quarta-feira, abril 08, 2009

Mercado volúvel

Piero Manzoni e a sua célebre merda enlatada em 1961


Vem na edição de hoje do Público: "O cenário que se antecipava foi agora traduzido em números: segundo o jornal económico Finantial Times, durante os primeiros três meses de 2009, o mercado da arte sofreu uma quebra de cerca de 35 por cento em relação ao mercado em alta de 2008. O jornal, que faz uma antecipação dos resultados do índex Mei Moses, a sair na próxima semana, diz que a quebra foi acentuada por coleccionadores e investidores atingidos pelo escândalo Madoff. Juntamente com outros bens, muitos dos afectados pela crise tentaram obter fundos com a venda de pinturas, esculturas e obras em fotografia, ainda que por valores muito abaixo do que teriam rendido antes de Setembro último."

A quebra nos valores astronómicos que os objectos de arte atingem no mercado não surpreende ninguém. O navio da economia mete água e há já muitos marinheiros de água doce que atiram ratazanas borda fora, não importa a que preço. Mas as ratazanas, toda a gente sabe, são excelentes nadadoras. Quem não tiver nojo de pegar nestes produtos enjeitados deve aproveitar porque, num cenário de retoma económica, irão, decerto, recuperar o investimento.

É o eterno sobe-e-desce da existência humana, o efeito iô-iô das crises económicas. Quando a crise atraca nas bolsas, os preços de certos bens tendem a cair na realidade. E se caem! Caem com estrondo e por ali ficam, na sombra, a lamber as feridas, esperando um dia mais solarengo que lhes restitua o prazer de existirem.

É curioso verificar que "Segundo os especialistas consultados, as vendas em baixa dizem respeito sobretudo a obras realizadas entre o pós-guerra e a actualidade, o tipo de investimento feito pela elite de Wall Street e semelhantes ao longo dos últimos sete anos.", a arte contemporânea sempre imersa nas terríveis dúvidas que continua a provocar quanto ao seu "real" valor, tanto quanto se duvida do real valor da riqueza "produzida" no mercado de especulação de capitais.

Iremos nós assistir a uma mudança de paradigma no estabelecimento dos rankings de preços dos objectos de arte? A verdade é que perante o descalabro do sistema de especulação de capitais, que deixou à vista de toda a gente a fragilidade fraudulenta de uma legião de especialistas em economia com pés de barro escondidos em sapatos de luxo, algo poderá mudar também entre os especialistas com pés de merda que constroem reputações e iludem os valores dos objectos de arte.

Ainda na mesma notícia pode ler-se que "Já o mercado dos grandes mestres da pintura, a funcionar abaixo do radar do boom de investimento em arte dos últimos anos, terá tido um declínio mais moderado." Não haja dúvidas de que o Tempo (seja lá isso o que for) se encarrega de caucionar o valor das obras de arte. O futuro dirá quais os objectos artísticos que irão resistir e perdurar no mercado. Apesar de todas as injustiças, há sempre uma justiça mínima que sai redondinha dos ponteiros do relógio e cai graciosamente das folhas dos calendários.

15 comentários:

Jorge Pinheiro disse...

A patine conta muito! Mas a merda também se vende. A explorar um novo filão: "a merda da crise"!

Silvares disse...

Ahahahah, essa é forte. A merda está sempre na moda!

Anónimo disse...

Tudo dentro do esperado e previsto.A vida continua! Esta não foi a primeira crise, e certamente não será a última, infelizmente! A ARTE esta incerida no contexto econômico, queiramos ou não! Mas que ainda tem muita merda a preço de ouro, tem! Mas essa é outra história!

luisM disse...

RapazSilvares, caramba pá, quando se fala no mercado da arte,está-se a falar de leis de mercado, estritamente. Ainda por cima aplicadas a mercadorias em que é difícil estabelecer padrões de valor de troca, tanto aos objectos, tomados individualmente, e padrões de comparação entre objectos de diferentes proveniências (leia-se, construídos por artistas diferentes). O valor de troca económico, parece referir-se ao valor intrínseco dos objectos de arte. Parece, apenas, acompanhando a projecção social dos artistas e das obras. Mas segue todo o cálculo económico referente aos objectos de escassa quantidade, raros, com uma grande carga simbólica de diferenciação social, através da posse. Mas isto tudo pouco tem a ver com arte, e com a diferenciação qualitativa dos projectos, das poéticas e das problemáticas envolvidas. A carga simbólica duns sapatos não é a mesma dum objecto de arte, que é de outra ordem e muito mais difícil de estabelecer (precisa de bastante mais tempo). Isto não se compadece com a rapidez da circulação financeira e com a urgência do retorno de dividendos. Por isso essas notícias não passam de curiosidades anedóticas a que a gente assiste como se se tratasse dum espectáculo semelhante àqueles que espreitamos na TV, como os astros a pisarem a passadeira na entrada dos Óscares, e a gravidez da terceira princesa do Mónaco e coisas desse tipo.

Nem são do nosso domínio, nem são muito interessantes. Puro espectáculo, em que existem pessoas que sacam umas lecas valentes, normalmente à custa da cabeça de outros (esta parte é que é menos interessante).

Não penses mais nisso, bebe uma bica, com um cigarro lento, e começa a colar a notícia, após o que pintarás qualquer apóstolo por cima, agora que estamos na semana santa.

Boas amêndoas!

Anónimo disse...

Rui,

o LuisM, acaba de fazer um comentário que vale uma postagem!!!!

Silvares disse...

Eduardo, este LuisM sabe muito.
:-)
Mas é como diz, merda ao preço do ouro é o que por aí há mais.

LuisM, nesta notícia, o pormenor que me captou mais a atenção foi o do investimento dos executivos de wall street em objectos de arte contemporânea e a forma como agora se pretendem livrar deles. Realmente, investir em arte apenas pelo valor simbólico/económico deve ser uma tristeza. Com tantas obras deslumbrantes um gajo deve ser capaz de encontrar uma ue adquira pelo prazer ou o simples fascínio de poder contemplá-la.
:-)
Boas amêndoas e cuidado com os apóstolos.
:-)

luisM disse...

Mestre, as coisas são assim, investe-se em arte, como em barras de ouro, como em propriedades. Olhando ingenuamente, porque é que o ouro é uma pedra de toque da riqueza? Por algumas das qualidades do metal, é certo, mas por convenção, tão antiga quanto as trocas comerciais. Uma das características é a raridade, que permite ao poder económico controlar e disciplinar(?) a riqueza. Não podia ser a madeira, nem mesmo o ferro, que é muito mais útil que o ouro. Em arte é o mesmo. Quando a gente fala do mercado da arte imagina logo Manet, Picasso e os Girassóis. Mas o mercado da arte, correntemente, não se alimenta disso, que está vendido e revendido e guardado. Alimenta-se pelos agentes, museus e pelas galerias, através do que vai saindo actualmente. Com o devido acompanhamento do aparelho da crítica mediática vão-se fazendo nomes. Mas tu sabes, tão bem quanto eu que, a partir do momento em que pões a ver qualquer coisa no interior daquilo que se chama campo da arte, as coisas fogem ao controle do artista. Seguem um percurso com uma carga sociológica muito marcada, que não é bem o do valor enquanto objecto de arte, intrinsecamente. São umas águas turvas, em que se tenta colar o preço ao valor intrínseco, para tentar reflectir e fundamentar alguma lógica de investimento (claro, com a caução cultural, que é o que se pretende, olha o Berardo, comendador). E por aí fora, isto escrito demora tempo...

Estou bem de acordo contigo, adquirir porque se gosta de observar, ouvir, sentir, reflectir. Isso era o ideal, comprar descomprometidamente os objectos. Mas a ideia de investimento está infiltrada na mente do público. Quantas vezes elogiaram o teu trabalho? E quantas se resolveram em compra efectiva? Alguma vez pensaste nisso? Eu já, principalmente quando estou com pessoas (poucas) que até compram e de quem sou amigo. É esquisito, como se fossem dois mundos: um aquilo que é elogiado às vezes nas "vernissages" e depois a conversa seguinte do que se comprou... numa galeria. Coisas que um tipo nunca ouviu falar (sem menosprezo nenhum), mas que têm projecção muito restrita. Lá está, aparecem como produtos de mercado com cotação. E tu não tens cotação, a não ser a que lhe dás, porque achas certo. Mas isto para o "consumidor de arte" não é comprar bem, na "maioríssima" parte dos casos.

Com este aspecto já deixei de me preocupar, cagando! E desculpa lá o texto, porque me perdi nas palavras.

Pinta na mesma, pelo menos a mim podes ir mostrando.

conduarte disse...

Passo para desejar ótima Páscoa para vc, com Paz, e Amor no seu coração... O comentário do Luis, é tudo de bom!
Bj, CON

luisM disse...

Na parte que me toca, gracias CON, e boas espectativas de férias, agora que a Páscoa se foi...

Anónimo disse...

LuisM,

olha como ficou bom:

http://comentariosque.blogspot.com/

luisM disse...

Ena pá, Eduardo, dei lá uma voltinha.Estás a fazer-me corar!

Qualquer dia o RapazSilvares enxota-me daqui! O que vale é que ele é surdo que nem uma porta, não ouve metade do que se lhe diz (ou distraído, sei lá!) e não repara com muita atenção nestas conversas ao canto da sala...

Silvares disse...

Esse pormenor da surdez não é muito "visível" aqui na NET. Ainda por cima estava longe daqui, lá para as berças da serra onde fui fazer a minha visita anual a Nosso Senhor.

Quanto à questão em análise subscrevo os teus comentários, é bom de ver, mas, cá no fundo, cahteia-me um bocado esta falta de paixão pela arte, substituída pela velha paixão pelo dinheiro. É uma espécie de prostituição a vários níveis, mas pronto, já se sabe que quando toca a capital estamos conversados.
:-(

Conceição, obrigado pela visita e tudo de bom também para si. Espero que a Páscoa tenha sido aquilo que esperava dela!
:-)

Eduardo, ainda tenho de ir ver o que você e o Luís estão para aí a falar!
:-D

luisM disse...

Estamos só bebendo um Porto seco e falando do mercado da arte, disto e daquilo, tu sabes... Não tocámos no teu passado obscuro...

Silvares disse...

Pois, já me tinhas dito.

luísM disse...

...Uns dias melhor, outros pior.
Enquanto há vida, há esperança!