pontos de Nova Iorque e Washington.Com uma imagem extremamente credível, que enganou muitos transeuntes, a edição de 14 páginas foi uma partida organizada pelo grupo de esquerda Yes Men, que diz ter ajudado apenas na distribuição. Segundo um elemento do grupo contactado pelo The Guardian que se identificou como Wilfred Sassoon, a edição de 1,2 milhões de exemplares foi financiada por pequenos doadores e inteiramente feita por voluntários, entre eles jornalistas do verdadeiro NY Times.A edição falsa, cheia de boas notícias, tinha a data do dia 4 de Julho de 2009 e foi acompanhada por uma cópia do site do NY Times, fiel ao original, onde se podia ler a distorção do lema do jornal: "All the news we hope to print". Pelos vistos as boas notícias, mesmo que sejam a fingir, não caem bem entre os verdadeiros jornalistas, encarregues de nos darem uma certa visão do mundo circundante, já que o verdadeiro NY Times está a tentar descobrir os autores da brincadeira para os entalar fortemente na justiça. Com a realidade não se brinca!
Por falar nisso, já chega de brincadeira. Está na hora de ir trabalhar.