quarta-feira, dezembro 31, 2008

Votos de Ano Novo


Para o Ano Novo que aí vem desejo que todos consigamos perceber com precisão cirúrgica quanto amamos e quanto odiamos.

Que o amor e o ódio se confundam numa coisa só.

Que essa coisa seja suficientemente forte de modo a permitir-nos escolher com clareza os caminhos que trilhamos sem falsidades e com toda a honestidade que os nossos corações forem capazes de suportar.

Bom Ano Novo para todos. Para os que amo e, também, para aqueles que odeio.

terça-feira, dezembro 30, 2008

2009 está quase aí (parte 3)


Esta sequência de posts está decerto influenciada pela leitura de O Jogo do Anjo, de Carlos Ruiz Záfon. Ofereceram-me o livro no Natal e, contrariando a minha habitual lentidão, li-o em dois dias apenas. Eu sei que é fácil gostar das histórias de Zafón, que a sua escrita escorre pelo cérebro como gelatina de sabor a tutti-frutti escorre goela abaixo, que as suas personagens só dizem coisas extraordinárias e fazem afirmações estonteantes, mesmo nas situações mais simples e, aparentemente, banais. Eu sei. E é precisamente por isso que gosto de o ler. Não terá a densidade de floresta virgem longe de ser desmatada que tem a escrita de Lobo Antunes, por exemplo, nem a profundidade de um Ian McEwan, decerto. Será literatura de cordel, doce como açucar em pó, mas lê-se de um fôlego e, no fim, é uma desilusão que tenha acabado.

Espera lá, o que é que eu queria dizer quando comecei este post? Ha, já sei, estava a falar da sequência misteriosa dos meus últimos posts. Pois é. Já vou no 3º com "2009 está quase aí" no título e ainda não fiz os meus votos de Ano Novo. E também não é agora que irei fazê-los. Só amanhã. Não quero estragar alguma magia que a formulação dos ditos votos possa ter. Quem sabe se antecipá-los ao último dia do ano não lhes retira força e eficácia? Não quero arriscar porque tenho muita fé naquilo que vou desejar para o próximo ano. Espero que seja um ano cheio de magia... ooops, isto contará como voto de Ano Novo? Ainda não queria...

segunda-feira, dezembro 29, 2008

2009 está quase aí (parte 2)

Banksy, evidentemente
(pelo menos é o que está registado... e parece!)

Não quero ser como as concorrentes a Miss Mundo: "O meu maior desejo é que haja paz e concórdia em todo o planeta e que a pobreza desapareça e as criancinhas sorriam para a fotografia", tretas dessas. Não tenho peito para tanto.

Também não quero desesperar como os que imaginam que o fim do mundo tem nova data. Agora fala-se no dia doze do décimo segundo mês de 2012. Os profetas da desgraça sempre encontram um número redondo que lhes meta medo.

Não quero ser demasiado bom nem demasiado mau. Não quero ser demasiado crédulo nem tão incrédulo como é costume. Gostaria de encontrar um ponto de equilíbrio, um lugar comum que não fosse tão evidente quanto seria de esperar. A banalidade consciente não é tarefa fácil. Fácil é dizer que tudo está mal ou acreditar em alguma força extra-humana capaz de orientar o universo num inesperado caminho de paz e amor, enviar para o nível do desconhecido a providencial capacidade de fazer um trabalho que é nosso. Cristo não vem e, caso apareça, nada garante que seja bem recebido.

Quero acreditar que posso mudar o mundo. Quero acreditar que tu podes e queres mudar o mundo. É nisso que deposito a minha fé bem como deposito a minha razão. Na nossa capacidade de mudarmos o mundo nas pequenas coisas que dependem das nossas acções.

Estou quase a chegar lá. Mais um dia e poderei declarar os meus votos para o próximo ano. 2009 está quase aí!

domingo, dezembro 28, 2008

2009 está quase aí


Miró. Personagens na noite guiadas pelo rasto fosforescente dos caracóis

Precisamos de algo que nos faça sonhar. Precisamos de algo em que acreditar, algo que dê um sentido à nossa existência. A religião desempenha esse papel para milhões de pessoas. Ampara e reconforta nos momentos de desespero, ajuda a perspectivar um futuro melhor. O meu problema é que as religiões tendem a enviar a esperança para outro mundo, numa outra vida. Não gosto da ideia.

Outros procuram conforto na possibilidade de existirem ideias suficientemente puras e perfeitas que possam ordenar a nossa existência individual e colectiva de modo a que todos possamos ser felizes neste mundo. Esta postura parece-me mais atractiva.

Seja como for, pela fé ou pela razão, precisamos de valores o mais universais possíveis, valores que possamos perseguir no nosso quotidiano que nos dêm a sensação de que existe justiça para todos e não apenas para alguns.

O ano está a chegar ao fim e é tempo de fazer votos para o próximo. Ainda tenho 3 dias para pensar nisso. Não quero precipitar-me. Já tenho algumas ideias mas ainda não vou formular os meus votos para 2009. Amanhã ou depois. Ou depois. Ainda há tempo para sonhar mais um pouco.

sábado, dezembro 27, 2008

Passeando



Insula Dulcamara, 1938

sexta-feira, dezembro 26, 2008

Foi Natal


O Natal passou. Foi um dia magnífico, passado em família entre comidas, bebidas e muito riso. É quase estranho o facto de nos sentirmos tão felizes. A verdade é que a felicidade nasce do convívio. A família reunida é uma felicidade infinita. As curvas da vida fazem-nos desencontrar uns dos outros, daí que um dia no calendário para marcar reunião geral tenha fortes probabilidades de proporcionar essa felicidade sem limites. Não há nada a provar, não há constrangimentos nem jogos de pose nem mentiras. Apenas alegria por estarmos outra vez juntos. O Natal foi assim, mais uma vez. É a isto que eu chamo um "santo Natal", é isto que é a santidade: felicidade pura sem necessidade de contrato assinado.
Um beijo a todos.

domingo, dezembro 21, 2008

Jornal de Domingo-Parte 2


O texto de António Barreto no Público de hoje, intitulado "Tudo como dantes, nada como dantes", vem lá das profundezas.

Não resisto a registar a passagem final: «(...) Há 30 ou 40 anos que as populações aspiram às delícias da vida moderna. Os que já lá chegaram querem mais e não renunciam. Os que ainda não chegaram consideram uma suprema injustiça serem agora travados. Foram condicionados pelos mais poderosos aparelhos de publicidade e informação que a humanidade jamais conheceu. A propaganda política deu uma ajuda poderosa. Há décadas que os governos, as televisões, a imprensa e os grandes grupos económicos comungam um punhado de ideais que presidiram à nossa vida colectiva. Para usar o lugar comum conhecido, o ter substituiu o ser. O critério da vida é vencer. Sempre, a qualquer preço. Vencer significa derrotar e liquidar os outros. Quem vence tem razão. E tem razão porque vence. É a democracia no seu pior. Maior. Mais alto. Mais depressa. Mais pesado. Mais forte. Mais rápido. Já não se trata de jogos olímpicos, eles próprios transformados em feira de animais. Trata-se da vida quotidiana. Para se chegar lá, ao "topo", para se ser "líder", tudo o que se pode fazer deve ser feito. Incluindo aldrabices, ilegalidades, golpes, mentira, publicidade enganosa e corrupção. Tudo o que justifique ganhar votos, vender mercadoria e eliminar os rivais, não só pode ser feito, como deve ser feito. Sob pena de ser designado na praça pública por perdedor, incapaz ou parvo. E ninguém quer ser parvo

É isso mesmo. Como disse no comentário ao comentário do Ogre no post anterior «Os portugueses ainda estão a aprender a ser pobres no mundo da abundância. Quando tiverem aprendido o suficiente para se tornarem ricos é possível que a abundância acabe. É o Fado do costume.» Isto não é pessimismo, garanto. Estou até bastante bem disposto, juro! Por enquanto ainda faço parte do grupo de previlegiados que podem vestir-se de Pai Natal (e usar só uma almofadinha para fazer a barriga) distribuindo uns presentes pelos familiares e alguns amigos. Tal como António Barreto. É o descanso de uma vida sem dificuldades de maior que permite esta leitura tão clara e objectiva. A fome distorce as perspectiva e tolda o olhar.

Jornal de Domingo

Relógio coberto de jóias celebrando o nosso amor pelos animaizinhos em via de extinção


Aos Domingos os jornais tornam-se coisas esquisitas que têm de ser metidas em sacos de plástico. Revistas, suplementos, cadernos publicitários, etc., nos jornais de Domingo cabe tudo sem deitar por fora. Nesta época consumista ainda surgem conselhos e ideias para comprar prendas, normalmente conselhos dirigidos a consumidores de produtos de luxo. Relógios de ouro, malas de senhora impossíveis, pulseiras com diamantes ou outras inutilidades de variados aspectos, no valor de centenas (senão milhares) de euros, em suplementos impressos em papel encerado e com fotos especialmente fabricadas para enternecer o olhar dos ricos que se enternecem (penso) com imagens que possam estimular os seus anseios de ostentação de poder económico.

Este Domingo a 1ª página do Público é arrepiante. "Nova geração de alcoólicos tem menos de 30 anos", "Endividamento chega às compras do dia-a-dia", "Portuguesa detida (em Espanha) a tentar comprar bébé" e "Sem-abrigo, Têm trabalho, têm ordenado mas não conseguem pagar uma casa para viver". Chiça penico! Só desgraças. Vários retratos tenebrosos das assimetrias que vão corroendo por dentro a nossa Democracia. A coisa não está famosa.

O que se passa? Falta aqui alguma coisa (muitas coisas). O que provoca estes desiquilíbrios nas pessoas, nas relações entre elas e na relação que estabelecem com a sociedade? Há quem pense que devemos voltar-nos de novo para Deus, buscando um sentido espiritual para a existência que nos possa oferecer algum alívio. Há quem pense que devemos entregar as rédeas a um poder centralizado que regule tudo com mão de ferro, pondo na ordem os ricos e os pobres. Há quem proponha que se deixe tudo como está, confiando na sorte e na mítica capacidade de auto-regulação dos mercados. Olhando para o panorama sinto um certo desamparo.

Vivemos num mundo regulado pela política económica mas não temos políticos capazes de se aguentarem na crista desta onda gigantesca , nem temos economistas honestos que resistam ao apelo do capital selvagem. Qual é a solução? Queimar tudo e recomeçar de novo? Tentar remendar este tecido sócio-económico todo esburacado que a globalização vem tecendo? Haverá solução?

Temo que tenhamos alcançado o extremo da nossa capacidade de resistência neste modelo civilizacional. Sempre me intrigou o crescimento económico em flecha, o conforto obtido através do consumo não estica mais, algo vai ter de quebrar. Talvez tenhamos de rever, em breve, os nossos objectivos mais imediatos e quotidianos. Talvez tenhamos de refrear o consumo de bens que, agora, nos parecem inquestionáveis, recuando em termos de conforto e lazer. Talvez tenhamos de diminuir o nosso bem-estar se quisermos manter alguma qualidade de vida. Ou isso ou um estoiro monumental. Sinto-me um profeta da desgraça.

sábado, dezembro 20, 2008

Peço desculpa, mas isto está uma merda.


Sinceramente, este mundozinho onde me sento está muito deprimente. O Pai Natal vestiu uma capa preta, com um capuz a tapar-lhe as fuças e veio sem pedir licença. Mas que raio de coisa, Pai Natal, que merda de ideia!

sexta-feira, dezembro 19, 2008

Uma reflexão interessante


O texto que segue é retirado da edição portuguesa de "Grandes Ideias Impossíveis de Provar" saída em Fevereiro deste ano com a chancela da Tinta da China. É da autoria de Nassim Nicholas Taleb, aqui apresentado como "ensaísta, devoto das belles lèttres e praticante da incerteza(i.e., um trader matemático) dedicando-se aos atributos de eventos inesperados, aos desvios extremos da norma e à nossa consequente incapacidade de fazer previsões".


Somos bons a encaixar explicações no passado, ao mesmo tempo que vivemos na ilusão de compreender a dinâmica da história.
Acredito que existe uma séria sobrevalorização do conhecimento naquilo a que chamo as disciplinas históricas «ex-post», ou seja, quase todas as ciências sociais (economia, sociologia, ciência política) e as humanidades - tudo o que assenta na análise não experimental de dados do passado. Estou convencido de que estas disciplinas não fornecem uma vasta compreensão do mundo - nem tão-pouco dos tópicos a que se dedicam. Encaixam-se sobretudo, numa narrativa que satisfaz o nosso desejo (necessidade até) de uma história. As implicações desafiam a sabedoria convencional: não ganhamos grande coisa por ler jornais, livros de história, análises, relatórios económicos; tudo o que conseguimos é ter confiança ilimitada naquilo que sabemos. A diferença entre um motorista de táxi e um rofessor de história é apenas de grau; o segundo é, provavelmente, melhor a expressar-se.
Na economia e nas finanças, por exemplo, há numerosos peritos (muitos dos quais ganham mais de um milhão de dólares por ano)que publicam previsões para benefício dos seus clientes. Experimentem comparar as previsões que eles fazem com os resultados reais. As suas projecções são pouco melhores do que se fossem feitas ao acaso, o que significa que as suas «histórias» são convincentes, mas não parecem ajudar-nos mais do que se dessemos ouvidos ao tal motorista de táxi. Uma leitura atenta dos jornais também não faz a mais pequena diferença para a nossa compreensão daquilo que a economia ou os mercados vão fazer. Testes realizados na década de 1960 por empíricos das finanças, visando o efeito das notícias sobre os preços, chegaram à mesma conclusão. Se examinarmos os dados de perto, podemos verificar que as pessoas tendem a prever (embora com pouca precisão) as flutuações regulares, mas não antecipam os grandes desvios que têm um impacto desproporcionadamente fortes nos resultados finais totais.
Estou convencido, embora não possa prová-lo quantitativamente, que tal sobrevalorização do nosso conhecimento pode ser generalizada para qualquer género de narrativa baseado em informação do passado, e à qual falte verificação experimental. Os ecoomistas foram apanhados porque dispomos dos dados e dos meios para verificar a qualidade dos seus conhecimentos; os historiadores, os novos analistas, os biógrafos, os gurus podem, todos eles, esquivar-se durante mais algum tempo. Diz-se que «Os sábios vêem as coisas antes de elas acontecerem». Para mim, sábios são aqueles que sabem que não conseguem ver as coisas antes de elas acontecerem.


Sábia conclusão a de Nassim Taleb. Entre os analistas da actual era dos computadores e os leitores de entranhas de galinhas pretas de épocas perdidas na noite de tempos de barbárie não há uma diferença assim tão acentuada. Acreditamos nos nossos adivinhos porque os imaginamos praticantes de ciências seguras. Mas podemos estar enganados.

quinta-feira, dezembro 18, 2008

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O dinheiro é ficção. Agora que a crise está a chover um pouco por todo o mundo já não dá para continuar a esconder essa evidência. O dinheiro não existe! Quando nos dizem que a dívida externa é de não sei quantos milhões estão a fazer poesia económica. Quando nos explicam que o investimento público necessário para debelar a força dessa crise é de tantos triliões estão a contar-nos uma história para nos adormecer o medo. O medo de vermos o nosso quotidiano a ganhar contornos de filme de terror.

E a crise chove. Nuns países é tempestade tropical, noutros chuvisco apenas, noutros ainda trovoada que se adivinha pelo horizonte carregado de cinzentas nuvens e pássaros voando baixinho. E os pássaros piam, deixando no ar um rasto arrepiante.

O dinheiro é uma mentira que nos impingem para nos fazerem acreditar que somos ricos enquanto os ricos nos fazem acreditar que são mais ou menos pobres e tudo não passa de uma ilusão barata, um truque de feira, um conto de fadas daqueles contos antigos em que os meninos eram devorados pela bruxa e não havia final feliz.

Olho para o interior da minha carteira e vejo algumas notas. São papéis. Simples papéis. Pequenas páginas do grande livro que encerra esta mentira que teimamos em tomar por verdade indiscutível. Não tenho outro remédio senão acreditar. Vou acreditando. Enquanto a chuva não cair com demasiada força vou continuar a jogar este jogo de faz-de-conta-que-aquele-dinheirão-todo-existe. Mas eu sei que não existe. O que existe somos nós. O resto é mera ilusão de óptica.

terça-feira, dezembro 16, 2008

Entrevista


O Beto Canales, do Blogue Cinema e Bobagens, honrou-me com uma entrevista que publicou no 3:AM Magazine Brasil. Não querendo parecer demasiado orgulhoso (dizem que a humildade é uma qualidade mas não tenho a certeza que seja sempre assim) convido-te, caro leitor, a experimentares uma vista de olhos.

Durante vários dias recebi e-mails do Beto com questões às quais fui respondendo. O resultado é essa entrevista. Na minha óptica é um longo post escrito a duas mãos (a 4 mãos, melhor dizendo) em Português dos dois lados do Atlântico.

O Beto diz que gostou do resultado. Eu também me sinto satisfeito. Espero que tu possas chegar à mesma conclusão. Ou então não. Seja como for, a experiência foi positiva para os que a levaram a cabo.

segunda-feira, dezembro 15, 2008

Brasil (Tertúlia Virtual)


Nunca fui ao Brasil mas o Brasil veio até mim nas mais diferentes formas e feitios. Começou por chegar nos livros de História, quando era ainda um menino e as viagens marítimas faziam parte do imaginário do pessoalzinho. Juntamente com as narrativas históricas vinham Pelé e Tostão, Clodoaldo, Jairzinho e Rivelino, nos cromos do Mundial de 1970, no México (penso que o "goleiro" era o Leão, mas já não tenho a certeza). Mais tarde ouvi discos de Caetano Veloso vi, na televisão, um "show" de Elis Regina, a preto e branco, que me deixou intrigado. O tempo foi passando e o Brasil era, cada vez mais, futebol e samba, tal como Portugal era futebol e fado. No Brasil havia o Cristo Redentor e por aqui reinava a Nossa Senhora de Fátima. Mais tarde veio a Revolução em Portugal e Chico Buarque cantava "sei que estás em festa, pá..." o que me deixou a pensar um pouco, não muito, sobre um Brasil com mais coisas que Pelés e batucadas. Entretanto romperam as telenovelas com Gabriela Cravo e Canela à cabeça. Eu cresci e o número de visitas que o Brasil me ia fazendo cresceu também. A minha primeira História da Arte de E. H. Gombrich era uma edição brasileira. O planeta foi encolhendo graças aos meios de comunicação de massas (que os brasileiros chamam "mídia") e o Brasil ganhou uma cara mais definida e menos simpática. Um mundo imenso e variado de personagens coloridas e fortíssimos contrastes sociais. Hoje o Brasil é um universo de blogues escritos por gente que fala a mesma língua que eu falo e com quem me entendo às mil maravilhas. Ah, já me esquecia que, como se diz por aí, "Deus é brasileiro!". Só pode!

domingo, dezembro 14, 2008

Domingo


Pronto, pronto, não há que entrar em pânico. Apesar dos distúrbios na Grécia, as 27 estrelas da União Europeia continuam a brilhar na escuridão deste mundo desregulado, dizem...

Apesar de continuarmos a ver o fosso entre os ricos e os pobres a aumentar a cada dia que passa não temos que desesperar. Afinal de contas a procura de produtos de luxo tem aumentado nesta época natalícia. A maioria pode não ter dinheiro para comer mas há uma minoria que tem dinheiro para gastar à balda em coisas supérfluas e brilhantes.

O resultado da recolha de bens alimentares levada a efeito pelo Banco Alimentar Contra a Fome deixa-nos a pensar que a solidariedade não é uma palavra vã. Um motivo para sorrirmos tristemente no meio de tanta merda.

A nossa sociedade é um fogo cruzado de lutas e contradições. Ora somos humanos, ora parecemos máquinas consumidoras a triturar recursos de toda a ordem. Sofreremos de esquizofrenia social?

Os piratas somalis rivalizam com os homens de negócios ocidentais seja nos métodos de trabalho, seja nos lucros alcançados. É preciso pensar na felicidade dos que lucram com a pirataria tanto quanto pensamos na felicidade dos magnatas que compram automóveis topo de gama para guardarem nas garagens de luxuosas mansões graças aos negócios obscuros que são realizados dentro de limites legais, mesmo que, para ganharem o seu dinheiro, não hesitem em lançar no desemprego e na miséria os trabalhadores que lhes proporcionaram riqueza. O mundo está coberto de piratas e de gente inocente. O mundo está coberto de pessoas.

No Matrix, quando Morpheus está a ser turturado pelo maléfico Agente Smith, o programa informático (que não tem alma) explica ao pobre herói humano a perspectiva que tem sobre a humanidade. É uma ideia interessante sobre a qual deveríamos reflectir de vez em quando. Nem que apenas por um simples mas proveitoso momento a cada novo dia que amanhece.

Bom Domingo.

sexta-feira, dezembro 12, 2008

Olhando Goya, o Imortal


Por vezes preferia ter uma sensibilidade ainda mais exagerada que só me permitisse a comoção perante coisas decididamente belas. Mas não, logo havia de me ter deixado apanhar por um espírito crítico enegrecido pelo escárnio cozido no fogo lento do maldizer!

Olho um cão a salvar outro cão e de imediato imagino homens a comer outros homens. Vejo um gajo de fato-e-gravata e logo me encontro perante uma hiena com furúnculos no cú a rir-se de um passarinho caído do ninho. Não há volta a dar-lhe, o sonho é, para mim, um pesadelo e a única esperança que me resta é estar doente a merecer visita de médico que me possa atenuar o mórbido prazer de imaginar um mundo despido do véu que lhe esconde a horrenda fuça.

Onde está a beleza das coisas horríveis? Onde está o horror das coisas belas? Se um gajo tem olhos agarrados à merda da cabeça, olhos que são excrescências do cérebro, uma espécie de castigo que Deus nos deu por querermos pensar o mundo por nós próprios, o que pode um gajo fazer senão olhar e ver? E o que vejo nem sempre é bonito. Quase nunca é bonito. As mais das vezes vejo coisas feias. Mas já não sei se é defeito. Como há quem sofra de miopia posso eu sofrer de um defeito qualquer que me tolhe a visão e distorce a retina e me queima os miolos como um ferro em brasa.

Quando estas dúvidas me assaltam e me retorcem este sono que gosto de dormir quando estou acordado, liberto-me de temores olhando as gravuras de Goya, o Imortal. Então compreendo a sorte que tenho por viver num horror tão brando como aquele em que vivo. Compreendo que, apesar de tudo, este é o melhor dos mundos que este mundo já teve nos confins do seu imenso ventre. E sorrio. Sorrio perante as visões horripilantes que nos foram legadas pelo Mestre para que possamos perceber os limites do Inferno e sentir a doçura de vivermos nesta favela do Paraíso.
E dou graças a Deus por não existir.

quarta-feira, dezembro 10, 2008

Ser-se o que se é



Hoje comemora-se o 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Nada melhor que o exemplo de um cão para que possamos recordar o significado da palavra "solidariedade".

segunda-feira, dezembro 08, 2008

Perigo de desmoronamento


O regime político está doente.

O parlamento sofre de macrocefalia e esclerose múltipla. Os deputados não são ninguém e suportam um governo de péssima qualidade.

Uns e outros, metidos num saco e atirados ao rio, não fariam mais falta que uma ninhada de gatos tinhosos.

Preferia de longe alimentar os gatos tinhosos.

A cada dia que passa compreendemos melhor os contornos mafiosos do nosso sistema económico e a forma pornográfica como este se mistura no mundo da política.

Uma história de faca e alguidar.

Faca para cortar gargantas e alguidar para receber o sangue das gargantas cortadas.

O presidente da república gagueja incongruências e serve para tanto quanto não servem os outros.

Os partidos políticos revelam-se verdadeiras associações de malfeitores.

Têm uma vida tão complicada que os melhores de entre os cidadãos se afastam e fogem deles como o Diabo foge da Cruz.

O país afunda-se e nós, sendo parte integrante do país, afundamo-nos com ele. Já estamos submersos até aos tomates e continuamos a ser puxados para baixo.

Entretanto tenho a sensação de que tudo se desmorona à nossa volta.

Vêm aí tempos interessantes mas, temo bem, tempos muuuuuito deprimentes.

domingo, dezembro 07, 2008

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Soube hoje ao jantar que o Paulo Rodrigues faleceu. O Paulinho. Já aconteceu há algum tempo. Não percebi quanto tempo. Mas percebi porque não respondeu ás últimas mensagens de SMS que lhe enviei. Vou apagar o número dele da lista de contactos no telemóvel.

sábado, dezembro 06, 2008

Um Mundo Catita



Quando me preparei para escrever este post a minha intenção era desancar na inenarrável versão do "Bem Bom" que faz parte do novo álbum a solo do Rui Reininho. Enquanto procurava no You Tube um vídeo que pudesse ilustrar este meu ódiozito de estimação dei de caras com uma série de vídeos de "Um Mundo Catita", a série que passa actualmente no canal 2 da RTP. Imediatamente mudei de tema. É que esta série tem-me proporcionado inesperados momentos de profundérrimo prazer e tem-me feito rir com vontade, coisa boa que cada vez menos acontece de forma espontânea.
"Um Mundo Catita" é uma espécie de biografia romanceada do grande (sob vários aspectos) Manuel João Vieira. Quem o conhece sabe que é uma personagem desopilante, capaz do melhor e do pior. Uma personagem real que constrói para si própria um mundo de faz-de-conta que se adapte à sua visão escatológica do universo circundante. As máscaras de João Vieira (ou será antes Lelo Marmelo?) estão sempre presas por arames e "Um Mundo Catita" é o lugar ideal para olharmos de frente toda essa mascarada.
Manuel João Vieira foi aluno da Escola Superior de Belas-Artes na mesma época que por lá andei. Já nos idos de 80 era um gajo estranho e exagerado que fazia rir ou nem por isso. Foi na época em que surgiram na escola os Ena Pá 2000 mas também os Mler If Dada. Tempos muito pouco modernos.
Assistir agora a esta série (passa aos Domingos, já lá vão 2 de 6 episódios) é um exercício de memória curioso. Lá surgem uma série de personagens que já havia esquecido. Surgem em pessoa ou disfarçados de "catitas". É uma série com uma qualidade assinalável tanto nos cenários como na fotografia e no argumento. Uma óptima surpresa que tenciono continuar a desfrutar até ao fim, devagarinho, com volúpia.

sexta-feira, dezembro 05, 2008

Atrás dos tempos vêm tempos e outros tempos hão-de vir...

Turner Prize Short List 2008


Esta semana foi mais curta do que as outras. Pareceu-me mais curta mas, provavelmente, não foi. A verdade é que o tempo se esgueirou à minha frente, sempre a correr e eu atrás, feito mamute, nunca fui capaz de o acompanhar. Eis que, de súbito, é já sexta-feira e eu a patinar ainda na segunda. O tempo tem destas coisas. Não há nada a fazer senão imaginar que o tempo existe para lá dos relógios, para lá dos calendários, fora das páginas fechadas das agendas. Imaginar que somos nós que nos alimentamos de tempo e não o contrário, que não é o tempo que nos enfia de uma só vez na sua imensa boca e nos mastiga como se fôssemos chiclete de banana, que somos nós que o mastigamos indolentemente e o deitamos fora quando já perdeu todo o sabor. Cuspir o tempo é que era!

Aconteceram tantas coisas dignas de registo entre a segunda-feira que não passou e esta sexta-feira que se calhar ainda é segunda. Um tal de Mark Leckey ganhou o Turner Prize. Coube a Nick Cave o papel de anunciar o nome do vencedor. Pronto, nunca tinha ouvido falar do artista mas já vi o velho Nick uma mão-cheia de vezes no palco. A coisa fica assim equlibrada. O tempo de conhecer nomes não é igual ao tempo de os dizer.

A ministra da educação deu várias cambalhotas dignas de uma arena circense e fiz greve e fartei-me de falar sobre as razões dos protestos e das reivindicações dos professores e hoje estou um pouco surpreso e algo confuso com os últimos acontecimentos. O tempo a baralhar-se todo em discursos pouco claros.

Outra revelação surpreendente foi a afirmação de Bush dizendo que não estava preparado para a guerra, confessando ainda que houve falhas de informação sobre as armas de destruição maciça que levaram à invasão do Iraque. Coitado, está arrependido. Entretanto não houve uma palavrinha para o fantasma de Saddam, condenado à morte e executado no meio desta salsada toda. O tempo não volta para trás.

O rescaldo dos atentados de Bombaim apenas sublinha a extrema fragilidade das sociedades contemporâneas perante o fanatismo fundamentalista do terrorismo internacional. O sangue corre como água e não parece haver nada a fazer para o parar. Vivemos tempos difíceis.

Vi em casa um filme excelente. Lars and the Real Girl. Brilhante. Ainda podemos imaginar que o tempo nos reserva momentos de extrema felicidade.
É tempo de fechar a loja. Até amanhã.



segunda-feira, dezembro 01, 2008

Viva a República!


Hoje passou mais um ano sobre a restauração da independência de Portugal. Corria o ano de 1640 e terminava a dominação espanhola iniciando-se a IV dinastia, da casa de Bragança que viria a ser abatida a tiro em 1908 com D. Carlos baleado no Terreiro do Paço. Actualmente a casa de Bragança tem em D. Duarte Pio o seu representante. Na entrevista que hoje saiu no P2, suplemento diário do Público, ficamos a perceber como a monarquia pode ser um cancro social ao impor governantes que têm como principal qualidade o facto de terem nascido na família real. Podem ser atrasados mentais ou homens geniais, não interessa, o lugar no trono é um direito de nascimento e o povo só tem de dar graças a Deus pelo facto de existir um gajo capaz de lá sentar o real pandeiro. Convenhamos que é pouco, muito pouco.

D. Duarte é uma personagem entre o vaidoso que quer parecer um simples e o gajo que deixamos jogar à sueca mas que não queremos como parceiro, por ser demasiado básico. A sucessão de respostas que dá na entrevista tem momentos, no mínimo, abstrusos. Destaco esta passagem e o leitor que decida sobre a bondade da sucessão dinástica ou a preferência pelo sufrágio universal na escolha de um Presidente para a nossa República. Diz D. Duarte:

D. Duarte - Quando estou numa monarquia árabe sou descendente do profeta Maomé.

Repórter - Porquê?

D.D.- A rainha Santa Isabel era descendente de um príncipe árabe que era descendente de Maomé. Por isso, a minha posição é completamente diferente da de qualquer embaixador da república portuguesa.

R.- Isso é reconhecido em todo o mundo árabe?

D.D.- É. Mas quando estou em Israel digo que o D. Afonso Henriques era descendente do Rei David. Aliás, aconteceu uma coisa curiosa, nesta última viagem a Jerusalém: o chefe dos sefarditas contou-me que D. Pedro II do Brasil, bisavô da minha mãe, tinha visitado Israel e falava fluentemente o hebreu.

Assim temos um perfeito camaleão que se gaba de o ser. Um Zelig, que muda de personalidade conforme o ambiente em que se encontra. Pergunto a mim próprio quem serão os antepassados de D. Duarte Pio quando visita Angola. Há quem considere este homem uma personagem aprazível por ser tão nítidamente um pobre de espírito. Eu não. Não gosto dele nem daquilo que ele representa. Teremos escolhido muito governante safado ao longo dos anos de Democracia Parlamentar mas escolhemos. Isso, D. Duarte, é algo que o senhor não pode perceber. Mas se fosse só isso que Vossa Senhoria é incapaz de entender... senão vejamos mais esta pérola do pensamento deste nosso pretendente a um trono que não existe:

A educação democrática em Portugal é muito fraca. As pessoas ainda não perceberam qual é o papel dos partidos e do Parlamento. Se houver uma crise grave, com fome, pilhagens, tudo isto vai por água abaixo. Basta que, por um acto terrorista, não recebamos petróleo, que por causa de greves, ou distúrbios, a importação de produtos alimentares seja suspensa. Somos completamente dependentes. Pode haver centenas de milhares de pessoas a manifestarem-se por uma intervenção totalitária dos militares, ou do Presidente.

É evidente que com um descendente de Maomé nos comandos da nação nada disto aconteceria. Alá é grande e haveria de interceder por nós. Ainda por cima as relações do hipotético monarca com Deus, o outro, o Deus dos judeus, são muito próximas, uma vez que também há parentesco com o Rei David. Sendo assim, com D. Duarte estamos sempre safos.

Podemos ter um 1º ministro do pior que já tivemos e um Presidente da República que... enfim. Mas podemos dar graças aos céus por não termos um reizito desta estirpe. Ao menos isso.

sábado, novembro 29, 2008

Escrito na Pedra


Escrito na Pedra é uma rúbrica do suplemento diário do jornal Público. Todos os dias vem à estampa um pensamento de alguém a propósito de alguma coisa. Digamos que é uma rúbrica que nunca falha. As frases são, quase sempre, sonantes apesar de profundidades variáveis na qualidade dos pensamentos.

Penso que a propósito dos ataques terroristas em Bombaim a frase de hoje, da autoria de Rudyard Kipling, diz o seguinte: "A Ásia não se vai tornar civilizada seguindo os métodos do Ocidente. É demasiado grande e demasiado antiga."

Fico a pensar que se George W. Bush tivesse lido esta frase talvez pudessemos estar a viver tempos ligeiramente diferentes. Sim, porque é conhecido o fascínio do ainda presidente dos EUA pela literatura infantil e Kipling foi um renomado autor de contos para crianças. Embora, mesmo assim, me pareça que a densidade narrativa das obras de Kipling possa ser demasiado para uma criançola com as características do pequeno Georgie Boy, nunca é demais sonhar com a possibilidade de termos homens à frente dos destinos do mundo capazes de se comoverem com as aventuras de um menino criado por uma alcateia de lobos. Ao menos isso.

O atestado médico (ou O elogio da mentira)


O texto que se segue foi-me enviado por Carlos Melo do blogue Kriu. Trata-se de um blogue com textos sobre temas muito variados com uma coisa em comum entre todos eles, são invariavelmente textos interessantes que reflectem sobre questões de extrema actualidade. Encontrei o mesmo texto num outro blogue E Esta, Hein? com data de 2006. Dois anos mais tarde continua tudo na mesma. Como a lesma. A actualidade é uma questão de acesso à informação.





Imagine o meu caro que é professor, que é dia de exame do 12º ano e vai ter defazer uma vigilância. (...) O despertador avariou durante a noite. Ou fica preso no elevador. Ou o seu filho, já à porta do infantário, vomitou (...) em cima da sua imaculada camisa. Teve, portanto, de faltar à vigilância. Tem falta. (...) A questão agora é: como justificá-la?

Passemos então à parte divertida.

A única justificação para o facto de ficar preso no elevador, do despertador avariar ou de não poder ir para uma sala do exame com a camisa vomitada, ababalhada e malcheirosa, é um atestado médico. Qualquer pessoa com um pouco de bom senso percebe que quem precisa aqui do atestado médico será o despertador ou o elevador. Mas não. Só uma doença poderá justificar sua ausência na sala do exame. Vai ao médico. E, a partir deste momento, a situação deixa de ser divertida para passar a ser hilariante.

Chega-se ao médico com o ar mais saudável deste mundo. (...) O médico sabe que ele não está doente. O presidente do executivo sabe que ele não está doente. O director regional sabe que ele não está doente. O Ministério da Educação sabe que ele não está doente.O próprio legislador, que manda a um professor que fica preso no elevador apresentar um atestado médico, também sabe que o professor não está doente. (...)

Um país assim, onde a mentira é legislada, só pode mesmo ser um país doente. (...) O problema é que em Portugal a ficção se confunde com a realidade. (...) adoramos fingir que aquilo é tudo verdade.

Somos pobres, mas vivemos como os alemães e os franceses.
Somos ignorantes e culturalmente miseráveis, mas somos doutores e engenheiros.
Fazemos malabarismos e contorcionismos financeiros, mas vamos passar férias a Fortaleza.
Fazemos estádios caríssimos para dois ou três jogos em 15 dias, temos auto-estradas modernas e europeias, mas para ver passar, a seu lado, entulho, lixo, mato por limpar, eucaliptos, floresta queimada, barracões com chapas de zinco, casas horríveis e fábricas desactivadas.
Portugal mente compulsivamente.
Mente perante si próprio e menteperante o mundo.
Claro que não é um professor que falta à vigilância de um exame porficar preso no elevador que precisa de um atestado médico.
É Portugal que precisa, antes que comece a vomitar sobre si próprio

URGE MUDAR ESTE ESTADO DE COISAS.
ESTÁ NA SUA MÃO, NA MINHA E DAQUELES A QUEM A MENSAGEM CHEGAR!

sexta-feira, novembro 28, 2008

Sem cabeça


Passam hoje três anos sobre o primeiro post do 100 Cabeças. Podia ter sido ontem mas não; é hoje. Choveu à brava todo o santo dia. Demasiadas coisas não encaixaram como deviam nas outras por forma a gerarem uma cadeia de acontecimentos harmoniosa, simétrica e equilibrada, como devem ser as coisas que são belas. Classicamente belas.
Este dia foi um dia confuso, assimétrico. Alguns momentos foram cortantes, outros pontiagudos, um dia lixado, a bem dizer. Dia de impulsos e improvisos, cálculos arriscados e gestos quase falhados. Enfim, um dia como tantos outros. Um dia sem cabeça. Um dia com demasiadas cabeças. Mais um dia. Apetece-me fazer a pergunta: quantos dias faltam para que ontem faça parte do futuro? Amanhã logo se verá. Espero que tenhas uma boa noite.

quinta-feira, novembro 27, 2008

Utopia matinal


Ponto prévio: Pedro Rosa Mendes é um homem especial. O trabalho jornalístico que realiza por esse mundo fora e, particularmente, no mundo que fala a nossa língua, é único. Ler Baía dos Tigres é uma experiência literária e narrativa excepcional.

Há dois dias atrás saiu no Público um artigo de Pedro Rosa Mendes sobre a actual situação de Timor que deixou muita gente perplexa (ou nem por isso). Rosa Mendes descreve um país sem identidade nem escrúpulos nem lei nem nada que o possa unir e sustentar. Uma espécie de Portugal parado no tempo e no espaço geográfico errado, onde "todos mandam e ninguém obedece" e os níveis de corrupção fazem corar de vergonha a Camorra napolitana.

Xanana Gusmão, de visita a Portugal, veio diplomaticamente dizer que respeita o trabalho do jornalista mas que Timor é governável. Disse ainda que aquele povo fragmentado, miserável e sedento nem sabe de quê, que Rosa Mendes descreve no artigo, é capaz de se governar governando a sua parte da ilha.

Lendo as suas declarações noto que as provas de capacidade de autogovernação e os motivos de esperança num futuro melhor se baseiam fundamentalmente numa aposta económica. Até nisto os timorenses são parecidos com os portugueses: acreditam no futuro desde que haja a perspectiva de "choverem" uns milhõezitos, uma enxurrada milagrosa que venha lavar a miséria das ruas e por os pobrezinhos a brilhar com telemóveis novos e governantes que se deslocam em veículos topo de gama.

É aí que se enganam Xanana, e Barroso, e Sócrates e todas as almas enfatuadas que governam este mundo (e parte do outro). Um futuro melhor não tem unicamente por base milhões de euros nem de dólares. Um futuro melhor só poderá ter por base cidadãos mais inteligentes, melhor informados e com uma perspectiva humanista. Claro que isto é uma Utopia. Mas é uma Utopia em nome da qual vale a pena tentar mudar o mundo.

segunda-feira, novembro 24, 2008

KGOY


KGOY quer dizer Kids Get Older Younger. É uma expressão que se utiliza, não para explicar algum inesperado fenómeno de entrada precoce na idade adulta por parte das mais recentes gerações de animais tecnológicos, mas sim para sublinhar o facto de esses bichinhos terem uma cada vez maior influência nas escolhas de certos e determinados produtos de consumo.

Os KGOY são, na verdade, extraordinariamente infantis em termos emocionais e sociais, mas desenvolvem muito depressa competências no campo do reconhecimento de campanhas publicitárias, tornando-se alvos preferenciais de publicitários sem escrúpulos. São um alvo fácil embora nos queiram fazer crer que se trata de um público especializado. Os KGOY são especializados em consumo e a sua incapacidade para resistir aos apelos consumistas mais primários é visto como uma qualidade, pelos publicitários mas, convenhamos, é uma qualidade de merda!

Os KGOY são, em grande parte dos casos, verdadeiros tiranetes no espaço familiar. Quando desejam algo podem tornar-se mais chatos que um vendedor de enciclopédias ao domicílio. A publicidade infiltra-se nos nossos lares como um vírus maligno. Nem damos por isso. Entranha-se no cérebro dos KGOY e atacam-nos pela rectaguarda. Os KGOY são autênticos cavalinhos de Tróia.

O conceito de KGOY é, só por si, revelador da imbecilização consumista que comanda a globalização. Os miúdos tornam-se consumidores activos mais cedo, isso não quer dizer que eles estejam mais maduros ou preparados para o mundo que os rodeia! Mas, se é o consumo que comanda a vida, então um puto de 3 anos capaz de levar a mãe a comprar-lhe um qualquer gadget tecnológico é encarado como um cidadão de pleno direito. Claro que é.

Que raio de sociedade esta em que a actual se está a transformar. Cada dia que passa, há mais consumidores e menos cidadãos. Mais Economia e menos Democracia. Mais KGOY e menos putos normais. Mais dinheirinho e menos amorzito, daquele saboroso amor de pacotilha com que podemos sempre fazer de conta que o mundo ainda tem hipóteses de salvação.

domingo, novembro 23, 2008

Imaculados


Ontem fui ao Teatro Aberto assistir à nova peça em exibição na Sala Azul, Imaculados da dramaturga alemã Dea Loher.

Deveria ter ido anteontem, à estreia, mas um colóquio na Galeria Municipal de Almada para reflexão conjunta sobre os objectos expostos na exposição "6 cadeiras e 1 mesa" obrigou-me a falhar, pela 1ª vez em mais de 20 anos de vida em comum, uma estreia da Ana Nave (este link abre sobre o currículo da actriz em cinema e TV, falta o brilhante currículo teatral como actriz e encenadora que pode ser encontrado aqui) sobre o palco.

A noite começou com um repasto germanófilo no restaurante Pano de Boca na companhia de Ana Nave e do nosso sobrinho, Eduardo. Um dos empregados do restaurante é o Virgílio, que foi meu aluno aqui há 3 ou 4 anos. A comida tem o seu quê de exótico para um gajo habituado à gastronomia cá do sítio. O ambiente é sossegado, sem exagerar em formalidades desnecessárias, e tem um organista largo de cintura e careca a tocar musiquinhas delicodoces. Enfim, fortes probabilidades de passar ali momentos agradáveis.

Com a barriga já bem aconchegada, foi hora de levantar os convites na bilheteira e verificar que os lugares eram na 1ª fila, junto ao palco. Sensação de tratamento 5 estrelas. Os espectadores foram chegando. Actores, actrizes, realizadores de cinema, músicos, escritores, uma plateia recheada de convidados, promessa de uma boa performance em cima do palco. Um público assim é, à partida, participativo e receptivo, capaz de estabelecer uma corrente positiva com os actores, o que viria a acontecer.

Imaculados é um espectáculo com um grupo de actores extenso (14 no total) e uma parafrenália técnica digna de nota. O texto divide-se em 19 cenas que acompanham diferentes personagens. Estas cruzam-se e descruzam-se, intersectam-se no espaço físico e psicológico, formando uma teia narrativa dinâmica com alguns momentos muito interessantes que permitem ao espectador mergulhar profundamente em algumas reflexões bastante complexas.

A variedade de cenas e a sequência de acontecimentos e mudanças de cenário sobre o palco acabam por fazer com que as 2 horas que dura a função, passem sem que se dê por isso. Os actores conseguem algumas interpretações dignas de nota (claro que, para mim, a performance de Ana Nave foi a melhor) e há um acordeonista permanentemente em cena, Rini Luyks, a pontear as mudanças, conferindo unidade ao espaço narrativo.

No final uma ovação sentida e merecida, tudo está bem quando acaba melhor.

Resumindo, um espectáculo a ver, numa época em que o Teatro passa por momentos que me parecem algo difíceis. Não haja dúvidas que os palcos nos oferecem momentos do melhor a que podemos aspirar, muito para lá do industrial-pipoqueiro do cinema e a anos-luz da modorra imbecilizante que é a TV com sofá agarrado ao cú. A ver (muitas estrelas...).

sábado, novembro 22, 2008

Recuperando posts antigos (3)

Blogue, blogue, blooooogue (publicado em 3 de Dezembro de 2005)

Li algures que no século XIX, quando a imprensa surgiu em força e em forma houve um boom terrível e todos os que puderam ou tiveram o impulso, publicaram o seu jornalzinho, a sua página, o seu panfleto, foi uma festa!
Assim me quer parecer, acontece nos dias que correm com esta coisada dos blogues. É uma verdadeira pequena maravilha qualquer marmanjo poder verter no esquecimento do espaço virtual o que muito bem lhe passa pela santa cachimónia.
Da parte que me toca fui resistindo até mais não poder. Aqui vou deixando este palavreado sem qualquer feed back nem intenção especial que não seja isto mesmo. Tem o seu quê de adolescente e talvez seja esse o encanto irresistível.
Já quando apareceram as rádio piratas me envolvi numa das mais obscuras que emitia em Almada, talvez apenas para o prédio em que tinhamos montado o emissor. Era a Rádio Besouro e eu passava a semana a preparar um programa de uma hora que ninguém ouvia a não ser o locutor, mas isso era o que menos importava.
Este blogue tem o condão de me fazer escrever, uma actividade que muito prezo mas que me provoca ondas de preguiça que, normalmente, transformo em absolutamente nada.
Lembro-me de ter lido na introdução à colectânea de contos Cyberpunk, Mirroshades (Reflexos do Futuro na inqualificável tradução em português da colecção Argonauta, publicada em 1988) um entusiasmado Bruce Sterling considerar o poder incontrolável da fotocópia como uma arma potente da contra cultura Pop, uma forma de afirmação das culturas urbanas alternativas. Ganda Bruce, como estavas longe de imaginar esta cenaça que agora temos em mãos.
Será possível que estejamos perto de encontrar o Significado da Vida?
Será esse o nosso destino, verter tolices para o mundo virtual? Encher o planeta com palavras luminosas, cobrir o mundo de informação inútil?
Bah, quem se importa com isto? O que importa o que quer que seja?

sexta-feira, novembro 21, 2008

Podia ser mais limpinho


Fui ver Righteous Kill, um filme que junta no mesmo écran Robert De Niro e Al Pacino, nos papéis de 2 polícias entradotes com muita manha e outras qualidades. A escolha do filme surgiu precisamente por isso. Pelos actores, não pela previsível manhosice das personagens por eles representadas.

Como seria de esperar, as contracenas entre os dois macacões maiores das artes cénicas holiúdescas, permitem a qualquer realizador deste mundo parecer que vive, por momentos, num outro. Mundo. Mas, no caso deste filme, nem me dou ao trabalho de fixar o nome do realizador. Não me parece que valha a pena. O filme será citado por ter reunido nos mesmos planos Pacino e De Niro e pouco mais do que isso. É um daqueles produtos de estúdio com argumento razoavelmente construído. Polícia bom, polícia mau, um assassino em série e ainda Carla Gugino a animar uma ou outra cena.

No final fica pouca coisa cá dentro. Dá para ver.

quinta-feira, novembro 20, 2008

Influenza


Passei os últimos dias sob forte influência maligna. Desde o vírus da constipação à ministra da educação, várias maleitas me atiraram para um estado semi-catatónico em que a cabeça deitada era a melhor das 100 que animam este blogue. Olhos ardentes, testa dura, nariz entupido e litradas de ranhoca esverdeada transformaram o meu quotidiano numa espécie de sonho suspenso, em que os acontecimentos não faziam, obrigatoriamente, sentido.
O computador parecia-me uma torre de Babel horrenda e pecaminosa. Ainda por cima, de cada vez que conseguia ânimo para o abrir verificava que a caixa de e-mail tinha demasiadas mensagens. Tentar responder-lhes não foi actividade com sucesso. As questões que actualmente me levam a trocar e-mails são, quase todas, relacionadas com a luta dos professores contra o mostrengo do ministério. Assim passei intermináveis minutos tentando responder a questões que mereceriam muito menos tempo e concentração em condições normais mas que, sob o signo do influenza, se tornaram autênticos quebra-cabeças de grau de dificuldade 5000 e quinhentos.
O Blogue? Nem pensar. O mundo virtual? Naquele estado a virtualidade é tudo, o real não pode existir quando os olhos têm dificuldade em se concentrar num écran eléctrico. Os medicamentos que o farmacêutico me aconselhou muito contribuíram para o afastamento total da minha alma em relação a este corpo que não pára de a insultar.
Enfim, lentamente fui regressando. Vindo de fora para dentro, cá estou de novo, teclando, redescobrindo o prazer de ter o nariz meio desentupido. A gripe foi um parêntesis, acho que estou de regresso. A ministra está diferente, parece mais mansa. O 100 Cabeças continua no mesmo sítio. Enfim, se esquecer o pormenor de a selecção portuguesa de futebol ter participado numa festa de inauguração de um estádio no Brasil, fazendo o papel de bombo, nada de anormal se terá passado. Sim, porque a mansidão da ministra, conheço-a bem, não é mais que a maldade a recuperar compustura.
I'm back!!!

domingo, novembro 16, 2008

1,2,3, já cá estamos outra vez!


Fotos mostrando um dos momentos em que os manifestantes passavam em frente da sede do Partido Socialista, no Largo do Rato. Em cima, acenando lenços de despedida ao PS, no mais completo silêncio (foi um momento de intensidade emocional muito elevada). Em baixo, duas colegas exibem os cartões de militantes socialistas. Muitos deles garantem que não voltam a votar no partido enquanto Sócrates se mantiver no poleiro.
Fotos retiradas daqui http://fliscorno.blogspot.com/ onde estão disponíveis 116 imagens relativas a esta manifestação


O título deste post foi uma das palavras de ordem que ontem dançou nas gargantas dos milhares de professores que voltaram a manifestar-se em Lisboa contra as políticas educativas do actual governo.

Esta manifestação realizou-se à margem dos sindicatos, apresentando-se como um protesto espontâneo de base. Como realçou um dos oradores, junto à escadaria da Assembleia da República, a manifestação de ontem foi mais do que um protesto da classe docente. Foi, acima de tudo, uma manifestação de cidadania, uma prova de que a Democracia faz, para muitos de nós, pleno sentido e a rua é o palco preferencial da demonstração da vontade popular. Muito mais do que os gabinetes bafientos onde os nossos legítimos representantes estabelecem as suas negociatas de acordo com agendas políticas pouco visíveis cá de baixo, da calçada onde temos levado a cabo os nossos protestos.

Ontem vivemos mais uma jornada de luta intensa e plena de significado. Os discursos tiveram substância e foram ouvidos por todos os presentes. Notei a ausência dos habituais slogans que os dirigentes sindicais e demais políticos de carreira costumam usar qando se dirigem à turba. Foram discursos genuínos, de gente igualzinha à que estava cá em baixo e apaludia sentidamente as palavras que eram ditas.

Resumindo, para quem tinha dúvidas sobre a validade da manifestação de ontem (e eu tive muitas dúvidas, para ser sincero) estar ali acabou com elas. Os professores mostraram ontem ao que vêm com os protestos que têm promovido. Vêm ao reencontro do sistema democrático em que todos acreditaram e, nos últimos tempos, têm visto ser apedrejado a torto e a direito por um governo que se devia envergonhar de continuar a ostentar indevidamente a designação de "socialista".

sábado, novembro 15, 2008

Vai rebentar?


Várias vezes aqui manifestei a minha incompreensão. As explicações que explicavam o crescimento económico não me entravam na cabeça! As economias cresciam. Cresciam sempre. Mais nuns certos países que em outros, mais à noite que de dia ou até mesmo o seu inverso e era sempre verdade, tudo justificado com a leitura impossível de gráficos, tabelas e outras maravilhas da adivinhação contemporânea. A economia crescia, crescia, parecia não haver um limite para tanto crescimento. Até porque os economistas eram gajos que pareciam capazes de a fazer crescer ainda mais e de forma mais acelerada, até ao infinito, como o Universo, que é outra coisa que não cabe nos limites da minha compreensão.

Até que, de súbito, graças a esta crise milagrosa, a economia parou, primeiro, e depois entrou em recessão ou contracção ou lá como se diz em economês. Vejo na TV os homens das gravatinhas e dos gráficos ao fundo do cenário virtual a fazerem caretas de quase pânico, assisto a debates e leio notícias nos jornais que dão conta de uma terrível apreensão perante este cenário de esvaziamento da economia. O Armagedão aproxima-se? Talvez não seja tanto assim. Na verdade, do alto da minha incapacidade para compreender o fenómeno, até me parece motivo de alívio que a economia esteja em período de contracção e esvaziamento. Se continuasse a crescer decerto haveria de alcançar um ponto máximo e... rebentasse de vez!

Talvez o Planeta agradeça, quem sabe?

quinta-feira, novembro 13, 2008

Leitura na diagonal


Uma leitura feita na diagonal da edição de hoje do jornal Público leva-me a realçar alguns pormenores que me captaram a atenção e fizeram pensar um pouco.

Obras de Malhoa e Souza-Pinto falham venda em Londres
13.11.2008, Vera Monteiro

Dois quadros dos pintores portugueses José Malhoa e Souza-Pinto, integrados num leque de pinturas de arte espanhola, não atingiram ontem o preço-base de licitação no leilão da Sotheby's em Londres.A pintura de José Malhoa (1855-1933) em leilão, O Barbeiro da Aldeia, tinha como base de licitação 200 mil libras (240 mil euros) e a licitação mais alta foi 190 mil libras (228 mil euros). Já a obra A Pequena Guardadora de Vacas, de José Souza-Pinto (1856-1939), recebeu uma licitação de 75 mil libras (90 mil euros), mas precisaria de um mínimo de 80 mil libras (96 mil euros).

Será que só nós sabemos que Portugal não é, actualmente, uma província espanhola? Dizem-nos sempre que a pintura de Malhoa tem um carácter fortemente distintivo de um certo olhar genuínamente português. Talvez os leiloeiros da Sotheby's não estejam virados para certas especificidades de obras de arte provenientes de mercados periféricos. Terá sido por isso que os quadros referidos ficaram nas mãos de quem já os possuia?

Pedro Lapa, director do Museu Nacional de Arte Contemporânea, reforça uma tendência para a homogeneização, na qual a "valorização nacional tenderá a diluir-se". Aponta também a crise económica como uma possível explicação, ou até a evolução das colecções, que na última década se tem vindo a transformar, sobrepondo-se o gosto pelo contemporâneo ao gosto "mais tradicional, de tendência naturalista".

Eu diria mesmo que essa homogeneização é do tipo global. Artistas contemporâneos portugueses não têm tido muito mais sorte que estes mestres novecentistas nas grandes vendas de arte (que estão a tornar-se menos grandes a cada leilão que passa). A arte já não vale o que, ainda há bem pouco tempo atrás, chegou a valer. O Damien Hirst fez o seu leilãozinho na hora H. Olhem se o inglês tivesse marcado a venda das suas obras para o corrente mês de Novembro. Que flop!

Legumes tortos de regresso aos mercados
13.11.2008, Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas

A partir de Julho, melões menos ovais e cenouras nodosas vão voltar a ser vendidas. Os agricultores europeus estão contra e dizem que os preços não vão baixar para os consumidores

Os frutos e legumes de formas e dimensões menos elegantes, como os pepinos curvos, as cenouras nodosas ou beringelas tortas, vão poder voltar a ser comercializados na União Europeia (UE) a partir de Julho, graças ao fim da calibragem obrigatória que foi ontem decretado pela Comissão Europeia.A decisão foi tomada depois de uma discussão acesa entre os representantes dos Governos da UE. A maioria votou contra a proposta de Bruxelas (16 países contra, nove a favor e duas abstenções, incluindo Portugal). O número dos opositores não chegou, no entanto, a atingir o limiar da maioria qualificada dos Vinte e Sete que seria necessária para rejeitar a proposta.

Fico simultaneamente satisfeito e apreensivo perante esta notícia.

Satisfeito porque verifico uma espécie de "efeito Obama" uma vez que deixa de haver discriminação contra certo tipo de frutas e legumes só porque apresentam nódulos ou curvas antinatura. Em boa verdade será o fim da segregação vegetal que tem imperado nos nossos mercados, Europa adiante.

É de salientar ainda o calor da refrega argumentativa sobre as qualidades da cenoura marreca e o efeito pernicioso que diferentes configurações das maçãs num expositor podem ter no cérebro do europeu médio, habituado a imaginar que tudo tem uma forma exacta, um peso determinado e um brilho controlado genéticamente.

Fico apreensivo por reparar que a maioria votou contra a proposta. Isso mostra como a Europa continua a imaginar que o mundo pode ser, todo ele, normalizado, democratizado, repintado e restaurado de acordo com as conveniências e o gosto estético do eixo Paris-Berlim.

Uma referência ainda para a posição do nosso país. Portugal, como é costume, absteve-se. Nem no que diz respeito ao peso dos tomates ou à necessidade de comercializar pepinos rectilíneos os nossos representantes são capazes de tomar uma posição concreta, mantendo assim a sua habitual personalidade de banana equatoriana. Deve ser por isso que o Manel Durão Barroso foi escolhido para presidir à Comissão Europeia e, há quem diga, mantém fortes probabilidades de se recandidatar com sucesso. Convenhamos que, em termos de normalização, Durão tem um pensamento absolutamente igual ao que dele se espera.
Finalmente (e correndo o risco de já estar a ser chato) realço uma noticiazinha pequenina que surge na página 18:

Edição falsa do New York Times noticia o fim da guerra no Iraque
13.11.2008, Sofia Cerqueira

O regresso das tropas a casa, o livre acesso à universidade e a criação de um sistema de saúde universal foram algumas das notícias da cópia quase perfeita do jornal norte-americano The New York Times, distribuída na manhã de ontem, em vários pontos de Nova Iorque e Washington.Com uma imagem extremamente credível, que enganou muitos transeuntes, a edição de 14 páginas foi uma partida organizada pelo grupo de esquerda Yes Men, que diz ter ajudado apenas na distribuição. Segundo um elemento do grupo contactado pelo The Guardian que se identificou como Wilfred Sassoon, a edição de 1,2 milhões de exemplares foi financiada por pequenos doadores e inteiramente feita por voluntários, entre eles jornalistas do verdadeiro NY Times.A edição falsa, cheia de boas notícias, tinha a data do dia 4 de Julho de 2009 e foi acompanhada por uma cópia do site do NY Times, fiel ao original, onde se podia ler a distorção do lema do jornal: "All the news we hope to print".

Pelos vistos as boas notícias, mesmo que sejam a fingir, não caem bem entre os verdadeiros jornalistas, encarregues de nos darem uma certa visão do mundo circundante, já que o verdadeiro NY Times está a tentar descobrir os autores da brincadeira para os entalar fortemente na justiça. Com a realidade não se brinca!

Por falar nisso, já chega de brincadeira. Está na hora de ir trabalhar.

quarta-feira, novembro 12, 2008

Perdidos e achados


É normal perder a carteira ou o telemóvel. Perder o guarda-chuva por esquecimento é uma constante no Inverno. Perde-se a cabeça, perde-se a razão, tudo se perde, desde objectos a ideias ou sonhos. É normal. O que já não parece tão normal é perder uma bomba atómica. Mas foi isso que aconteceu há 40 anos atrás, na Gronelândia. Os EUA perderam uma bomba atómica e, apesar de a terem procurado afanosamente, nunca conseguiram recuperá-la.
Como poderíamos imaginar semelhante acontecimento?
Numa época em que tanto se discute quem pode e quem não pode ter acesso à mais assassina das bombas até hoje utilizada, esta revelação vem acrescentar um dado novo à reflexão.
Está visto que ter muitas bombas pode significar um desleixo tal que podem chegar a perder-se. Se, por hipótese, o Irão chegar a fabricar a sua bombinha estou em crer que irá guardá-la com todo o cuidado e mantê-la com o maior dos carinhos.
Será, portanto, desejável que, para poder fabricar uma bomba atómica, os que a isso se propõem dêm provas de virem a guardá-la a sete-chaves sem nunca a perderem de vista. Mais, quem tiver bombas dessas deverá ser obrigado a mantê-las sempre bem agarradas ao solo uma vez que, está provado, colocá-las no ar pode significar a sua perda. E uma bomba atómica não é coisa que se perca!
Nós, os que perdemos as nossas coisinhas banais e nos deitamos à noite a matutar onde raio ficou a chave do cacifo, estávamos longe de imaginar que se pudessem perder coisas como uma bomba atómica. Mas afinal é possível.
Que isto não nos tire o sono.

Um Monstro


Avaliação

Cheguei a casa vindo da extraordinária manifestação de professores que hoje voltou a encher as ruas de Lisboa. Passaram apenas oito meses sobre a manifestação anterior e a força do protesto cresceu. Cresceu na forma e na razão, uma vez que, nestes oito meses, a ineficácia do modelo de avaliação que o ministério da educação teima em remendar a cada dia que passa, se torna cada vez mais evidente aos olhos de toda a gente.
Liguei a televisão e assisti à entrevista que Maria de Lurdes Rodrigues deu no telejornal do primeiro canal. Fiquei, mais uma vez, impressionado com a prestação da senhora. O discurso de Maria de Lurdes é sempre o mesmo. Afirma e reafirma, de forma automática e cara séria, a bondade das suas propostas. Insiste que os protestos são fruto de manipulação política e que os professores não têm razão. Afirma e reafirma a necessidade de avaliar, de reformar, de transformar o sistema educativo e, nesse aspecto, estamos todos de acordo. É necessário mudar, evoluir, transformar, porque o mundo não pára e é necessário acompanhá-lo. A Escola é um reflexo do mundo que a rodeia e, como tal, precisa de reformas como de pão para a boca. Mas essas reformas têm de ser razoáveis, inteligentes, ágeis, promovidas por pessoas capazes. Não se pede a um sapateiro que desenhe o currículo de um curso de Filosofia. Por muito eficaz que o sapateiro seja na sua profissão, que consiste em remendar botas e sapatos, um curso de Filosofia por ele concebido dificilmente terá qualidade suficiente, mesmo que o sapateiro coloque nele toda a sua paixão, capacidade intelectual e conhecimento geral do mundo circundante. O que Maria de Lurdes não consegue ver é que a qualidade do trabalho do ministério a que preside está ao nível desse hipotético curso de Filosofia engendrado com a sapiência de um sapateiro.
Desde a primeira hora que o trabalho desta equipa ministerial é mau. As demonstrações de inépcia, desconhecimento geral e falta de tacto e de sensibilidade são constantes e consecutivas. Basta fazer uma pequena retrospectiva e recordar alguns episódios exemplares para constatarmos a falta de competência dos secretários de estado e de toda a babilónica estrutura do ministério da educação. O modelo de avaliação que agora se discute não é mais que a cereja no topo de um bolo podre e malcheiroso.
Este é o problema que falta equacionar. Nas discussões em torno dos problemas que fazem do nosso sistema educativo um caos, raramente se coloca a hipótese de haver inépcia pura e simples por parte do ministério. Maria de Lurdes Rodrigues reafirma constantemente a necessidade das reformas que pretende impor mas nunca pensa que essas reformas podem, pura e simplesmente, estar erradamente equacionadas e ainda pior implementadas. E é isso que se passa, na dura realidade a que ela não consegue aceder.
Seria de primordial importância avaliar o trabalho de Maria de Lurdes Rodrigues e da sua equipa do mesmo modo que se pretende avaliar o trabalho dos milhares de professores que esta tarde se manifestaram em Lisboa. Se os secretários de estado da educação tivessem de declarar à partida para o ano lectivo objectivos relacionados com o sucesso dos que se vêem obrigados a trabalhar sob a sua orientação reprovavam sem apelo nem agravo. Se tivessem de apresentar grelhas de avaliação que reflectissem as suas práticas quotidianas ou fossem obrigados a submeter as suas sessões de trabalho preparatório das políticas educativas à apreciação de peritos imparciais não tinham a mínima hipótese e seriam postos no lugar que lhes compete: o olho da rua. É isso que faz falta para podermos aspirar a melhorias no nosso sistema de ensino, falta avaliar com qualidade e rigor o trabalho do ministério porque, com um tão mau serviço prestado pela tutela, não há a mínima hipótese de conseguirmos resultados positivos.
Rui Silvares
Carta enviada ao Director do jornal Público editada ontem, dia 11

terça-feira, novembro 11, 2008

Paraíso a prazo


A notícia é estranha. "O primeiro Presidente eleito democraticamente nas Maldivas, Mohamed Nasheed, inaugurou o seu mandato com uma medida inovadora. O país vai criar um fundo de poupança para comprar novas terras onde a população possa viver, caso o nível das águas acabe por engolir o paradisíaco arquipélago, anunciou ontem Nasheed ao diário "The Guardian". (ler tudo aqui)"

Quantas vezes terão acontecido situações deste género desde que o Homem é Homem? A mítica Atlântida é o caso "mais conhecido" mas o seu desaparecimento terá ocorrido numa época em que a globalização mediática ainda não existia.

Se o nível das águas subir tanto quanto as previsões mais catastróficas indicam, os nossos descendentes irão assistir a acontecimentos de um dramatismo difícil de imaginar. Países inteiros serão ameaçados e, eventualmente, desaparecerão sob as águas do mar. O desenho dos continentes terá um aspecto diferente e não haverá dinheiro que possa comprar territórios suficientes para todos os que tiverem de se afastar em direcção ao interior. O interior desertifica-se, as pessoas deslocam-se em direcção às grandes metrópoles como borboletas atraídas por uma luz artificial. As maiores cidades do planeta existem perto do mar por razões óbvias.
Por agora temos o exemplo das Maldivas, um paraíso com curto prazo de validade, em busca de uma terra firme que possa acolher a sua população no futuro. São apenas 300 000 pessoas, uma ninharia. Como será quando houver milhões de pessoas a necessitarem de terras mais altas para não acordarem com os pés molhados?
Não haja dúvidas que a eternidade tem o tempo contado e que a Civilização, tal como a conhecemos actualmente, não é mais que um intervalo de tempo.

domingo, novembro 09, 2008

Recuperando posts antigos (2)

É no próximo dia 28 deste mês que as 100 Cabeças deste blogue fazem 3 anos de actividade blogosférica. Já em Setembro rebusquei o baú e (re)postei um post antigo, o segundo da vida do 100 Cabeças aqui. Recordar é um exercício interessante. Recordar textos, desenhos ou pinturas esquecidos, recordar ideias apontadas ou pensamentos meio roídos pelo Tempo é um exercício... curioso.

Hoje estou um pouco nostálgico e resolvi (re)postar o primeirinho de todos os posts deste blogue que foi assim:





Questão de Contexto



"A Fonte" foi eleita como a mais significativa obra de arte do século passado.O princípio consiste em retirar um objecto do contexto com o qual nos habituámos a relacioná-lo, dar-lhe um nome diferente e... aí está! Uma obra de arte completamente inesperada.



Mas... será esta atitude assim tão extraordinária?Quando passeamos a carcaça por entre as paredes de um qualquer museu, Europa adentro, admirando as obras expostas, estaremos tão longe do urinol de Duchamp quanto imaginamos?



O que diria um fabricante de sarcófagos egípcio ao ver a sua obra exposta sem pudor aos olhos de toda a gente?



E Bosch, ao ver a sua obra numa sala do Museu Nacional de Arte Antiga, junto a outras, igualmente retiradas do contexto para o qual foram criadas e ali espetadas para espanto do pessoal e demais papalvos?



Os museus são, na verdade, imensos depósitos dos mais variados readymade cuja principal qualidade é terem o condão de sossegar os visitantes quanto à grandeza do passeio que efectuam.



Tal como a montra do talho expõe o corpo retalhado da vaca, também o Museu expõe pedaços das criações de artistas e quejandos, roubados aos locais de origem, esvaziados de magia e significado, banalizando o acto criativo ao nível da bola de Berlim com um copo de água morna.



Talvez fosse melhor mijar no urinol de Duchamp.