quinta-feira, outubro 17, 2024

Palavras em palco

     A palavra ou vem controlada, com intenção, ou transporta consigo uma certa dose de confusão e  arrisca-se a arrastar a cena penosamente. Os actores parecem improvisar o gesto com mais à vontade do que improvisam com palavras. 

    Tudo isto poderá confirmar a ideia de que precisamos de saber o que fazer no palco antes de nos atirarmos a fazê-lo. Mesmo os resultados positivos de uma improvisação são mais tarde recuperados em sessões de ensaio de modo a procurar um sentido mais estruturado para o seu significado. Não consigo imaginar os espectáculos idealizados por Merce Cunningham.

    Lá no fundo, a ideia é não sermos demasiado obcecados com regras na abordagem ao objecto artístico. Nem tão radicais como Cunningham nem tão rígidos como um ídolo cicládico.

domingo, outubro 13, 2024

Diálogo ao pé da escada

     - Mas isso é mentira!

     - Isto é mentira? Isto é mentira... mas em que mundo vives tu? Nos dias que correm a mentira é uma questão de opinião.

     - Então, e a verdade?

     - A verdade é um conceito plástico; molda-se de acordo com os teus objectivos. Porra, não aprendes nada comigo!?

     - Estou a tentar, mas não é fácil. Contigo nada é definido, nada é concreto, está sempre tudo a mudar. Uma coisa é isto e, um minuto mais tarde, essa coisa já se transformou em outra coisa. É confuso.

    - É confuso porque eu sou bom naquilo que faço.

    - Eu sei, mas é difícil acompanhar as tuas constantes mudanças de opinião.

    - Eu não mudo de opinião, limito-me a variar o ponto de vista, encaro as situações de diferentes perspectivas logo, a mesma questão admite uma certa variedade de respostas. Não aprendes mesmo nada comigo.

sábado, outubro 12, 2024

Dito repensado

     Comeram-me a carne mas não hão-de roer-me os ossos. Os meus ossos, quem os rói sou eu!

segunda-feira, outubro 07, 2024

Ai, ai...

     Estou confuso; não distingo verdade de mentira. Não distingo o primeiro do segundo nem uma coisa da outra. Estou confuso. Não consigo separar o erro da coisa certa e a verdade nem sempre parece ser a coisa certa. Estou confuso; a mentira, muitas vezes, corrige erros profundos, terríveis erros. Sinto-me confuso, ai, ai, sinto-me confuso.

domingo, outubro 06, 2024

Os nervos

    - Dói-me o sistema nervoso, ando a tomar uns comprimidos. Mas os comprimidos desarranjam-me a bexiga. E mijo como uma doida.

    - E depois?

    - E depois? Depois estou numa reunião, estou num ensaio, estou na cama e... tungas! Dá-e uma ânsia mijadeira que não me aguento.

    - Mas ficas bem?

    - Mal não fico, mas o bem que os comprimidos me fazem, mijo-o todo e voltam-me os nervos a ficar doridos.

    - Vives num autêntico circo vicioso.

    - É um circo com leões, com cães e com macacos!

sábado, setembro 28, 2024

A Arte Abstracta é coisa que se veja?

     A designada Arte Abstracta transporta consigo uma tremenda confusão. A Arte Abstracta é uma Cavalo de Tróia da Confusão. A Confusão entra em nós alojada no estômago da Arte Abstracta. 

    Tem tudo a ver com aquela coisa de se representar ou não aquilo que os os nossos olhos vêem ou que imaginamos ver ou lá o que é. Magritte terá tentado apunhalar o o dito cavalo pintando A Traição das Imagens mas o cavalo, além de ser de pau, é demasiado grande para que possamos importuná-lo com um punhal insignificante.

    E é assim que a Arte Abstracta sobrevive a todas as tentativas de esclarecimento sobre a sua origem, a sua substância e (pormenor menos interessante) para onde se dirige. A expressão é caricatural e, talvez por isso, assumiu um papel importante no imaginário popular. Quando se fala de Arte Abstracta toda a gente sabe o que ela é, apesar de não ser bem coisa nenhuma.

quinta-feira, setembro 26, 2024

Pinta, linha e plano

     Hoje apercebi-me daquilo que me parece ser um erro de alguma gravidade. Quando falamos em "elementos básicos da linguagem visual" referimos sempre o ponto, a linha e o plano. É uma sequência lógica que parte do mais ínfimo elemento dessa linguagem para o mais vasto. Partimos do princípio que estamos a referir conceitos tradutíveis por sinais gráficos, mas a coisa não é assim tão pacífica.

    Um ponto é, por definição, um lugar geométrico que resulta da combinação de um determinado conjunto de coordenadas. É uma abstracção, Como podemos pretender que uma pintinha no meio de uma folha em branco represente um ponto? Magritte mostrou-nos, com A Traição das Imagens, que uma pintura de um cachimbo não é um cachimbo. Logo, uma pinta não é um ponto. É uma pinta que, nas nossas monas, significa e representa um ponto.

    Assim, proponho que passemos a designar os elementos básicos da linguagem visual como "pinta, linha e plano", sabendo que a questão da linha ("é um ponto que foi dar um passeio", segundo Paul Klee) e a do plano (será uma recta a rebolar sobre si própria?) também merecem alguma atenção e muita, muita reflexão.