A ideia de uma eleição democrática aos olhos de um cidadão ocidental pode resumir-se rapidamente: os candidatos apresentam os respectivos programas eleitorais; segue-se um período de debate e esclarecimento com forte intervenção dos meios de comunicação social que vai revelando os resultados de milhentas sondagens; os eleitores acompanham estes acontecimentos, debatendo também, entre si, à medida que os candidatos se vão revelando; finalmente os cidadãos eleitores depositam os votos nas urnas (ou votam electronicamente) que serão contados de forma justa, na presença de representantes de todas (ou da maioria) as forças concorrentes à eleição. É aqui que reside a pedra de toque de todo o processo. Depois, quem tem mais votos ganha. Os candidatos derrotados felicitam os vencedores e todos vão às suas vidas. Límpido e cristalino de tão simples.
Os números são publicados e dissecados, tornando-se a "coisa em si". As percentagens são analisadas e explicadas e as peripécias da campanha vão sendo esquecidas até restarem apenas tabelas com numerozinhos mais ou menos mágicos que acabam por ficar para a História.
No Afeganistão não podia acontecer nada disto! Num país em plena guerra, a lisura do processo parecia interessar mais aos observadores das nações estrangeiras que ali mantêm exércitos (de ocupação?).
Durante a campanha, com mais de 30 candidatos, anunciaram-se as mais variadas falcatruas. Após o fecho das urnas dois candidatos apressaram-se a reclamar vitória, com indicação da percentagem de votos que teriam obtido e tudo. A tensão subiu em flecha e o potencial de violência passou a vermelho. Muitas mulheres se apresentam de burka na mesa eleitoral e todos os participantes mergulham o indicador numa tinta indelével para evitar votos duplos que, mesmo assim, parecem ser bastante vulgares. Os talibãs terão ameaçado cortar dedos pintados que encontrassem agarrados a mãos eleitoras. Pelo menos dois dedos foram cortados. Isto é um pormenor (dois pormenores) se tivermos em conta o número de mortos e feridos em atentados nos últimos dias.
Enfim, parece que o mais importante para toda a gente serão os tais numerozinhos mágicos, as percentagens finais que serão validas e publicadas com o aval da União Europeia e dos Estados Unidos da América. Mesmo que esses números resultem de uma sucessão de anormalidades democráticas, serão comentados como uma vitória da democracia. Haverá um presidente eleito no cadeirão de Cabul que servirá de espelho aos ocidentais interessados em manter poder e influência por aquelas bandas.
A questão final é: como pode existir uma democracia num país em guerra de desagregação? Como podem funcionar instituições democráticas com metralhadoras e explosões à hora do telejornal? Sinceramente, o que eu vejo ali é uma anedota algo macabra. Aquela imitação grotesca das democracias ocidentais transforma os eleitos em pouco mais que palhaços ao serviço das "ajudas" internacionais. Aquilo não é uma democracia! Pela razão simples de que a democracia é um sistema de governação que implica a aceitação das suas regras básicas que têm raízes culturais profundas. O Afeganistão não parece estar preparado para a democracia. Sinceramente, parece-me que não está sequer interessado nisso. Um pouco de paz... isso sim, seria perfeito.
9 comentários:
Sempre dido "pobre de nós", mas, comparado com o Afeganistão, sinto-me envergonhado de reclamar.
Eles, talvez estejam mais perto de uma democracia do que da paz! Como se isso fosse possível...
Concordo com o Eduardo. Ali não vai haver paz e mesmo a democracia não sei para que serve. Mais um pretexto para matar.
O que importa é ir pintar o dedo, depois, depois logo se vê. Pelo menos as consciências ficam mais livres.
As eleições são um estranho ritual, celebrado quase sempre pelos mesmos sacerdotes , na frente do altar, ou escondidos na sacristia. Vão trocando os paramentos para um "ar" de novidade, mas os sermões são sempre os mesmos.
E o povo, de uma forma ou outra, diz amém e espera os milagres que nunca chegarão.
É claro que o Afeganistão não está minimamente interessado numa democracia, a partir do momento em que esta está a ser imposta por governos ocidentais.
Que direito temos nós (ocidentais) de impor o nosso modelo de democracia em que pais seja ?
O ocidente tem de aprender uma coisa, que é fundamental nesta situação toda, os países do Médio Oriente não nos vêem como salvadores nem como detentores da verdade. Principalmente se tomarmos conta dos seus países à custa de força militar que causa feridos e mortos. Isso eles já têm de sobra, à conta de extremistas religiosos.
Vamos é tomar conta de nós, que também temos problemas de sobra, e deixar a arrogância e a mentalidade de que somos policias do mundo de lado.
Vamos educar o mundo na onda da tolerância, vamos dar.lhe melhores condições sócio-económicas e aí sim, o oriente saberá tratar de si e nós não temos nada a ver com isso. Não somos mais nem menos, apesar do complexo de superioridade inato.
Um abraço
Beto, não se envergonhe, reclame!
Eduardo, não sei do que estarão mais perto. O que sei é daquilo que nós estamos longe. Estamos longe de perceber o que fazer.
Jorge, a democracia parece servir apenas para garantir mercados e fazer fluir a economia. Parece-me uma visão redutora...
Chapa, essa leveza de consciências é a nossa perspectiva da coisa. Um afegão terá necessidade de se sentir levezinho dessa forma?
:-)
Peri, onde está o Deus que enfeita esse altar?
Tiago, outrora foram os evangelizadores a espalharem a fé católica, agora são os enviados especiais e os representantes dos governos ocidentais (com os EUA à cabeça) que tentam espalhar a fé democrática. A História não se repete mas parece haver alguns pormenores que não mudam assim tanto.
Ora pois..já me desculpando ..mas este dedo parece bem trazer as marcas de onde estão afundados até o pescoço...daqui podemos sentir o perfume...aliás por aqui perfume igual anda muito na moda ...invade o Senado e politica nacional...e aí?
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