Paul Cadden a dar ao lápis
Um belo dia (não tão belo quanto isso), era eu um novíssimo estudante nas Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, tive um dos meus primeiros baldes de água fria.
Mostrava um desenho da minha autoria a um professor, já não recordo qual professor, um desenho que me parecia algo digno de elogios, quando o mestre me atirou uma frase que ainda agora recordo. Disse-me ele "Isto não é um circo, não estou interessado nas suas habilidades".
Devo ter ficado com cara de parvo daqui até à lua. Então, se não eram as minhas habilidades que ele queria ver, o que devia eu fazer?
Percebi mais tarde que era suposto executar com mais objectividade o exercício proposto, exercício esse que não pedia tamanho virtuosismo nem tanta soberba da minha parte. Era algo mais modesto na habilidade mas bem mais exigente em termos expressivos. Eu exibia beleza quando me era pedido que mostrasse alma. Naquele tempo eu não compreendia uma coisa assim.
Agora compreendo.
Vem isto a propósito de uma notícia que li no Público online que faz eco do espanto que causam por aí os desenhos de um artista escocês, Paul Cadden. Uma rápida pesquisa mostra mais uns quantos jornais, um pouco por esse mundo, a publicar, mais coisa menos coisa, a mesma notícia.
O espanto dos desenhos de Cadden é a extrema dificuldade que o observador tem em distingui-los de fotografias. Ele desenha magnificamente! Os seus desenhos são verdadeiras fotografias.
A partir daqui este post poderá parecer pretensioso ou mostrar alguma inveja da minha parte por não ser capaz de desenhar de forma tão semelhante a uma máquina fotográfica. A verdade é que não pretendo comparar as minhas capacidades no campo do desenho com as de Cadden. Seria como comparar uma mula a um unicórnio.
Queria, apenas, deixar uma pergunta sem estar, na verdade, à espera de resposta, até porque é uma pergunta meio parva.
Pergunto: ficaríamos assim tão espantados se um fotógrafo fizesse fotografias que não pudéssemos distinguir de um desenho? Um ser humano capaz de imitar uma máquina tem mais valor que uma máquina capaz de imitar um ser humano?
Eu sei, isto soa a provocação barata.
5 comentários:
Rui, de tudo isso o mais importante é que você nem se lembra do melhor professor que poderia ter tido na Universidade! Ele te deu o toque primordial. Nunca poderias ter esquecido seu nome, e deveria reverencia-lo todos os dias!
é aquela coisa do artista e do artesão. virtuosismo apenas sem mais nada, pois, se calhar é mesmo coisa de circo...
se bem que um bocadinho de habilidade também não faz mal nenhum...
As artes misturam-se. haverá sempre os mestres nisto ou naquilo, mas será sempre uma fusão que caca vez mais ganha terreno.
Eduardo, não tenho bem a certeza qual foi por isso esforço-me por esquecer. Para não ser injusto. Mas tive um mestre muito mais importante, quando já estava quase a acabar o curso. Desse lembro-me muito bem.
Zé, pois é, há questões lixadas! Com o tempo aprendi a ser mais comedido e menos radical na avaliação das coisas artísticas.
Jorge, completamente de acordo.
Rui, eu também tenho uma dessas para recordar, mas ao contrário de ti lembro-me perfeitamente quem foi. Foi um professor que nem me marcou especialmente, Hugo Ferrão, e disse qualquer coisa parecida com isto; "quem tem jeitinho faz tricô e não desenhos". Quanto ao mestre a que referes no final do curso posso arriscar um nome: António Sena.
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