sábado, julho 12, 2025

Coachar

     Aquelas pessoas cheias a deitar por fora de certezas relacionadas com questões comportamentais enojam-me um bocadinho. Não digo que sejam como cagalhões no meio da sala mas são como respingo de diarreia na lapela de um doutor. Não sei onde vão buscar aqueles números exactos nem como mantêm uma cara de pau à prova de tudo e mais alguma coisa enquanto vão debitando afirmações entre o fofinho e o "ai-ai-ainda-levas-tau-tau", normalmente sem contraditório. São como pequenos deuses ambiciosos, pequenos deuses que em breve irão fundar novos infernos.

    Normalmente ouço esses seres vivos a falar brasileiro (ou português, ou português do Brasil, para mim é tudo exactamente a mesma coisa) com vozes bem colocadas, com dicção perfeita, como se o discurso tivesse sido preparado ao milímetro, construído ao segundo, como se tudo, discurso e discursante, seja fruto de um plano minuciosamente elaborado. Se for um tuga a perorar, a coisa não soa tão bem, soa a falso. Quando é um brasileiro a encher-nos a cabeça de merda está tudo certo: adoramos!

    São os mental coaches, aqueles que irão tapar com amor e compreensão todas as fendas que a tua alma for abrindo. 

sexta-feira, julho 11, 2025

À beira da estupidez

     Chove inesperadamente. O calor mantém-se, tal como os calções, as camisas de mangas cavadas, sandálias e chinelos, a parafernália habitual dos dias em que a canícula nos morde e abocanha do nascer ao pôr-do-sol e mesmo durante a noite. Só que, esta manhã, surgiu uma chuva fresca e miudinha, batida a vento que nos atinge como se Deus fosse um acupunctor nervoso e indeciso, tentando picar-nos o corpo na totalidade, por via das dúvidas. 

    Não sei se por causa da chuva, sinto-me enfastiado. Pensando um bocadinho, por que razão a chuva haveria de me enfastiar? É um pensamento um bocado estúpido. Fico a matutar na coisa.

    Será que tenho pensamentos estúpidos a toda a hora ou, pelo menos, tenho-os com frequência e não me apercebo de tanta estupidez apenas porque não reparo? Se parar para pensar a cada passo descobrirei uma quantidade de pensamentos estúpidos e imbecis muito para lá do que imaginaria aceitável? Ai Jesus!

    O melhor será parar de pensar. Pausa.

quinta-feira, julho 10, 2025

O dia de hoje

     Antecipar um dia em que podemos fazer tudo aquilo que podemos imaginar e podemos ponderar dadas as circunstâncias não é a tarefa mais simples nem é evidente. O meu cérebro desorganiza-se com facilidade; aliás, para se desorganizar seria necessário que o meu cérebro estivesse, de alguma forma, organizado, o que raramente acontece. A pontuação da frase anterior deixou-me a pensar e encheu-me de dúvidas mas parece-me ter chegado a uma conclusão aceitável.

    Já me desviava do que pretendia dizer. Lá está! É a tal tendência para uma desorganização constante e persistente. De que falava eu? Ah, sim, já me lembro (li a primeira frase deste post). Poder fazer aquilo que seja capaz de imaginar...

    Desenhar? Recortar coisinhas e fazer colagens? Ler? Ouvir música durante as tarefas mais criativas? Ir dar uma volta, apanhar ar no trombil? Dormir uma sesta? Ir ao velório? As possibilidades são variadas e eventualmente combinatórias. Posso estabelecer um plano, elaborar uma lista, ordenar, organizar, prever, antever, posso fazer tanta coisa, caraças! Por isso mesmo opto por não fazer nada. Ou melhor, por isso mesmo deixo que seja o dia a decidir por mim. Decerto tomará melhores opções.

    Não me sinto capaz de fazer as coisas "bem feitas". 

quarta-feira, julho 09, 2025

Prévio conceito

     Falava sozinha rua acima, como se mastigasse palavras, como se ruminasse ideias esquecidas. O aspecto de "maluca como o caraças" ninguém lho tirava. Lá vinha ela. Não me pareceu desleixada, quando nos cruzámos não persistiu na atmosfera nenhum fedor particular, era aquela cena, aquela ladainha a martelar, juntamente com os passos sublinhados a salto alto na calçada. Na verdade nada me garantia que se tratasse de uma maluca. Nada, além do meu preconceito.

    O preconceito é uma espinha que não conseguimos desencravar da garganta, é uma pedra no sapato que não descalçamos nem por nada, é um fantasma hediondo a assombrar-nos a mioleira e que não conseguimos espantar nem à força de mil "cabrão" nem dez mil "filho-da-puta". O preconceito é mesmo fodido.

    A última esperança reside na nossa capacidade de percebermos o preconceito que nos infecta. Não nos livramos dele mas saber que nos desorienta, estarmos conscientes de que o trazemos dentro de nós, é coisa que transporta consigo algum alívio. 

terça-feira, julho 08, 2025

Tarefas

     Não poder falar verdade é uma tortura para o espírito. Tentar encontrar formas sinuosas de afirmar coisas simples é trabalho que dispenso, obrigadinho. Se a tarefa não for exclusivamente imaginativa então que seja o mais objectiva possível.

    Assistir ao último suspiro de uma pessoa não é tarefa fácil. É como se um pedaço de nós fosse também embora. E depois há o odor, o estranho odor que a morte desprende ao passar (quanto tempo ficará ela ali, junto ao cadáver?). A flacidez dos tecidos cutâneos aliada ao frio que sentimos nas mãos enquanto tentamos reanimar o corpo ali estendido.

    Agora não tenho vontade de fazer nada. 

segunda-feira, julho 07, 2025

A promessa

     E pronto, bastou falar nisso para que não acontecesse logo no dia seguinte. terei um espírito de contradição tão forte, tão enraizado, que me contradigo a mim próprio? Mais estranho ainda, esse espírito de contradição leva-me a estabelecer compromissos comigo próprio com o intuito inconfessado de apenas os quebrar? Fecho contratos comigo próprio com o único objectivo de os não cumprir? 

    Seja como for, falhei apenas um dia. Ontem não escrevi um post no 100 Cabeças quebrando a meia promessa que fiz anteontem. Não é grave. É apenas motivo de reflexão. Talvez não haja conclusões a tirar. Talvez a coisa se resolva escrevendo um post todos os dias até ao final do mês (risinho desdenhoso).

sábado, julho 05, 2025

Morremo-nos

     Eu sei que não vou ser capaz de escrever um post todos os dias deste mês mas, não sei se reparaste, estou a tentar. Porquê? Por nada, lembrei-me agora dessa possibilidade. Ter assunto não é complicado uma vez que sou muito bem capaz de escrever umas linhas valentes sem dizer absolutamente nada. Pelo menos, sem dizer alguma coisa que tenha algum interesse.

    Hoje soube da morte de mais um homem que foi um grande amigo meu. Nos últimos anos tinha-me cruzado com ele apenas um par de vezes. Abraços, festinhas e, até, troca de beijos. Amigo é amigo, mesmo que não saibamos nada dele, mesmo que estejamos anos sem nos vermos. Ser amigo de alguém é um bocado como ser um cão. 

    Morreu mais esse amigo e eu percebi que "vamos morrendo". Eu ainda estou vivo, muitos de "nós" ainda vivem, mas o número dos que já morreram não pára de aumentar (coisa mais óbvia...) fazendo com que a "nossa" presença neste mundo vá perdendo nitidez de contorno, se desvaneça.

    Sinto uma súbita vontade de sublinhar a minha existência. Mas, isso faz falta a alguém, a minha existência marcada a traço grosso nas paredes deste mundo? Parece-me ser apenas um reflexo da angústia que me provoca a percepção de que o tempo que me resta é muito menos do que o tempo que já vivi.

    Será isto, a percepção da caducidade, o que faz com que os ditadores fiquem bandidos cada vez mais ásperos à medida que envelhecem e percebem que a Eternidade ainda não será por eles alcançada? Será esta necessidade ditada por uma certa inveja em relação às vidas mais jovens? Fico inquieto. Tinha-me por melhor pessoa.