terça-feira, março 21, 2006

O Belo

A Virgem do Chanceler Rolin, óleo sobre madeira, 62x66cm pintado em 1435 por Jan van Eyck, mestre entre todos os mestres da pintura

Foi há uns anos atrás, não sei bem quando, talvez por esta altura do ano ou mais junto do Verão, a memória atraiçoa-me. Viajei até Paris. O Louvre foi um dos poisos obrigatórios da minha visita, claro.
Sempre sentira uma atracção especial pelas fotos de pinturas de Van Eyck. Desde o (suposto) auto-retrato com turbante vermelho, até ao espanto maravilhoso do casal Arnolfini, os meus olhos nunca se haviam cansado de tentar perceber. Daí que, enquanto secava na fila para entrar no grotesco museu parisiense, a minha mente tentava centrar-se num objectivo principal: procurar Van Eyck.
Assim fiz. Uma vez dentro do espaço do museu peguei numa planta, procurei a localização da "Virgem do Chanceler Rolin" e lá fui em passo apressado. Ignorando tudo à minha volta subi uma escada perdida até ao piso desejado.
Quando entrei na salinha onde repousa a obra de Van Eyck havia dois japoneses (ou seriam coreanos?) bastante baixos com o nariz quase colado ao vidro que protege o óleo nas tábuas. Ajeitei o olhar o melhor que pude entre o cabelo de um e o chapéuzito do outro e senti uma comoção profunda. Senti as lágrimas a dançarem-me nos olhos, carago!!!

É diferente. Não é como ver um filho pela primeira vez. Nem de longe, muito menos de perto. É outra coisa. É uma comoção tão forte que não vem de dentro de nós, vem de mais fundo, um corpo não pode conter uma sensação assim. Uma coisa daquelas leva um homem a suspeitar que possui uma alma.

Os japoneses lá descolaram mais as respectivas recém-descobertas alminhas de japonês. Eu fiquei ali, não me lembro como nem por quanto tempo (pode ter sido muito pouco ou muito muito, não sei nem isso tem o mínimo interesse). Senti-me mais humano. Quando consegui descolar também, sentia-me outra pessoa. Não aquela pessoa que sou hoje, agora. Sentia-me outra pessoa, diferente da que fora até ali mas cujas características, passados vários anos, foram transmutadas naquelas que possuo hoje, que possuo agorinha mesmo.

O mundo dá as voltas que dá e nós com ele. Depois de Paris visitei Londres e a National Gallery, fui apresentar os meus melhores cumprimentos ao "Casal Arnolfini" e admirar as voltas do turbante carmim, mas aquela sensação do Louvre já não era possível. Aquilo, sei-o hoje, só pode sentir-se uma vez.
"Aquilo" fora a Revelação de um certo género de Belo.
Fica a saudade. Dos japonesinhos e das lagrimitas bailarinas a chegarem-se-me ao abismo dos olhos.

1 comentário:

Silvares disse...

1,2,3, experiência...