Li algures (ou terei sonhado?) que os portugueses, quando se atiraram mar adentro e mundo fora, nunca foram capazes de se estabelecer mediante um plano de expansão particularmente visionário. O mais que foram fazendo terá sido o estabelecimento de um sem número de tascas junto à costa africana, onde vendiam aos indígenas as maravilhas da nossa produção nacional, nomeadamente a bela pinga, o tal vinho tinto que, alguns séculos mais tarde, viria ser certificado por um assombroso estadista como dando de comer a um milhão de portugueses, cálculo que pecava, evidentemente, por defeito, já que seriam muitos mais o que se alimentavam exclusivamente desta dádiva de Baco à nossa pátria incomparável.
Vem isto a propósito da notícia publicada nas páginas do jornal Público no dia 5 de Janeiro sobre a orientação de Paulo Portas às nossas missões diplomáticas no sentido de “venderem” Portugal aos estrangeiros, sejam eles europeus, africanos, asiáticos ou extraterrestres.
As nossas embaixadas deverão passar a funcionar como entrepostos comerciais, enterrando definitivamente a modesta “diplomacia do croquete”, transmutada numa coisa mais agressiva e pós-moderna, à base de “road-shows” e outras coisas tão assombrosas quanto irresistíveis.
Paulo Portas, que andava tão silencioso e escondidinho, surge de súbito, qual Dom Sebastião cuspido pelo nevoeiro, para revelar o verdadeiro plano redentor da nossa economia. Este engenhoso plano de venda da pátria em atraentes pacotes de coisinhas boas só poderia sair da mente de um estadista que foi capaz de investir uma fortuna na aquisição de dois submarinos quando o país se encontrava numa situação de evidente crescimento e desafogo económico e tinha as contas equilibradas, isto antes dos tempos desgraçados em que os governos de Sócrates arruinaram a nossa balança de pagamentos. As visões são para quem as tem e quem as não tem fica a roer-se de inveja.
Com este novo paradigma da nossa diplomacia, Paulo Portas demonstra o seu conhecimento da história pátria, recuperando a nossa atávica veia de tasqueiros bebedolas quando se trata de estabelecer relações internacionais. É claro que, no século XXI, temos mais coisas para oferecer além do incontornável tintol, as oportunidades de negócio, agora, são outras e mais variadas.
Já não estamos a entrar na China, agora abrimo-nos ao Império do Meio. Já não negociamos escravos nas costas africanas com chefes de tribos tão escrupulosas quanto a nossa. Agora deitamo-nos no chão a implorar aos novos chefes africanos que nos cobrem pelos pecados dos nossos antepassados.
Se alguma coisa aprendi nos tempos do Portugal salazarista foi que o pobre pedinte não tem orgulho, embora possa andar limpinho, compostinho e desconfiar da generosidade de certas esmolas. Paulo Portas também terá aprendido isto mas, como nunca na vida foi pobrezinho (em termos materiais), não tem vergonha nenhuma e pensa que ser esperto é quanto basta para passar entre os pingos da chuva sem se molhar. Coitado.
Nota: enviei esta carta para o Público. No lugar da directora do jornal não a publicava por ser tão provocatória e, nalguns passos, tão pouco decente. mas não podia deixar de enviar esta coisa. O impulso de o fazer foi muito mais forte do que as forças em sentido contrário.