sexta-feira, abril 30, 2010

Colóquio aí na parede, pleeeease...


(na sequência do post anterior)

E se o vírus dos "tags" que infesta as paredes da cidade estiver relacionado com esta ânsia de estar constantemente a registar imagens de nós próprios? Como diz José Gil, e se a necessidade de "inscrevermos" a nossa existência no universo que habitamos nos leva a procurar todas as formas possíveis de darmos notícia de nós próprios?

Camões deixou a frase imortal e perfeita: "E aqueles que por obras valerosas Se vão da lei da Morte libertando", escreveu-a num tempo em que apenas aos heróis era reservado um lugar no edifício complexo do nosso imaginário colectivo. Mas "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades".

O ambiente da cidade, saturado de prédios, saturado de pessoas, de ruído, de lixo, de automóveis, é assombrado pela suprema saturação da informação global. O ambiente virtual, repleto de pequenos lugares mais ou menos visíveis, gera constantemente heróis instântaneos que se libertam não da Lei da Morte mas da Lei do Anonimato Absoluto.

Warohl tinha falado de algo vagamente semelhante a isto quando profetizou que no futuro todos teríamos direito aos nossos 15 minutos de fama. Esse tal futuro é hoje e, como percebemos, coisa não é bem assim mas a metáfora "warohleana" cumpre-se de certa forma a cada momento que passa.

Os "tags" são geralmente mal vistos pelos cidadãos comuns. Sejam eles mais ou menos artísticos, demonstrem mais ou menos capacidade técnica de quem os inscreve nas paredes da cidade, são quase sempre considerados como lixo, meros elementos de poluição visual num universo saturado de todo o género de poluições.

Imagino que para os seus criadores, os "tags" surjam com a maior naturalidade. Qual é o problema de pintar nas paredes? Afinal de contas está-se a criar um pequeno espaço ordenado no meio do caos visual circundante! O artista contribui para o "embelezamento" da cidade (pelo menos na sua óptica) apesar de ninguém lhe ter encomendado a obra. Além disso satisfaz a sua necessidade de se colocar no centro de uma certa narrativa urbana, faz parte de uma espécie de sociedade mitológica das pequenas divindades de lata de spray em punho, divindades com uma capacidade especial para gerar formas coloridas.

Finalmente (até porque este post já se alonga e não teria fim à vista se dissesse tudo o que me falta dizer) importa considerar que toda esta arte de rua, vista deste lado que é o lado de fora, carece de uma reflexão mínima sobre si própria. O "tag" parece-me uma coisa menor, uma masturbação esforçada (pelo individualismo da mensagem, pela falta de conteúdo e pela solidão que implica o acto), algo desinteressante em termos colectivos e vagamente satisfatório mesmo quando encarada sob o ponto de vista de quem o pinta. Mas, admito, posso estar redondamente enganado.


Esta noite, às 21,30, cumpre-se a 2ª sessão do colóquio sobre graffiti organizado pelo Ateliê de Artes da Escola Secundária Anselmo de Andrade. A primeira parte do colóquio teve lugar a 16 de Abril. Hoje como no dia 16, a coisa dá-se no Fórum Romeu Correia em Almada, na sala Pablo Neruda.

3 comentários:

Anónimo disse...

Silvares, veja só, acho que dois anos atrás em SP, uma moça foi presa porque ela invadiu a Bienal de Arte de SP para pichar as paredes brancas do histórico prédio do Oscar Niemeyer. O mais irônico disso tudo é que o andar do prédio era a ´´planta do vazio´´, acho que era isso, não tinha nenhuma obra ali. Muitos artistas saíram com abaixo-assinaturas em prol da pichadora. E a Bienal tinha como lema naquele ano refletir sobre a arte contemporânea e o circuito artístico.
A moça teve seus 15 minutos de fama? mas também ficou dias presa, e ela perante amigos, sociedade, e a auto-estima, quem paga por isso?
Até li um artigo do escritor Affonso Romano questionando a respeito da arte transgressora a oficial e a proibida?
enfim já estou me estendendo com esse papo que vai longe, tá aí contigo, que começou tudo isso.
abs
madoka

Lina Faria disse...

Silvares,
Estou sempre atenta aos seus posts.
Até porque é um de meus parametros do 'ver de fora" com critérios.
Não misture o que chamamos aqui de pichação, que é o spray preto desenhando uns signos que nada querem dizer se não ""sujei", com os tags, que aqui chamamos de grafiti.
O segundo, em geral´, é feito sobre muros ou locais que não são de dominio particular, nem ferem patrimônios públicos.

Bem, somos todos aprendizes nesse mundo mutante, sem sossego nem paradeiro. Mas pelo que observo, num rigor empirico e ha muito, é que em qualquer dos casos é mesmo "conquista de espaço". É o "eu posso", quando é visível o risco que correu para atingir certos lugares.
A conquista é para eles legitima, enquanto na condição de excluidos.

Na questão da última Bienal, que a Madoka cita, não deixou de dar bons resultados o ato da moça, bem como a invasão dos grafiteiros na galeria de arte.
Nessa edição eles entrarão como convidadeos.
Isso pode até esvasiar a proposta deles de liberdade e transgressão. Mas que é uma conquista, isso é!
Ufa! dificil mesmo falar pouco sobre.

Silvares disse...

Madoka, Lina, nesse colóquio foram os grafiters que tiveram a palavra e quem organizou o debate. Da parte que me toca confesso que fiquei a perceber melhor o que pretendem(pelo menos aqueles que falaram e mostraram o seu trabalho). É, o mundo oferece-se mas nem sempre o compreendemos bem se não tivermos ajuda. Fiquei um pouco mais solidário com alguma dessa arte de rua.
:-)