Andamos
todos a olhar para o dedo que nos aponta a lua. O problema dos laços familiares
entre membros do actual governo será o da diminuição da capacidade de decisão
independente e ponderada que um cargo governativo deveria implicar.
Imagina-se
o pai a dizer à filha: “faz assim”, e ela a fazer; o marido a dizer à mulher
(afinal de contas vivemos numa sociedade patriarcal): “quero assim”, e ela a
obedecer. Como já alguém sugeriu por aí, as coisas resolver-se-ão à mesa
durante um jantar de família e isto não é maneira digna de se gerir a
República!
Pessoalmente, há muito que me incomoda a forma como funcionam os
grupos parlamentares na Assembleia da República. Ali, apesar de não existir
essa promiscuidade familiar, os deputados obedecem com grande naturalidade à
direcção da bancada a que pertencem. Não é tanto a relação pai-filha ou
marido-mulher que orienta as decisões, é mais um tipo de relação senhor-vassalo
ou dono-escravo: "faz assim" e o deputado faz; "quero
assado", e o deputado obedece.
Se não obedece é penalizado, muitas das
vezes, se insiste em ter opinião diversa, é simplesmente corrido.
Neste
universo as coisas resolver-se-ão durante um jantar entre líderes. Os deputados
menores sentam-se em redor de outra mesa, como se faz com os putos nos tais jantares
de família. Esta sim, é a forma digna de se gerir a República.
A quem poderá
interessar que o poder seja entregue a pessoas que pensem pela sua própria
cabeça, pessoas que tenham sido eleitas pelo povo de acordo com o credo
democrático?
Carta enviada ao director do Público