domingo, outubro 28, 2012
Visitação
O Dear Zé está hospitalizado. Uma hérnia discal daquelas de deitar um gajo abaixo vai levá-lo até à mesa de operações. Ontem fui visitá-lo e encontrei-o com uma boa disposição animadora. Isto de ser aberto pelo bisturi de um médico parece ser coisa trivial.
Como nunca me abriram o corpo com objectos destilados (pelo contrário, tiveram de fechá-lo algumas vezes à força de agulhas e linhas) não sei o que seja esperar deitado pelo dia da operação.
O quarto onde está o nosso caçador de imagens tem mais duas camas. Ontem, à boa maneira portuguesa, o espaço acanhado transbordava visitas que excediam largamente o limite virtualmente admitido pelas regras do hospital. Como seria de esperar era um palratório matraqueante que muito parecia animar os doentes.
Isto ainda antes da hora marcada para o início das visitas. Umas empadinhas, uns bolinhos, um cházinho, a espera é feita destas coisas. O aligeirar das regras decerto contribui para a tal boa disposição que me pareceu descortinar no rosto do Zé, o Dear Hunter. Por sorte, os companheiros de quarto também tinham visitas fora de horas e não aparentavam sinais de enfado por terem o espaço apinhado de gente.
Entretanto chegou a hora das visitas e pareceu-me oportuno sair. "Vá lá, Zé, vê se te pões mas é daqui para fora; a deixares crescer assim a barba quando fores para o bloco operatório o médico ainda vai pensar que está a abrir o Karl Marx!"
E pronto, quando saí do quarto e atravessei a porta que dá para o corredor havia uma verdadeira multidão a aproximar-se. Parecia a batalha de Aljubarrota! Afinal de contas estava na hora da visita.
(Força Zé).
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quinta-feira, outubro 18, 2012
Premonição inquietante
Não sei se é coisa normal ou sequer coisa esperada. Estou em crer que quem não anda junto aos mais jovens não faz ideia do que, na realidade, se passa.
É do domínio do senso comum falar-se da falta de conhecimentos e falta de preparação cultural das gerações que vêm atrás da nossa. Faz parte da evolução da espécie. Nunca consideramos os mais jovens como iguais e, nos raros casos em que tal acontece, é motivo de espanto profundo e sincera admiração.
As mais das vezes, essa desconsideração, quase sobranceria, dos mais velhos em relação à cultura dos mais jovens, é vista pelas mentes mais abertas e tolerantes, como sendo descabida, motivada por despeito, quase inveja, coisa provocada pela implacável proliferação das rugas bem como de alguma confusão capilar no cucuruto.
Mas, para quem, como eu, convive com jovens genuínos, daqueles que existem de facto no mundo real, jovens simpáticos, razoavelmente educados, capazes de aceitar a autoridade do professor e chegar a horas à sala de aula, para esses, a percepção do estado cultural destes cidadãos potenciais é algo de extraordinário. Ultrapassa largamente as mais baixas expectativas que possamos ter.
A cada ano que passa os alunos que sentam defronte a mim, eternamente jovens, sempre outros, mostram novos e sempre maiores graus de desconhecimento a todos os níveis. É uma coisa espantosa! Não sabem quem foi Cristo da mesma forma que ignoram por completo a localização geográfica do Egipto, ainda que já andem neste mundo há 17 ou 18 anos.
Não me conformo e ataco com fúria quase evangélica cada nova aula. Os objectivos são difusos. O tema da aula pode ser a arte grega mas acabamos a falar de Camões ou a tentar perceber o que é um preconceito. É tudo novo, é tudo motivo de espanto, por vezes quase deslumbramento. Perdemo-nos nas planícies do conhecimento. Eu à frente, eles atrás de mim, como patinhos recém-nascidos que seguem o primeiro ser vivo que lhes aparece à frente.
A verdade é que o grau de ignorância ultrapassa todas as expectativas. O que funciona mal? Porque estão os meus alunos tão alheados do mundo que os rodeia? Será o ambiente familiar? Será uma tendência quase patológica para se fecharem em mundos virtuais que podem limitar-se a um qualquer jogo de consola ou de computador que os leva a repetir maquinalmente gestos e acções em direcção a lugar nenhum? Será um mundo mediático dirigido aos adolescentes que os trata como imbecis e analfabetos funcionais desde que isso garanta retorno económico aos promotores desses canais de "informação"?
Talvez seja um pouco de tudo isto e mais umas quantas coisas que não me lembrei agora, um caldo de falta de cultura que cria cidadãos incapazes de funcionar como tal. Haverá algum plano por detrás disto? A quem interessa tanta apatia e indigência cultural?
Olho para os governantes actuais, olho para os miúdos sentados na minha sala de aula. Vejo um futuro muito pouco brilhante... ainda assim é um prazer ser professor. Dá-me alguma esperança de não cair nunca no mar da inutilidade. Quem sabe ao fim do dia contribuí para acender algum pequeno fósforo que ilumine um bocadinho uma noite muito escura?
É do domínio do senso comum falar-se da falta de conhecimentos e falta de preparação cultural das gerações que vêm atrás da nossa. Faz parte da evolução da espécie. Nunca consideramos os mais jovens como iguais e, nos raros casos em que tal acontece, é motivo de espanto profundo e sincera admiração.
As mais das vezes, essa desconsideração, quase sobranceria, dos mais velhos em relação à cultura dos mais jovens, é vista pelas mentes mais abertas e tolerantes, como sendo descabida, motivada por despeito, quase inveja, coisa provocada pela implacável proliferação das rugas bem como de alguma confusão capilar no cucuruto.
Mas, para quem, como eu, convive com jovens genuínos, daqueles que existem de facto no mundo real, jovens simpáticos, razoavelmente educados, capazes de aceitar a autoridade do professor e chegar a horas à sala de aula, para esses, a percepção do estado cultural destes cidadãos potenciais é algo de extraordinário. Ultrapassa largamente as mais baixas expectativas que possamos ter.
A cada ano que passa os alunos que sentam defronte a mim, eternamente jovens, sempre outros, mostram novos e sempre maiores graus de desconhecimento a todos os níveis. É uma coisa espantosa! Não sabem quem foi Cristo da mesma forma que ignoram por completo a localização geográfica do Egipto, ainda que já andem neste mundo há 17 ou 18 anos.
Não me conformo e ataco com fúria quase evangélica cada nova aula. Os objectivos são difusos. O tema da aula pode ser a arte grega mas acabamos a falar de Camões ou a tentar perceber o que é um preconceito. É tudo novo, é tudo motivo de espanto, por vezes quase deslumbramento. Perdemo-nos nas planícies do conhecimento. Eu à frente, eles atrás de mim, como patinhos recém-nascidos que seguem o primeiro ser vivo que lhes aparece à frente.
A verdade é que o grau de ignorância ultrapassa todas as expectativas. O que funciona mal? Porque estão os meus alunos tão alheados do mundo que os rodeia? Será o ambiente familiar? Será uma tendência quase patológica para se fecharem em mundos virtuais que podem limitar-se a um qualquer jogo de consola ou de computador que os leva a repetir maquinalmente gestos e acções em direcção a lugar nenhum? Será um mundo mediático dirigido aos adolescentes que os trata como imbecis e analfabetos funcionais desde que isso garanta retorno económico aos promotores desses canais de "informação"?
Talvez seja um pouco de tudo isto e mais umas quantas coisas que não me lembrei agora, um caldo de falta de cultura que cria cidadãos incapazes de funcionar como tal. Haverá algum plano por detrás disto? A quem interessa tanta apatia e indigência cultural?
Olho para os governantes actuais, olho para os miúdos sentados na minha sala de aula. Vejo um futuro muito pouco brilhante... ainda assim é um prazer ser professor. Dá-me alguma esperança de não cair nunca no mar da inutilidade. Quem sabe ao fim do dia contribuí para acender algum pequeno fósforo que ilumine um bocadinho uma noite muito escura?
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quarta-feira, outubro 17, 2012
Negócio lucrativo
Picasso, Monet, Freud, Gauguin, Meyer de Haan (?), Monet e Matisse
Quem serão os ladrões que surrupiam tão naturalmente obras de arte, como se roubassem pacotes de bolacha Maria nas prateleiras do supermercado? Serão empresários empreendedores que fazem o seu assalto e depois colocam o produto do roubo no mercado? Serão empregados de algum megamilionário apaixonado pelas belas-artes que lhes indica os objectos a colectar e lhes financia a acção? Serão apenas uns malucos quaisquer a quem a coisa até correu bem mas que podiam ter sido apanhados com a boca na botija?
Desta vez foi no Kunsthal Museum de Roterdão que estes anónimos artistas do gamanso fizeram a sua mais recente performance. Quando os alarmes soaram e os atarantados agentes da ordem chegaram ao local, (apenas 5 minutos depois, segundo rezam as crónicas) já os larápios haviam entrado e saído sem que ninguém desse por eles, deixando sete espaços em branco nas respeitáveis paredes do museu. Uma limpeza digna das obras levadas!
A lista de obras desaparecidas tem assinaturas de Picasso, Monet, Freud, Gauguin, Matisse e Meyer de Haan (quem é Meyer de Haan?), um conjunto de nomes capaz de fazer sonhar o mais pintado dos coleccionadores de arte.
Ao que parece o roubo de obras de arte é uma actividade extraordinariamente lucrativa, apenas batida no ranking da vigarice pelo tráfico de armas e de droga. Pode parecer estranho (ou talvez não) mas apenas 15% das obras roubadas são recuperadas e, em alguns casos, só reaparecem à luz do dia décadas depois de terem desaparecido.
Clicando aqui temos acesso a uma interessante lista de grandes roubos de obras de arte com informações sumárias sobre o que lhes aconteceu. Pessoalmente, estava convencido que a coisa não seria grande negócio. Percebo agora que estava muito bem enganado!
quinta-feira, outubro 11, 2012
Os inocentes
Os artigos que têm vindo a ser publicados no jornal Público sobre
os negócios da Tecnoforma com protagonismo mais ou menos relevante de dois
figurões do actual governo, nada mais nada menos que o 1º ministro e o seu
principal sequaz, são paradigmáticos.
O que incomoda mais, ainda mais do que as
toscas manobras à boa maneira do tradicional chico-esperto aproveitador de
oportunidades obscuras para deitar a mão a uns trocos que lhe componham o
estrato bancário, é a evidente inépcia dos promotores da marosca.
Miguel Relvas,
Passos Coelho e respectivos comparsas de ocasião podem argumentar que agiram
dentro da legalidade, mas, tanta falta de visão, tanta incapacidade para prever
o desajustamento dos programas que propuseram para aplicar verbas europeias,
prefiguram, na melhor das hipóteses, uma inocência que não é admissível em
políticos e gestores da coisa pública.
Poderão até argumentar que estavam a
aprender, que é com os erros que se aprende, que agora estão mais aptos a
evitar escorregadelas ridículas e mais atentos a desvios perigosos. Pois sim,
para aprender há escolas e sapateiros a tocar rabecão ainda vá que não vá, já
analfabetos espertalhões a passar por doutores é caso de polícia, é crime que
põe em risco a vida de pessoas ou a saúde de uma sociedade inteira, a merecer
castigo severo.
Como podemos dormir descansados quando são estes seres vivos
responsáveis pelos destinos de Portugal numa hora como a que atravessamos? Como
podemos dormir descansados quando alguém que foi capaz de levantar a “problemática
geral dos aeródromos e heliportos municipais” nos termos relatados nos artigos
de António Cerejo seja agora responsável pelo negócio de privatização da RTP,
só para dar um exemplo inquietante?
Mais à frente leio outro artigo, “A
alternativa responsável”, assinado por António José Seguro e o desânimo é
absoluto. É isto que 40 anos de estado democrático tem para nos oferecer? Políticos
de pacotilha que aprenderam tudo o que sabem nas reuniões das juventudes
partidárias e nos recantos menos iluminados dos corredores da Assembleia da
República?
As historietas da Tecnoforma mais não são que a ponta do rabo do
gato escondido. Houvesse mais jornalismo de investigação na decadente imprensa
deste país adiado e o espelho a que nos olhamos reflectiria visões simplesmente
insuportáveis.
Já que não há justiça que julgue esta comandita que seja o povo
a fazê-lo nos locais onde ainda vai tendo uma palavra a dizer: primeiro na rua,
depois nas urnas. Talvez ainda haja tempo para, pelo menos, lavarmos a cara e
olhar para o espelho com uma réstia de esperança.
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