sexta-feira, agosto 28, 2015

Zelo

Raras vezes a expressão “greve de zelo” foi aplicada com tão grande propriedade como na greve que os sindicatos da PSP puseram recentemente em prática, protestando contra a lentidão do governo em lidar com as suas reivindicações de classe. 

Os sindicalistas explicaram que as forças policiais iriam, durante a greve, adoptar uma atitude pedagógica em contraste com a habitual atitude repressiva, esperando, desta forma, pressionar o governo no sentido de satisfazer as suas pretensões. Ou seja, por um curto período de tempo, as forças policiais irão zelar, de facto, pelo cumprimento das leis, suspendendo a sua implacável prática da caça à multa e cassetete no toutiço, com que normalmente reprimem os cidadãos no quotidiano.

Mário Andrade, presidente do Sindicato dos Profissionais de Polícia afirmou (conforme a capa de “O Polícia”, boletim informativo do sindicato, de Dezembro de 2014) “Os direitos dos polícias estão acima de tudo!”. Isto é muito grave e contraria nitidamente a afirmação de que a “PSP tem por missão assegurar a legalidade democrática, garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos, nos termos da Constituição e da lei” conforme podemos ler no site da instituição. Qual é, afinal, o papel da PSP?

Bem sei que estamos longe dos polícias analfabetos, fardados de cinzento, com os botões de latão a saltar-lhes na pança e os bonés encarrapitados no alto de cabecinhas malévolas, como era de lei nos tempos da “outra senhora”. Hoje, a formação da maioria dos agentes, fardados de azul e com elegantes bonés tipo baseball, é mais do que suficiente para que tenham uma atitude cívica condizente com o que se espera de uma força de segurança numa sociedade democrática. No entanto, este episódio aparentemente inócuo, mostra bem que, entre o que se diz e o que se pratica, há um enorme gato escondido com muito mais do que o rabo de fora.

É por estas e por outras que, apesar de me considerar um cidadão respeitador da lei e de não ter razões para recear contactos com as forças policiais, ainda hoje, quando vejo um polícia fardado, não consigo evitar que a primeira coisa que me vem à cabeça seja a palavra “bófia”.


A polícia deveria marcar uma eterna greve de zelo.

quinta-feira, agosto 20, 2015

Ruídos

Há uma actividade para entreter criancinhas pequenas no bar da FNAC. Estou  sentado, de costas para a sala, bebendo um café, lendo o jornal, tento abstrair-me um pouco, concentrar-me na leitura, mas...

Há qualquer coisa que incomoda, um ruído constante, é música! Música infantil a ser debitada incessantemente pelas (potentes) colunas de som suspensas do tecto. De vez em quando soa um alarme estridente que fica a ganir por um minuto ou dois. Depois cala-se. Mais adiante volta a gritar.

Olho por sobre o ombro. Os petizes lá estão, a pintar, a desenhar, concentrados nas suas actividades. Os pais vigiam. Alguns adultos conversam, outros, como eu, tentam abstrair-se mas, na verdade, o que esperamos nós de um lugar assim?

Levanto-me e abandono aquele infernozinho. Nos corredores do centro comercial há música ambiente misturada no burburinho provocado pelas centenas (serão milhares?) de pessoas que por ali andam. Vou ao WC e a música é outra e soa mais alto. Nas lojas há mais música, no parque de estacionamento subterrâneo: música. Música, música, música! Não sobra um momento que seja em que não haja som amplificado a perfurar os tímpanos dos que por ali se aventuram.

De que me queixo? Alguém me obrigou a ir ali? Claro que não. Fui porque quis ir. Mas que raio se passa para haver tanta música, tanto ruído ininterrupto? Fico com a sensação de que alguém pretende que me distraia de mim próprio. Talvez seja isso. Não sei.

sábado, agosto 15, 2015

Genuinidade democrática


Qualquer cidadão de qualquer nacionalidade é elegível para obter o “golden visa”, basta-lhe ter dinheiro suficiente para pôr a salivar certos agentes económicos e as portas da Europa ser-lhe-ão abertas de par em par. Entretanto, no Mar Mediterrâneo, continuam a naufragar outros aspirantes a habitar este espaço genuinamente democrático que é a comunidade europeia. É tudo uma questão de capacidade de investimento. 

Os que morrem no Nosso Mar investiram tudo o que tinham para comprar o seu lugar miserável num bote mortífero, às mãos de traficantes sem escrúpulos. Os que compram moradias de luxo negoceiam com outro género de traficantes, nem por isso mais escrupulosos do que os outros mas os riscos que correm são praticamente nulos. 

É tudo uma questão de quantidade. Se forem podres de ricos, os aspirantes a um lugar deste lado do mar não encontram obstáculos. Se forem pobres têm assegurada uma aventura inesquecível: ondas, enjoo, muros, arames farpados, centros de detenção, anilhas e pulseiras, fome medo e, caso sobrevivam, talvez consigam um buraquito qualquer onde aconchegar o que restar das suas pessoas e dos seus entes queridos.

Esta diferença na atribuição de autorizações para habitar o espaço europeu é o retrato perfeito daquilo que somos, enquanto projecto social e político comum. O dinheiro impera, o dinheiro é deus, o dinheiro justifica tudo, limpa tudo, limpa-se a si próprio e limpa os crimes cometidos por aqueles que o acumulam. 

Nem quero pensar que algum do capital aplicado a comprar casas de luxo em Portugal seja proveniente do tráfico de emigrantes no Mediterrâneo ou do comércio de armamento nas guerras que os obrigam a navegar para a morte.

Se é isto que temos para oferecer aos países não democráticos ou a democracias pouco genuínas, não admira que nos odeiem e nos combatam com quanta força têm.


quinta-feira, agosto 13, 2015

Saudade

Não sinto grande saudade do passado. Pressinto uma saudade bem maior por coisas que ainda vão acontecer.

quinta-feira, agosto 06, 2015

Trampa

Imaginemos que Donald Trump chega a Presidente dos Estados Unidos da América. Estamos a imaginar...? Vá lá, só mais um bocadinho, um pequeno esforço de imaginação... pois é, a coisa não gera imagens particularmente agradáveis, pois não?

Que sociedade é capaz de gerar um candidato ao mais alto lugar da sua organização política com as características do descabelado Trump? Que doença, que droga, que alucinação colectiva pode fazer com que este homem seja levado a sério por uma parte significativa dos seus concidadãos?

Muito falamos dos líderes perigosos que governam partes deste mundo. Kim Jong-un, Maduro, Obiang, Eduardo dos Santos, ditadores mais ou menos populares nos seus países, a loucura e a ausência de direitos civis, caricaturas de democracias, tudo isto nos faz tremer um pouco. E se Trump vier a chefiar os EUA? Uma trampa!


domingo, agosto 02, 2015

Férias


É o calor, é a praia, são as férias. Tudo abranda sob a luz do sol mas a vida rola à mesmíssima velocidade que rodava quando do céu caía água, como se fosse o Dilúvio a chegar outra vez, a chegar fora de época.

Tendemos a relaxar, tendemos a relativizar, a reconhecer a excelência do que a Natureza nos ofereceu e nós oferecemos em segunda mão aos milhares de turistas que nos visitam. Em Agosto Portugal abre parêntesis na realidade e fica semelhante a um sonho de folheto turístico.

Ao longo deste mês Portugal faz de conta que não existe, faz de conta que não é isto e é aquilo.

Quando o sol fechar as contas, as esplanadas forem recolhidas e trocarmos os calções e as sandálias pelas roupas do costume... como estará este país?