terça-feira, setembro 29, 2020

Vanitas

 A t-shirt nem era particularmente bonita mas tinha a marca estampada no peito. A marca sim, representava algo glamoroso, era coisa de prestígio. O preço pareceu-lhe inflaccionado mas trazer aquele símbolo no peito, escrito e desenhado em letras garrafais, valia bem o dinheiro a desembolsar.

E lá veio ele para as ruas cobertas do centro comercial, impante no seu passo estudado, mostrando a todos o valor da sua pessoa. 

É um achado, um truque de marketing absolutamente genial: o cliente paga caro o direito a fazer publicidade gratuita à marca que ostenta nas proximidades do coração, qual pequeno outdoor ambulante. A vaidade tem parte de leão nas circunvoluções do sistema capitalista e nós somos como patinhos.

domingo, setembro 13, 2020

Mascarada

 Os dias que faltam para regressar à escola vão caindo no calendário. Não sinto nada de muito especial, nem receio, nem anseio, nem uma expectativa particularmente forte que me ponha o coração a bombar de modo especial. Mas tenho alguma curiosidade em relação às aulas com máscara.

Pelo que pude verificar nas reuniões preparatórias, em aproximadamente 100 alunos que irei ter este ano lectivo, conheço apenas um pouco menos de 10. Todos os outros serão meus alunos pela primeira vez e estarão com a cara tapada por uma máscara desde o primeiro dia. Imagino se os reconhecerei sem máscara.

Este é o factor mais estranho e potencialmente transformador da minha experiência como professor. Enquanto escrevia este post recordei a polémica que estalou aqui há uns anos em França, relacionada com o uso de burca nas escolas. Não é a mesma coisa mas anda lá perto, só que ao contrário.Exige-se agora uma coisa que, à partida, era anteriormente recusada e proibida. 

O bicho humano é um animal que se adapta.

domingo, setembro 06, 2020

Um anseio

Comunicar com exactidão aquilo que nos corre na cabeça é um objectivo impossível de alcançar. A nossa visão, a nossa sensação, a nossa pele, tudo se constitui em ruído que confunde a mensagem, tudo dificulta a percepção, tal como a visão, a percepção e a pele do receptor. A comunicação é uma coisa "suja", podemos apenas aspirar à transmissão de algo vagamente semelhante ao que pensamos.

O mal-entendido  é a base da comunicação humana. Para que haja alguma qualidade na transmissão de informação é necessário que exista vontade de perceber, uma espécie de amor pela comunicação, interesse genuíno, interesse humano. Isso não está ao alcance de qualquer um, exige inteligência emocional. Precisamos de apostar nisso, na aprendizagem das emoções tanto como apostamos na aprendizagem das ciências "exactas", tento quanto apostamos na aprendizagem das línguas; a emoção humana é uma linguagem complexa.

Precisamos de apostar na redução da intensidade do mal-entendido que está inerente a qualquer tipo de comunicação estabelecida entre seres humanos. O primeiro passo é fazer com que os responsáveis pelo estabelecimento dos planos de ensino/aprendizagem acreditem nisto e encontrem espaço no meio de toda a tralha curricular para a inteligência emocional. Não vai ser fácil.