Em Portugal existe uma coisa terrível chamada “arco da governação” que
é um artefacto transformador de políticos. O “arco da governação” funciona como
uma espécie de portal entre o mundo das boas intenções e o universo da política
pura e dura. Ao atravessar este arco, pessoas honestas são, quase sempre,
transformadas em aleijões morais. Outros (Miguel Relvas ou José Sócrates, por
exemplo) não sofrem a mínima alteração.
Quando um político atravessa o “arco da governação” e dá por si naquele
instável universo, onde Não Há Alternativas (NHA), faz coisas extraordinárias
tal como Kal- El debaixo de um sol amarelo se transforma no Super-Homem.
Lembremos quando “Telmo Correia assinou cerca de três centenas de despachos como ministro
do Turismo na madrugada do dia em que o novo executivo, liderado por José
Sócrates, foi empossado (…)” (Público,3/2/2008). Já refeito deste assomo de actividade frenética, Telmo é hoje um
homem ponderado e recuperado para a boa governação. Podemos vê-lo com
frequência a perorar sobre os mais variados assuntos num canal de TV noticioso.
Tal como Bagão Félix que teve um momento de vertigem que levou “(…) Souto Moura [a encarregar o
procurador-geral adjunto Azevedo Maia] de esclarecer os contornos do negócio (a
adjudicação do Siresp) que os ex-ministros da Administração Interna e das
Finanças, Daniel Sanches e Bagão Félix, respectivamente, assinaram três dias
após as eleições legislativas de 2005.” (Público, 14 /11/2006).
Quem vê,
nos dias que passam, Bagão Félix a emitir as suas pias opiniões no tal canal de
TV ou aqui no Público, tem dificuldade em compreender que raio de coisa lhe
terá passado pela cabeça naquela época conturbada para ter adjudicado o
negócio, em Fevereiro de 2005, por 538 milhões de euros. É certo que por lá
andavam metidos Dias Loureiro e Oliveira e Costa, à época “pessoas de bem”,
conforme nos assegurava Cavaco e Silva, mas… valeu-nos o então novel ministro
da Administração Interna, António Costa, que, recorrendo aos poderes adquiridos
ao transpor o “arco da governação”, acabou por adjudicar o “Siresp ao único consórcio candidato,
retirando algumas funcionalidades ao sistema, que desta vez custou 485,5
milhões de euros” (Público, 14 /11/2006); ah, valente! Ainda assim, o
Estado português acabou com um ruinoso negócio em mãos Investindo “(…) cinco vezes mais do que poderia ter
gasto se tivesse optado por outro modelo técnico e financeiro.” (Público,2/6/2008) negócio que ainda hoje andamos a pagar com língua de palmo.
Há tantos outros casos que poderíamos
recordar (oh, o clássico das 61 mil fotocópias, o aeroporto no deserto “jamais”, a Lusoponte…) mas penso que
fica provado que o “arco da governação” é
uma armadilha mortal para a honestidade dos animais políticos.
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