Não sei se a ti também te acontece, caríssimo leitor, não sei se te irritam profundamente os noticiários incendiários, literalmente incendiários, nos quais se fala do medo, da tragédia, do terror causados pelos fogos de Verão. De súbito um Portugal anónimo, perdido dentro de si próprio, surge em nossas casas na moldura da TV.
São aldeias esquecidas, habitadas por pessoas curtidas pelo sol e pelo frio; mulheres rijas e homens de boné com as faces semelhantes a cascas de árvore; aldeias invadidas pelo fumo, pelos bombeiros e por aqueles que me irritam à quinta casa: os repórteres de TV incumbidos de nos falar em directo. Não consigo aturá-los nem um bocadinho. Se tenho o comando na mão salto imediatamente para outro lado, se alguém insiste em assistir a esses directos, saio da sala o mais depressa que me é possível.
Os directos irritam-me, de um modo geral, mas os dos incêndios enfurecem-me. Sinto ali a marca do vampiro. As pessoas embasbacadas, atordoadas, tentando encontrar uma forma de combater a adversidade e um caramelo qualquer, de microfone em punho a fazer aquela excelente pergunta: como é que se sente? Foda-se! Isso é coisa que se pergunte, em directo, a uma pessoa desesperada?
Quando não estão a perseguir desgraçados fazem eles o papel de desgraçadinhos. Plantados defronte à câmara de filmar com fumo e fogo no enquadramento, ao fundo, debitam tolices e informação, as mais das vezes, redundante, desinteressante, caninos cravados na jugular da catástrofe a chupar, a chupar, a chupar. Não consigo aguentar tanta nojeira.