quarta-feira, setembro 30, 2009
domingo, setembro 27, 2009
Hoje votámos (mais uma vez)
Cheguei há umas horas de Viseu. Fui até lá com o meu irmão. Fomos exercer o nosso direito fundamental no sistema político em que vivemos. Votar é um momento. Mas é um momento enorme de tão especial. Sinto sempre uma imensa serenidade, um estranho prazer, quando faço aquela cruzinha. Aquela cruzinha faz-me acreditar intensamente em qualquer coisa que não sei muito bem explicar que coisa é. A primeira projecção tornada pública pelas televisões é a da abstenção que terá sido entre 37 e 40 e qualquer coisa por cento. Uma barbaridade. Uma estupidez, uma irresponsabilidade difícil de compreender. Quanto mais a democracia avança menos são os que nela decidem participar. Estranho não é? Mas é assim. Que fazer? A resposta é simples: votar sempre que a isso somos chamados.
sexta-feira, setembro 25, 2009
Olympia
Sempre que uma obra de arte de um artista célebre é roubada fico a pensar como irá o produto do roubo ser valorizado. Os ladrões decerto pensam vender a Olympia (imagem acima), o quadro de Magritte roubado na manhã de 24 do corrente mês conforme noticiado (ver aqui), mas quem o irá comprar? Imaginemos que eu adquiria a Olympia, o que lhe faria a seguir? Se a colocasse na parede de minha casa como iria explicar a quem a visse a sua proveniência? Não a podendo expor poderia sempre escondê-la e dar-lhe umas espreitadelas em privado. Seja lá como fôr é uma coisa complicada.
A menos que os ladrões tenham outra motivação. Podem ser amantes incondicionais da obra do mestre belga e a sua motivação o resultado de um impulso incontrolável, um desejo de posse absurdo, capaz de os fazer ignorar a temeridade do seu acto.
A arte não deixa de nos surpreender seja qual for a perspectiva de abordagem que façamos. Confesso que já dei por mim a olhar para o tríptico de Bosch, "As Tentações de Santo Antão", exposto no Museu Nacional de Arte Antiga e a imaginar que o roubava e podia admirá-lo na sala de minha casa com uma cervejinha na mão durante o intervalo de um jogo de futebol transmitido pela TV. É uma coisa perfeitamente infantil, um sonho daqueles que os adultos têm apesar de saberem que não os podem ter. Mas nada nos impede de sonhar e as obras de arte são portões imensos abertos sobre a infinitude do amor que sentimos por tudo aquilo que nos preenche mágicamente.
quinta-feira, setembro 24, 2009
Um mundo fantástico!
Kadafi discursou na ONU. Foi uma estreia mundial em dia de estreias, Obama também actuou pela primeira vez naquele palco mas Kadafi parece ter entrado directamente para nº 1 do Top. Durante 95 minutos Kadafi fez o seu número de ditador excêntrico e alucinado, como se estivesse em sua casa. Mas não devem os líderes mundiais sentir-se em casa quando estão no edifício das Nações Unidas? Aém disso, convenhamos que Kadafi é uma personagem que dá um colorido especial à paisagem cinzentona dos líderes mundiais e os seus actos imprevistos carregam de suspense um enredo que, de outra forma, seria tão previsível como um segmento de recta.
Li apenas dois apontamentos de reportagem sobre o discurso do líbio flipado, mas dá para perceber que ele vive e vem de um mundo diferente do meu. Um mundo muito mais colorido e fantástico, devo reconhecer, apesar da pobreza e da opressão que se adivinha, apesar da aridez e da alucinação causadas pelas elevadas temperaturas que derretem os miolos dos habitantes desse outro planeta.
Os relatos do discurso referem que Kadafi chamou Conselho do Terrorismo ao Conselho de Segurança da ONU. Que atirou ao chão um livrinho com a Carta das Nações Unidas por considerar que ninguém a respeita, principalmente os membros com assento permanente no tal Conselho (já não sei de quê!). Que colocou várias questões estranhas para habitantes deste mundo em que vivo e que, este ponto é brilhante, se confessou admirador do presidente Obama, mais um entre tantos. Kadafi foi mesmo ao extremo de afirmar que todos seríamos mais felizes se Obama fosse presidente dos EUA para sempre. Isto é que é confiança, caramba! Vindo de quem vem não admira. Kadafi é presidente do mundo dele há 40 anos e por lá ninguém se atreve a pôr em causa a sua liderança.
"Foi completamente diferente para um presidente americano. O senhor é o começo da mudança", disse Kadafi a Obama. "Mas posso garantir que depois de Obama os Estados Unidos serão diferentes?" Ora aqui está uma boa pergunta. Isto porque a Líbia, enquanto Kadafi existir, dificilmente poderá ser diferente. Enquanto Kadafi viver, a Líbia será sempre um mundo fantástico!
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terça-feira, setembro 22, 2009
Entupimento
"Ontem, a directora-geral da OMS informou que, aparentemente, o vírus da gripe A ainda não evoluiu para nenhuma forma mais grave, isto é, mais virulenta. "O vírus pode sofrer mutações a qualquer momento, mas desde Abril que podemos constatar, a partir de dados fornecidos por laboratórios do mundo inteiro, que ele é muito similar", declarou Margaret Chan, citada pela AFP, na abertura da reunião anual da OMS para a região do Pacífico Ocidental, em Hong Kong."
Será este um vírus mansinho? Ou será que a sua principal forma de disseminação e mais violento foco de contágio tem sido através dos meios de comunicação de massas? O cepticismo com que esta pandemia foi encarada por muitos de nós começa a fazer sentido. A sensação de que a saúde pública não seria a preocupação mais marcada de todos quantos puseram a circular notícias alarmantes relacionadas com o H1N1 ganha cada vez mais consistência.
Estaremos perante um monumental embuste global? Teremos assistido à primeira manipulação à escala mundial da paranóia securitária que facilmente se instala num planeta ligado por milhentos laços de comunicação, gerais e individuais? Qual será o próximo negócio capaz de nos levar a entrar em parafuso, capaz de nos pôr a comprar uma porcaria qualquer para nos proteger apenas do medo, já que o vírus desta história não será assim tão mauzão como o pintaram?
O planeta globalizado tem imensas potencialidades, entre elas a de criar ondas de pavor baseadas em boatos ou na manipulação dos nossos receios, graças à circulação de meias verdades que equivalem a mentiras completas. Não estou 100% seguro de que esta tão temida pandemia de Gripe A seja um caso de pura manipulação. Como posso ter a certeza? Mas também não estou 100% seguro do contrário. E tu, caro leitor, como encaras este entupimento informativo que nos deixou o cérebro mais congestionado que o nariz de uma pessoa constipada?
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domingo, setembro 20, 2009
McDavid's
sábado, setembro 19, 2009
Um homem sério como uma piada de mau gosto
Dizem que o nosso Presidente da República é um homem sério. A língua portuguesa é traiçoeira e ficamos sem saber se ele é considerado sério porque mostra um semblante fechado ou se é sério no sentido de ser honesto. Cavaco Silva tem-se esforçado por construir uma imagem mais aberta e descontraída desde que se tornou Presidente da República. Longe vão os tempos em que parecia estar sempre a rosnar e com vontade de envenenar a sopa de toda a gente. O Cavaco actual tenta diversificar o discurso, mostrar-se afável e chega mesmo ao extremo de experimentar fazer humor em público. Mas não consegue. Quando varia o discurso mete os pés pelas mãos. A afabilidade, quando não é genuína, mete dó e, ao tentar fazer humor não chega sequer a conseguir ser um palhaço. Nem isso. Um desastre!
Olho para Cavaco e sinto-me triste. Ele é o rosto do Portugal actual. Um homem pouco culto e incapaz de dissertar para lá do óbvio. Um homem que parece não se sentir à vontade dentro da própria pele. Ao que parece a sua suprema qualidade é a tal seriedade (seja ela qual fôr), o que, para um estadista, me parece insuficiente.
Fica a sensação de que o Presidente anda a fazer jogo de cintura na tentativa de dar um empurrãozinho à sua versão feminina, a actual líder do PSD, nesta campanha eleitoral. Posso estar enganado. Mas, se assim fôr, até mesmo a sua única qualidade cai por terra e nem sequer levanta poeira. Estamos muito mal governadinhos, benza-nos Deus.
sexta-feira, setembro 18, 2009
Hoje estou a gostar de viver (não sei porquê, nem interessa!)
Ontem à noite (ou terá sido hoje, pela manhã?) dei por mim a contemplar um gajo meio estranho no espelho do quarto-de-banho. Pronto, está bem, eu sei que era eu, mas era um eu estranho ao meu eu habitual. O corpo reflectido não me pareceu familiar. Melhor; pareceu-me familiar mas estranho porque, ao contrário do que é rotineiro, pus-me a reparar naquela coisa. Não vou entrar em pormenores descritivos, basta notar que notei marcas nítidas de, como dizer, decrepitude? Talvez não tanto. Marcas da passagem do tempo talvez seja mais adequado. E pronto, fiquei assim mesmo e não pensei mais no assunto.
Até hoje de manhã (ou terá sido pelo entardecer?). Aí, dei por mim a pensar que o espelho não reflecte o interior das pessoas. É uma coisa injusta. Posso notar que o meu corpo mudou e está a mudar. Tenho fotos que posso comparar com o estado actual do meu invólucro e registar com maior ou menor rigor, dependendo da atenção que dispenso ao facto, as alterações operadas. Mas no que diz respeito ao modo como penso ou imagino o mundo ou construo as relações com as outras pessoas, é mais difícil estabelecer termos de comparação. Não há espelho que reflicta esse tipo de alteraçôes. Essas são tão secretas que escapam ao olhar do próprio, escapam em absoluto à percepção do indivíduo.
O corpo muda e envelhece, é uma evidência visual. Mas, cá por dentro, as coisas mantêm-se, aparentemente, na mesma. É a tal cena dos "adultescentes" (a ideia da "adultescência" está para aí num post que não estou a conseguir encontrar) e que, a cada dia que passa, me deixa mais afastado de mim próprio. O gajo no espelho sou eu e não sou eu porque o gajo dentro de mim já não se lembra bem de quando era outra pessoa. Isto faz sentido?
Não faz grande sentido e isso não chega a ser incomodativo porque o dia de hoje foi espectacular e o dia de amanhão é prometedor não sei porquê. Tenho essa sensação. Hoje estou a gostar de viver!
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segunda-feira, setembro 14, 2009
Espécie de evolução
Os que crêem na Teoria da Evolução de Darwin têm dos nossos antepassados uma imagem algo difícil de aceitar por outros, menos dados às coisas da Ciência. Acreditam que descendemos de uns seres baixotes, atarracados e peludos, que desceram das árvores e se puseram a andar nas patas traseiras, todos empertigados e bem dispostos.
Estes macacos humanos estão a anos-luz do Adão renascentista que ilustra os sonhos dos católicos e outras seitas cristãs, na companhia de uma Eva mais ou menos voluptuosa, conforme a imaginação dos artistas ou a opulência dos seus modelos.
São duas perspectivas da evolução da nossa espécie que pouco ou nada têm a ver uma com a outra.
Para os darwinistas, com o passar do tempo, a evolução da espécie humana foi despindo o pessoalzinho de sucessivas camadas de pêlo. Cada vez mais lisos e com um corpinho jeitoso, damos argumentos aos criacionistas que afirmam a pés juntos e mãos postas que Deus criou o Homem à Sua imagem e semelhança e lhe ofereceu a Mulher que concebeu a partir de uma mísera costela retirada do lombo de Adão enquanto este dormia o sono dos justos. As duas visões não se compadecem uma com a outra. O mundo não é assim nem assado. Enfim, estamos todos ocupados a defender lendas e factos mais ou menos sustentados por documentos, livros de aventuras e outras criações da imaginação humana.
Mas, nos últimos anos, temos convivido com uma espécie de evolução algo discreta. A pilosidade corporal está a abandonar os corpos dos homens (as mulheres há muito que vêm combatendo os pêlos onde quer que eles se encontrem), principalmente dos homens mais belos, mais perfeitos e candidatos a Adónis cruzado com Narciso, o sonhado pedigree dos machos mais espaventosos. A masculinidade já não se compadece com barba rija ou cheiro a cavalo. Nada disso!
Nos dias de hoje, o macho que é machão não tem pêlos (nem nos braços, nem nas pernas!) e arranja as sobrancelhas até parecer uma Edith Piaf num dia bom. Milagres tecnológicos que me ultrapassam um pouco (imagino que seja a tecnologia laser) fazem dos nossos mais belos autênticas estátuas gregas de carne e osso e músculo, lisinhos como mármore de Carrara e mais polidos que o cú do david de Miguel Ângelo.
Quais macacos, qual caraças!!! Cremes de dia e de noite, anti-rugas poderosos, perfumes de variados odores, solários maravilhosos e sei lá que mais, fazem da rapaziada uma coisa nova e reluzente, capaz de tirar o sono ao Criador.
Olhem na ilustração o belo Ronaldo (o Cristiano que o outro está que parece uma pipa de vinho) e digam lá se isto não é uma espécie de evolução!
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sexta-feira, setembro 11, 2009
Questões de confiança
A nossa vidinha baseia-se na confiança. Quando pego no meu carro e entro no trânsito, confio que os outros automobilistas vão respeitar um conjunto de regras que nos permitem circular sem andarmos a chocar constantemente. Muitos acidentes são provocados por aqueles de entre de nós que quebram as regras, destruindo, desse modo, a confiança mínima necessária.
Quando vou votar confio que as regras democráticas estão a ser cumpridas. Não conheço as pessoas que estã a recolher o meu voto mas não é por isso que desconfio delas ou imagino que, mal eu volte costas, vão arranjar maneira de aldrabar o processo.
Confio nas pessoas ao ponto de raramente colocar a hipótese de me estarem a mentir (devo ser enganado algumas vezes sem sequer disso suspeitar). Se marco um apartamento em Nova Iorque pela internet ou adquiro bilhetes de avião pelo mesmo processo estou a confiar no modo de funcionamento da coisa. Resumindo, todos os dias confio em muita gente e é nessa confiança que se baseia o meu quotidiano. Se assim não fosse havia de dar em maluco!
Num patamar completamente diferente, os americanos confiavam que o facto de irem fazer a guerra noutros continentes os deixava fora do alcance dos seus inimigos mais azedos. Daí que no dia 11 de Setembro de 2001, o tenebroso ataque com aviões suicidas que destruiu as torres gémeas tenha sido um choque tremendo, abalando por completo a confiança que os americanos depositavam nas distâncias intercontinentais. Isso tornou-os desconfiados e provocou grandes confusões.
Variando ainda mais a perspectiva, imagino que os afegãos, só para dar um exemplo, não tenham grande confiança na democracia nem nos exércitos ocidentais que tão depressa abatem uns quantos talibãs como chacinam civis indefesos em ataques destemperados e destruidores. A desconfiança pode ser uma barreira intransponível.
Se eu for desconfiado vou conferir sempre o troco que a senhora do café me dá antes de meter o dinheiro ao bolso. Vou estar constantemente a olhar em todas as direcções tentando descobrir que partida é que o mundo me irá pregar. Tenho uma sorte do caraças por viver num sítio que me permite confiar. Até ver...
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quarta-feira, setembro 09, 2009
Vida de rato
Duas situações estranhas como só as coisas verdadeiramente estranhas podem ser.
Primeiro: um estranho e interessante conceito arquitectónico trazido por Alejandro Aravena, do Chile, no seu projecto Elemental. Num contexto de investimento de baixo custo, Aravena lidera uma equipa que projecta... meias casas! É isso mesmo, meias casas. A ideia tem o seu quê de genial. O arquitecto debate e "contrata" com as pessoas que irão habitar e usufruir do espaço, tendo em vista futuros acrescentos levados a cabo pelos habitantes (na imagem podemos ver o Elemental antes e depois dos acrescentos). É o conceito mais radical da criação artística contemporânea levado ao projecto arquitectónico. Muito interessante.
A segunda situação que me chamou a atenção tem a ver com Brad Pitt, esse sacana sem lei. Aqui há uns tempos li que o senhor Pitt ponderava a possibilidade de refrear a sua carreira como actor para se dedicar a uma outra paixão, a arquitectura. Ora toma! Como, pelos vistos, o grande Bradley continua a iluminar os écrãs com actuações interessantes, vai daí terá projectado uma casinha para os ratos dos filhos no valor de 57 mil dólares. Uma mansão, na qualificação da notícia que li. Ora então, temos um projecto de baixo custo com meias casas para pessoas (no Chile, no México e, em projecto, no Brasil) e um outro, de alto custo, para ratos, não sei onde.
Se isto não é estranho então não sei o que possa sê-lo.
segunda-feira, setembro 07, 2009
Ronald McDonald à presidência
No passado dia 22 de Agosto postei aqui uma mensagem em que colocava sérias dúvidas sobre as qualidades democráticas do processo de eleição do novo presidente afegão. Não era preciso ser bruxo para imaginar que a coisa havia de dar para o torto. A notícia de que "existiram" centenas de assembleias de voto virtuais que contabilizaram milhares de votos em Hamid Karzai, a certeza absoluta de fraudes maciças, mostram como a Democracia é muito mais do que a organização destas festas apalhaçadas que apenas são capazes de produzir caricaturas horripilantes. A Democracia não se exporta e só por milagre se impões por decreto.
Veja-se o caso de Portugal. O sistema democrático foi implantado na sequência de um golpe de estado vai para 36 anos e as instituições públicas ainda deixam muito boa gente desconfiada de que por ali se arranjam moscambilhas endiabradas e negociatas capazes de fazer corar o Diabo que as pariu. Ainda por cima temos uma tradição cultural que nos enfia na sequência civilizacional do pensamento grego, isto deveria ser o suficiente para nos permitir aceitar com pacifismo os princípios da coisa democrática. Isso é que era bom! Não, o pessoal, apesar de tudo o que atrás fica registado e mais um milhar de outras coisas que agora não me vêm à memória, não consegue fazer da Democracia mais que um sistema político, um Valor. Não dá, é pedir demasiado.
Então como podemos pretender que os afegãos, encarrapitados lá no alto da aridez montanhosa da terra deles, com outra tradição cultural, outra religião, outra forma de produzir e consumir imagens e narrativas, como poderemos imaginar sequer que a Democracia haverá de fazer ali algum sentido, por mínimo que seja?
Não dá. Não pode. Talvez sejam capazes de comer e digerir um Big Mac no McDonald's da esquina em Cabul. Talvez consigam perceber o mecanismo básico do voto. Mas não parecem estar a entender lá muito bem a ideia de um eleitor/um voto. E não me parece que estejam minimamente interessados.
domingo, setembro 06, 2009
O que diz Saatchi
A galeria de Charles Saatchi parece uma daquelas grutas das histórias de piratas, a deitarem por fora tesouros empilhados após anos e anos de trabalho árduo. Pronto, está bem, não parece nada uma gruta, as paredes são brancas e há luz a entrar por todos os lados iluminando os tesouros de uma forma gloriosa. Sim, também sou capaz de ver que as peças estão arrumadinhas num lugar muito seu e muito próprio, não tem nada a ver com arcas a transbordarem de pulseiras de ouro e coroas de monarcas esquecidos e moedas de impérios que nunca existiram. E, finalmente, as peças expostas não foram roubadas nem são produto de saques violentos, resultam de límpidas transacções comerciais, cheques com cobertura e tudo o mais. Imagino eu. Portanto a imagem da gruta de piratas é, no mínimo, forçada. Foi a primeira coisa que me passou pela cabeça e depois não quis dixá-la para trás. Enfim, este texto pretende ser uma metáfora da arte exposta e comercializada pelo Grande Saatchi, o coleccionador, o dealer, o mágico do negócio das artes e dos artistas contemporâneos. As coisas nem sempre são o que parecem ou, então, não são realmente aquilo que nos dizem que são. Confuso? Também acho.
Saatchi é um dos homens mais influentes na cena artística internacional. A forma como vai coleccionando os seus tesouros de Ali Bábá, desencantando novos artistas e novos valores (literalmente) que ciclicamente vêm reactivar o mercado da arte, fazem dele uma personagem central para a compreensão do mundo das artes nesta viragem de século que já começa a deixar de ser uma esquina, embora não se perceba ainda se é uma ruela lamacenta ou uma avenida alcatroada.
Toda esta conversa para trazer aqui uma questão colocada a Saatchi por um jornalista do "The Guardian":
- Sei muito pouco de arte contemporânea mas tenho mil libras para investir. Algum conselho?
Resposta de Saatchi:
-Obrigações financeiras. A arte não é um investimento a não ser que tenha muita, muita sorte, e consiga bater os profissionais no seu próprio jogo. Compre qualquer coisa que realmente goste e que lhe dê mil libras de prazer ao longo dos anos. E leve o seu tempo à procura de algo realmente especial, porque procurar é metade do gozo.
Mesmo o grande guru do comércio de arte coloca o valor do objecto artístico dentro da nossa própria cabeça e sugere que o negócio e as "descobertas" dos artistas cujas obras valem milhões é coisa de profissionais. Trabalho de profissionais e negócio de profissionais, capazes de transformar merda em ouro, numa reviravolta alquímica de todo inesperada. Coisa de piratas?
Caso sintas curiosidade podes ler aqui um conjunto de perguntas de leitores do The Sunday Telegraph e respostas de Charles Saatchi (em inglês) com algumas passagens interessantes.
terça-feira, setembro 01, 2009
Uma enorme sacanice
Sacanas sem Lei (Inglourious Basterds no original) é um filme inquietante. Nos últimos tempos tinha andado a rever alguns filmes de Tarantino. Pulp Fiction e Reservoir Dogs continuam a ser filmes poderosos, apoiados numa fluência narrativa inventiva e fora-de-série. Obras-primas? Talvez. Até ver este Inglourious Basterds (e não Bastards) a dúvida mantinha-se mas este sim, é "a" obra-prima de Tarantino, tal como a personagem interpretada por Brad Pitt propõe, na última fala do guião "esta é, provavelmente, a minha obra-prima" (ou algo do género).
A construção de cada plano, o movimento da câmara, a simbologia de violência e a qualidade excepcional dos diálogos, são imagens de marca do realizador. Mas, neste filme, estas qualidades são de tal modo depuradas e felizes nas soluções encontradas que a palavra "genial" dança na mente do espectador ao longo de muitos momentos da projecção.
A extrema violência de certas imagens acaba por encaixar perfeitamente tanto no ambiente visual quanto no narrativo, com naturalidade. Um soldado alemão a ser escalpado é quase poético, embora cenas que metam facas a retalhar carne me impressionem particularmente, não sei porquê, alguma recordação que o meu cérebro teima em tentar esquecer, algo que o meu corpo não permite. Por várias vezes meti a mão na cara e quase desviei o olhar. Há imagens mais duras que o fio de uma navalha perfeita.
Os actores têm performances inexcedíveis (a 1ª -longa- cena do filme dá o mote) e Brad Pitt é a estrela mais luminosa devido à exposição mediática. A fotografia tem momentos gloriosos (a projecção do filme sobre o fumo da um incêndio na cena quase final, não dá para explicar aqui a cena, é um achado extraordinário), enfim, poderia desfiar um rosário de elogios mas o maior de todos os elogios é assistir ao filme.
Não aconselhável a crianças nem a adultos facilmente impressionáveis (embora se possa desviar o olhar quando a coisa atinge picos de violência insuportáveis). Quentin Tarantino confirma-se como um mestre extraordinário, quase um clássico. Ver este filme tão perfeito formalmente e tão revoltante ao nível das entranhas é como ver uma tela de Rafael Sanzio de Urbino em que a graciosa madonna, em vez do habitual gesto de insuportável carinho, fizesse algo arrepiante ao menino Jesus, algo que não sejamos capazes de imaginar.
Very fucking good!
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