Ele sentou-se primeiro... ela sentou-se. Ao balcão. O lugar estava imundo. Cheirava a mijo que tresandava, aquele cheiro acre que nos rasteja pelas narinas como se tivesse patas peludas, o cheiro a subir-nos em direcção ao cérebro como um insecto rastejante. Já me tinha esquecido que existem pivetes assim. Ele... ela, atirou-me aquele olhar tipo facada mortal, tipo a Casca a endrominar o Mogli, o hipnotizador e o basbaque. Lá fui, depositar o cu no banco alto e seboso ao lado do Zeca Punk, "Chama-me Camomila", pedira ele há coisa de um quarto de hora. Ordenara ela. Sentei-me ao lado da Camomila, portanto. Não me atrevi a perguntar-lhe de forma directa qual o seu género, optei por uma pergunta tão parva que ainda estava a desfazê-la e já me apercebia da imbecilidade da coisa "Ainda mijas em pé?". Ela pousou a sua mão ossuda sobre a minha. Senti um frio medonho a enrolar-se-me na espinha; não que a mão dela estivesse demasiado fria, aquela incómoda sensação atacou-me na forma de um flash, uma recordação súbita que se me espetou na memória com toda a força "Ó filho, gostas do que estás a ver, dou-te tusa?". E sorriu daquela forma assustadora. Fui salvo pelo empregado que arrotou lá detrás do balcão "O que é que vai ser?".
Começámos com um simples submarino, uma caneca de cerveja com um cálice de bagaço mergulhado, passámos às 1920, mais uns submarinos, mais umas cervejas e novas aguardentes velhas ou nem por isso. Aterrámos numa sucessão de cálices de Licor Beirão e lambretas para ajudarem a coisa a deslizar mais depressa.
A conversa foi errática, nada de muito pessoal, nada de referências ao passado, muito menos sobre perspectivas de futuro. Falámos de coisas que estavam à nossa volta: o espelho por trás das filas de garrafas, das garrafas, do poster de uma rapariga com mamas descomunais reclinada sobre o capot de um carro vermelho e provocante no entender de Camomila (Camomila... que nome mais ridículo!). Falámos com o Sr. Tó, o empregado-patrão que nos ia servindo os copos com as suas mãos como presuntos de onde saíam salsichas em forma de dedos com unhas compridas debruadas a negro; fomos falando, falando, falando, até que comecei a sentir dificuldade em produzir palavras com todas as sílabas, até que comecei a enrolar a língua, a sentir-me descontraído, a gozar da libertação alcoólica. Se tivesse caído do alto do meu banco decerto teria voado.
Numa viagem ao urinol tive um pequeno lampejo de lucidez "Como vou safar-me desta merda?", mas foi sol de pouca dura. Já nem o fedor me incomodava. Mijei abundantemente e regressei ao meu lugar. Zé Camomila não estava onde a deixara. "45 euros." informou o Sr. Tó. Olhei em volta e nem sombra do meu anfitrião. "Não tenho assim tanto dinheiro comigo, aceita multibanco?" O homem olhou-me como se me tivesse transformado de súbito numa barata gigante, "Esta a armar-se em engraçado comigo?" Não, não estava a armar-me em engraçado, antes pelo contrário, cambaleei, estava até a ser muito honesto e sincero, apoiei-me numa mesa e senti os dedos a colarem-se ao tampo, assegurei a minha honestidade, a pureza das minhas intenções mas, nada feito, o Sr. Tó queria dinheiro vivo e queria-o já. "Imediatamente!" disse ele. Comecei a entrar em pânico. O homem saiu de trás do balcão segurando uma tranca ameaçadora. Não percebi se ele queria de facto o dinheiro, se queria apenas um pretexto para me rachar a cabeça de alto a baixo. As pernas tremeram-me e colei a mão à mesa com mais força. Foi então que tudo se precipitou, como acontece nos filmes.