terça-feira, março 31, 2009

Manias do caraças!

Sobre um cubo não há nada a dizer. Um cubo são seis quadrados encostados. Seis faces iguais com arestas. Esquinas vivas a rasgar a pele. Pode ser caixa ou pedra. Com pintas é um jogo de azar. Com janelas é um quarto. Com barras uma cela. Esdrúxulo paralelipípedo.
foto e legenda respectiva do post intitulado... Cubo, of course! Tem 6 "clicks"



Não é meu hábito falar muito de Blogues neste Blogue. Vá-se lá saber porquê!

:-)

Mas não posso deixar passar em claro a oportunidade de chamar aqui a atenção para o Photomelomanias, um dos Blogues alimentados pelo Caçador (identidade alternativa de outras identidades secretas espalhadas pela blogosfera). O Caçador anda por aí desde Dezembro do ano passado e o Photomelomanias abriu portas em Janeiro do corrente, contando com 41 postagens desde que abriu as portinholas. O conceito é simples e não sei se há mais Blogues assim (eu não conheço mais nenhum, mas é bem possível que existam outras gotas assim no imenso oceano da blogosfera). Cada post tem um tema associado a uma fotografia e, por baixo, depoisa da legenda, alinham-se uma série de "clicks" que abrem para filmes (a maior parte deles no YouTube) de alguma forma associados ao assunto em análise. Os filmes são, maioritáriamente, clips musicais mas também podem ser de outra natureza.

Resumindo, um passeio pelo Photomelomanias é sempre um trajecto curioso, com momentos inesperados. Uma visita a fazer, sem hesitações.

domingo, março 29, 2009

Real vulgaridade



Finalmente vi o filme A Turma (Entre les Murs). Vi em casa com a família. Versão DVD: sentado, recostado, deitado. Como sou professor, grande parte da narrativa é-me tão familiar que algumas situações potencialmente mais fortes ou polémicas não me surpreenderam.

O que me pareceu mais marcante em A turma foi, precisamente, o realismo, como se o realizador tivesse recuperado os princípios éticos e estéticos do realismo oitocentista. As personagens, as situações, os cenários, nada têm de transcendente de tão vulgares. Não há a grandeza dos momentos históricos nem o mistério dos contos surrealistas. Vulgaridade vulgar. É tudo.

A Turma é qualquer coisa entre a obra de ficção e o documentário e, pela forma como aborda a linguagem cinematográfica, abre um buraquinho especial para ali se aconchegar sem grandes acompanhantes (pelo menos, assim de repente, não me estou a recordar de outros filmes semelhantes).

O meu amigo Beto Canales do Blogue Cinema e Bobagens, estabelece aqui uma série de princípios segundo os quais deveremos classificar ou abordar críticamente um filme. São 7 itens a ter em conta na classificação da qualidade de um filme. Para ele, A Turma não preenche nem dois e ainda lhe aponta alguns pecadilhos censuráveis.

Talvez o Beto tenha razão. Mas talvez os 7 itens não se possam aplicar sempre, da mesma forma, talvez alguns objectos cinematográficos, pela sua natureza, peçam outro tipo de abordagem crítica. Acredito que assim seja e acredito que A Turma esteja algures num plano diferente. A minha dúvida prende-se com o facto de, como afirmei a abrir este post, a minha profissão me aproximar tanto da personagem do professor e me fazer olhar aqueles rapazes e raparigas com uns olhos muito semelhantes aos que utilizo quando olho os rapazes e raparigas nas minhas salas de aula. Esta situação poderá retirar-me distanciamento crítico, criando uma empatia específica com A Turma, empatia essa que nem sempre consigo estabelecer com os filmes que vejo.

Resumindo, A Turma parece-me um objecto muito interessante sob vários aspectos: o realismo das personagens e das situações, a revelação do ambiente que se vive "entre as paredes" de uma escola, serve para mostrar a quem julga saber o que ali se passa aquilo que, afinal, está muito longe de, sequer, imaginar. Terá defeitos, certamente que os tem. Mas esses o espectador que os descubra por si próprio.

A ver, por professores e não professores, sem compromisso de empatia garantida.

sábado, março 28, 2009

O santo coelho


A embalagem do preservativo é um achado! O gesto do velho Ratz é de desespero e a mensagem um desabafo incontido: "Eu disse não!". Braços ao ar, caraças, que estes gajos não aprendem! São piores que coelhos e não há nada a fazer.
Diz-se por aí que foram enviados 60 mil destes lá para casa do velhote. Não acredito que tenha tempo de os usar a todos no tempo que lhe resta... mas pode sempre tentar!

O coelho dos ovos


Entre todas as personagens que povoam o nosso imaginário colectivo há uma que, pela sua estranheza, sempre me deixou intrigado. Falo do coelhinho da Páscoa. A estranheza vem da relação entre o coelho e os ovos que, segundo uma tradição pouco clara, ele deixa por aí, à espera de quem os recolha. De onde vem esta relação anti-natura?
Procurando no Google (esse oráculo extraordinário) encontram-se referências não muito claras quanto à origem de tão estranha personagem.
A que parece mais lógica, ainda assim, é a de uma lenda que conta a história de uma mulher muito pobre, que não tinha presentes para oferecer aos filhos no domingo de Páscoa. A mulher cozinhou alguns ovos de galinha que depois pintou. Dotada de grande imaginação, teve a ideia de colocar os ovos dentro de um ninho que escondeu no quintal, entre as ervas. Quando as crianças encontraram os ovos, um coelho apareceu por perto e fugiu; as crianças acreditaram que o coelho havia posto aqueles ovos coloridos. Assim terá surgido esta crença que depois se propagou até aos nossos dias. Hoje os ovos são de chocolate e fazem parte de uma tradição comercial que a maioria das pessoas respeita quase religiosamente.
Podia ter aparecido às crianças um cão ou um gato, qualquer coisa assim, e hoje teríamos outro tipo de bicharoco a dar este toque surreal ao nosso imaginário infantil. A credulidade humana não tem limites e alguns adultos terão estado na origem de crenças bem mais bizarras do que esta mas que, com o tempo, se transformaram em factos reais. Faz parte da nossa condição.
Seja como for, o coelhinho da Páscoa, é uma daquelas figuras abstrusas que povoam o nosso universo consumista e que aceitamos com alguma indiferença, sem questionar a sua origem, tal como fazemos com o Pai Natal vermelhusco ou os monstrecos do Halloween.
este post foi originalmente publicado aqui http://jornaljanselmo.blogspot.com/

quinta-feira, março 26, 2009

Drogaria


Será mais um sinal da crise mundial? Ao que tudo indica, os paradigmas do combate ao consumo de droga estão prestes a ser virados de pantanas. Após anos e anos de luta armada contra o consumo de determinadas drogas, chamadas "leves" em que o resultado mais visível foi o aumento continuado do consumo, as cabeças pensantes da nossa sociedade global começam a imaginar outros meios de encarar a questão. Fala-se agora abertamente da possibilidade de despenalizar o consumo ou regular o tráfico de canabis. Estas medidas, já adoptadas em alguns países mais avisados, estão a ganhar terreno ao combate cego que tem sido norma na maioria dos países ocidentais.

Os argumentos contra e a favor são os mais variados. No ponto em que nos encontramos, com as economias em marcha atrás, surgem as contas feitas pelos economistas de serviço que prevêm a possibilidade de ganhos substanciais para os cofres dos estados, caso venha a legalizar-se o comércio de canabis. Contas feitas prevêm-se milhões de lucros mágicos que poderão ser melhor aplicados em benefício da sociedade. Lucrar-se-à com os impostos a aplicar, lucrar-se-à com poupanças em termos de investimento no combate à droga.

Assim como assim, num mundo com milhões de alcoólicos que podem consumir o seu úisque sem problemas de maior, bem como outros milhões de viciados em barbitúricos e outras drogas que se transaccionam nas farmácias, não parece má ideia trazer a doçura da canabis para o universo da legalidade. Basta alargar o conceito de droga.

Será a televisão uma droga? E o açúcar? Talvez o chocolate e a fast-food pudessem entrar no pacote das "substâncias" proibidas. Já estou a imaginar milhões de viciados em MacDonald's a devorarem hamburgueres escondidos atrás de caixotes de lixo, disputando a cães e a gatos uma batatinha frita com ketchup.

Não há nada como acenar com uns maços de notas à frente dos governantes deste mundo, para os fazer mudar de ideias. Em tempo de crise legalize-se a canabis, pois então. Não virá daí grande mal a este mundo. Hoje a canabis, amanhã... quem sabe?

segunda-feira, março 23, 2009

Orações


Pronto, faça-se justiça. Afinal a conversa do Papa sobre o uso de preservativos em Áfirca não devia ser considerada uma vez que, a crer no que se diz por aí, o Sumo Pontífice terá sido levado a pronunciar aquelas enormidades incitado por um jornalista habilidoso que apenas pretendia criar um facto noticioso. O Papa disse muito mais coisas, coisas bem piedosas, mostrando o seu lado bom, de quem se preocupa sinceramente com os males do mundo. Bem me queria parecer que o homem, perdão, o Santo homem, não podia ser tão irresponsável que fizesse daquele tema assunto de conversa por sua livre iniciativa. Uma coisa é o que ele pensa, outra o que ele diz e, ainda outra coisa, é o que faz parte dos discursos oficiais. São tudo coisas diferentes.

O papa despediu-se pedindo ajuda para os mais necessitados, o que é bem mais importante do que pedir preservativos para os mais atesoados. Denunciou a miséria e a corrupção, o que, em Angola, é feito ao alcance de muito poucos. Só mesmo o Papa poderia falar desses temas sem ser imediatamente enviado para fronteira com um carimbo de "indesejado" bem marcado no meio da testa.

Enfim, depois do post em que tão duramente desanquei o Santo Padre senti úm impulso súbito de escrever este, quem sabe iluminado por Deus ou por outra razão qualquer que não sou capaz de explicar. O Papa é o Papa e não pode desejar o mal a ninguém. Pois não?

sábado, março 21, 2009

Uma visita agradável


O Visitante é um filme excelente. Prefiro começar assim, para que tudo fique explicado logo à partida, porque o filme deixou-me com um sorriso nos lábios que regressa, sem esforço, quando me recordo daquilo que vi.

O argumento é envolvente, as personagens perfeitamente credíveis e a narrativa escorreita. Cada imagem é pensada e enquadrada com um rigor estonteante, encaixando-se na perfeição geral sem hesitar nem forçar o olhar do espectador. É tudo melhor que muito bom. Mas há uma coisinha que se destaca extraordináriamente, o desempenho de Richard Jenkins (na foto) que lhe valeu a nomeação para o Oscar de melhor actor que viria a ser atribuído a Sean Penn no papel de Milk. Este gajo é um senhor!

O Visitante é mais um daqueles filmes de baixo orçamento que apostam tudo na narrativa e na profundidade dramática em detrimento do efeito fácil e do jogo rodopiante da câmara de filmar. Conta-se uma história e o espectador entra nela sem precisar de pedir licença.
Entramos no filme como visitantes convidados e sentimos que somos muito bem-vindos.

sexta-feira, março 20, 2009

Um cartoon



Este cartoon foi ontem publicado no Inimigo Público. Os cartoons de António Jorge Gonçalves (e não só os cartoons) proporcionam normalmente excelentes momentos de reflexão. Este "Monster" não foge à regra e tem qualquer coisa a ver com o post publicado neste Blogue com o título de "Cabeça de dossiê". A perspectiva do leitor/observador é a cor-de-rosa.

quarta-feira, março 18, 2009

Shame on you


Não é por nada mas parece-me pouco decente falar daquilo que não se conhece. Quero dizer, não me atreveria a dar opinião pessoal sobre a melhor forma de comunicar com Deus por não ter formação teológica. Tenho cá umas ideias, muito minhas, meio estranhas mas, benza-me Deus, nunca por nunca seria capaz de as impor a quem quer que fosse, não fosse eu estar errado e obrigar alguma alma mais simples a cair no Inferno por culpa da minha visão distorcida.

Nesta ordem de ideias penso que o Papa não devia mandar bitaites sobre questões relacionadas com sexo, muito menos sobre um problema com a gravidade da pandemia da SIDA. Um homem que nunca fez amor não pode imaginar o que isso seja, nem que tenha beneficiado de iluminação divina. Há coisas que o Deus dos católicos prefere ignorar. É um Deus que vira a cara quando não quer ver e permite que o Mal anda por aí a curtir na boa.

Não pretendo comparar-me com o Papa. Ele não o merece. Mas aquelas afirmações assassinas de que a questão da SIDA não se resolve com a distribuição de preservativos tira-me do sério. Ninguém diz que o uso do preservativo resolve o problema, mas ninguém, com um mínimo de honestidade intelectual, pode negar que o atenua. A meu ver, o Papa é uma espécie de preservativo contra o Pecado. Não acaba com ele mas, devidamente utilizado de acordo com a literatura inclusa, pode evitar a sua proliferação descontrolada.

Enfim, só papa a mensagem deste ex-cardeal quem estiver mesmo desesperado e com uma fome de cão. Talvez Ratzinger esteja convencido que passou para outra dimensão da realidade, tendo-se tornado supra-humano, na antecâmara do querubim. Seja lá o que for, não há paciência para tanta desumanidade.

Shame on you, Mister Pope, shame on you!

terça-feira, março 17, 2009

Cabeça de dossiê


Na imagem Josef Fritzl esconde a cara atrás de um dossiê azul durante o seu julgamento em Sankt Poelten. Estranha atitude. Mas, numa personagem como esta, capaz de encerrar a filha num buraco ao longo de décadas, praticando actos inqualificáveis, que poderíamos esperar senão uma nova bizarria?
Há pessoas exageradamente estranhas. Na verdade todos somos estranhos, havendo uma espécie de estranheza média que designamos vulgarmente por "normalidade". Mas é impossível, para cada um de nós, imaginar o que é o outro. Como será estar dentro da cabeça do outro?
Olho para a imagem e sinto-me inclinado a agradecer ao monstruoso Fritzl o facto de substituir a sua face inquietante por aquele dossiê azul. É-me absolutamente impossível imaginar como será estar dentro daquela cabeça de dossiê.

domingo, março 15, 2009

Desejo


O desejo tem um nome, tem um rosto, corpo e vive junto a mim.

sexta-feira, março 13, 2009

Andar aos papéis


No filme de Terry Gilliam, Brazil, há uma personagem interpretada por Robert de Niro, que acaba devorada por um monte de papéis. Esta metáfora de uma voracidade insaciável revelada pela burocracia não é tão exagerada quanto possa parecer, assim, à primeira vista. A burocracia come-nos, de facto.

Come-nos o tempo que temos, come-nos a paciência, beberrica delicadamente a nossa energia e, de sobremesa, despacha-nos a capacidade de trabalho. Quando acaba estamos esgotados. E a burocracia arrota, satisfeita, deixando no ar um leve fedor àquilo que nós somos.

O mais estranho nesta Babel de escritórios sombrios é que somos nós quem a construimos a cada dia que passa. É a nossa incapacidade para lhe resistirmos que permite ao sistema burocrático um crescimento uniformemente acelerado, um universo de perversidade em expansão. O infinito parece ser a única fronteira capaz de o suster e, finalmente, saciar a vontade que tem de tudo encobrir na sua penumbra bafienta.

A forma como hoje dancei atrás de certos papéis, rebuscando montes, pilhas e cadernos de papéis, aparentemente todos iguais, como corei por ignorar a existência de uma certa pasta que era suposto conhecer melhor do que a minha própria família. As vezes que tive de bater à porta, enfiar a cabeça e pedir licença, sorrir embaraçado e, por fim, explodir (um pouquinho) confessando a minha capitulação perante a força desta besta invisível, declarando alto e bom som odesprezo que me merece, toda esta jiga rocambolesca me cansou. Fiquei a sonhar com um desenho que irei fazer e a matutar sobre a melhor estratégia para construir o teste de 2ª feira sobre Impressionismo e Pós-Impressionismo. Depois será necessário introduzir o tema da "Arquitectura do Ferro", construir a biografia de Gustave Eiffel e organizar uma pasta com imagens do seu trabalho.

A burocracia vai-me roendo a alma mas está longe de ma conseguir comer. Um papel timbrado, com três carimbos e duas assinaturas não é uma obra de arte. É um papel.

segunda-feira, março 09, 2009

Domingo


Ontem fui caminhar pelas ruas da Cova da Piedade. Caminhar, apenas, virando nas esquinas sem destino, a cabeça a vaguear juntamente com os olhos; a ver. A banalidade absoluta de um Domingo com sol quentinho, sol de fim do Inverno, a merecer celebração profana, tais são as promessas que traz agarradas e memórias que, com ele, renascem; como flores, como folhas, como ramos que o passado esconde e revela, conforme recordamos ou esquecemos.

Uma velha senhora a secar o verniz das unhas ao sol, com os cotovelos apoiados no parapeito da janela e abanando as mãos, como se estivesse a fazer um gesto de uma coreografia à Michael Jackson; um homem de aspecto derrotado, enfiado num casaco outrora branco e óculos fora de moda que talvez regressasse a casa (uma casa que imaginei vazia), desalentado e com vontade que a vontade fosse outra coisa; uma florista a formigar de clientes (era Dia Internacional da Mulher); um homem enorme, gordo e careca, transportava um vasinho desajeitado com uma flor vermelha a cair para o lado que parecia querer fugir (do homem ou do vaso?); um bando de miúdos a jogar futebol, corados, suados, gritando a plenos pulmões gritos que são vida enorme e cheia de futuro.

Caminhando pelas ruas dei por mim extasiado perante o espectáculo daquela banalidade absoluta, espantado pela riqueza que existe nas coisas que não são nada mas que, todas juntas, acabam sendo tudo, expressões simples da complexidade da vida.

A Cova da Piedade é um sítio feio, de prédios meio decrépitos e horizontes curtinhos, emparedados por fachadas de janelas sujas e todas demasiado semelhantes. As pessoas vestem-se, quase sempre, com roupas de cores escuras, como se se identificassem absolutamente com o espaço que as circunda, e parecem arrastar os pés, como zombies à procura da tumba respectiva. Mas a vida é uma coisa maravilhosa e as suas manifestações são sempre deslumbrantes, mesmo num cenário como este. Talvez ainda mais deslumbrantes num cenário como este. Aqui parece ser complicado encontrar a felicidade. Mera ilusão. Nem sequer é necessário procurar com grande afinco. Basta andar, abrir os olhos e ver.


sábado, março 07, 2009

Watchmen e Happy-Go-Lucky




Ontem vi Watchmen e hoje Happy-Go-Lucky. Assistir a dois filmes tão diferentes num tão curto espaço de tempo é uma experiência curiosa. Watchmen levou-me para um universo impossivel, Hppy-Go-Lucky trouxe-me de regresso a este mundo.


O filme de super-heróis é uma adaptação bastante fiel do comic book que lhe dá origem. O filme de Mike Leigh é uma adaptação bastante fiel da realidade.


É estranho como se pode gostar de dois objectos tão distintos. Mas aconteceu. Um e outro preencheram-me de formas diferentes, ofereceram-me um leque de sensações extraordinariamente amplo, fizeram-me perceber pela enésima vez como gosto de cinema e da sua infinita magia.


Fiquei a pensar nisto de tal maneira que nem sei o que dizer. Portanto, para não dizer o que não sei, não digo mais nada.


quinta-feira, março 05, 2009

Vigilantes

Watchmen no écrã e na págna do comic book


Estreia hoje um filme daqueles que nem toda a gente vai querer ver por ser uma coisa que mete personagens saídinhas de um Comic americano, personagens com fatos ridículos e coloridos, enfiadas em collants e com a cabeça ocupada por problemas mais cósmicos do que cómicos. Estou a falar de Watchmen, pois estou.

Pesoalmente sou fã de loo0nga data. O meu exemplar em papel de Watchmen tem anotado o ano e o local de aquisição: 1990, Livraria do Duque. Há 19 anos!

Lembro-me de se ter dito, naquela época longínqua, que estavamos perante uma obra-prima da Banda Desenhada (ou dos Comics ou das Histórias em Quadrinhos, como quisermos). Absolutamente de acordo. Alan Moore é um autor inventivo que raramente se satisfaz com as coisinhas que já fez (mesmo que sejam enormes ou excelentes) e pretende fazer melhor da próxima vez. Por isso, enquanto houver "próxima vez" para Moore, poderemos estar atentos e esperançados.

Regressando ao aqui e mais daqui a bocado; o filme vem fazendo furor. Como de costume, o trabalho de promoção tem sido eficaz. Vão-se mostrando umas imagens, vai-se "metendo o veneno" na cabeça dos espectadores, a vontade de ver cresce, cresce, cresce. Chovem elogios, os actores confessam o entusiasmo que sentiram por poderem ter feito parte de um projecto de tamanha excelência, enfim, enquanto não for ver, uma pessoa tem a sensação de estar incompleta (a publicidade ainda vai dar cabo de nós!).

Pronto, estreia hoje mas, possivelmente, só irei ver amanhã. Hoje tenho trabalho importante para realizar, não há um buraquinho que seja para permitir uma fuga até à escuridão da sala de cinema.

A minha filha, no esplendor dos seus 15 anos de idade, está impaciente por ir ver o filme. Eu também, confesso e apesar de tudo. Ela já prometeu que irá ver o filme 5 vezes. Eu ainda não prometi nada. Mas se a coisa for mesmo tão extraordinária como a pintam... quem sabe?

quarta-feira, março 04, 2009

Gran Cinema


Deve ser da idade. Clint Eastwood assina mais um filme de grande contenção narrativa e rigor de composição, aquilo a que, em tempos de um outro cinema, mais veloz e sincopado, costumamos chamar "um clássico".

Este "Gran Torino" possui as características que associamos aos "clássicos" (partindo do princípio que estamos a referir a arte produzida no período áureo da Antiguidade): equilíbrio, harmonia, simetria, enfim, a busca de uma forma plástica de contornos nítidos e bem definidos. Não há desvios nem elementos supérfluos. Não há movimentos de câmara desnecessários nem planos estranhamente enviesados. Não há personagens sem espessura nem cenas "para encher" o tempo ou o olhar do espectador. Ali tudo está ao serviço do objectivo principal: narrar uma história. Grande cinema, em grande estilo.

Como se tudo isto não bastasse, há ainda a presença magnética do realizador que é, cada vez mais, um gigante dentro da enormidade dos seus filmes. Ouvi dizer que Eastwood afirmou ter sido esta a sua última aparição no grande écrã, na qualidade de actor. Se foi, podemos dizer que tem uma despedida em grande estilo. Deitado de costas e em posição de Cristo, oferecido em sacrifício para redimir todos os pecados cinematográficos cometidos por gerações de realizadores menos atentos e menos capazes do que ele. Eastwood perdoa-lhes. Estão perdoados.

Um filme, absolutamente, a não perder.

segunda-feira, março 02, 2009

Céu cinzento, vinha vermelha


Que responder ao céu cinzento de um dia que amanheceu pouco esperançado? Nem o café matinal foi capaz de afastar esta coisa, esta espécie de mosca interior que me patinha irritantemente as ideias. As coisas melhoraram um pouco com uma leitura rápida de algumas notas sobre Van Gogh, para a aula que se vai seguir.

Costuma afirmar-se (com toda a propriedade, aliás) que o irmão de Vincent Van Gogh, Theo, marchand de arte e patrocinador do artista, conseguiu apenas vender uma tela de todas as que recebeu em troca do seu patrocínio.

Foi esta "Vinha Vermelha" de 1888, vendida por 400 francos (Theo enviava todos os meses 150 a Vincent). Um raio de luz na vida apocalíptica de Van Gogh que, apesar de procurar a luz com uma sofreguidão extraordinária, passou mais tempo com uma mosca a patinhar-lhe a escuridão da caverna que lhe encerrava o cérebro.

Mmmmh, agora que leio este texto não consigo perceber muito bem onde lhe encontro eu um raiozinho de esperança para o que me resta deste dia. Tenho de ir para a sala de aula. Talvez ali a coisa se ilumine.

domingo, março 01, 2009

A Árvore de Courbet


Pessoalmente, sempre relacionei o título de "A Origem do Mundo" com a semelhança que a meus olhos existe entre aquela imagem do sexo feminino e uma árvore.

Isto leva a que, no meu rebuscado imaginário, tingido por uma educação católica, apostólica e romana, a Árvore do Conhecimento, cenário do Pecado Original, se irmane de súbito com a inquietante visão daquele sexo feminino, tão exuberantemente enquadrado na tela de Courbet. Como se o pintor quisesse sugerir que a origem deste mundo tivera no Pecado Original o seu acto fundador.

Sendo um adepto fervoroso do Realismo, Courbet não era particularmente dado a especulações transcendentais. Terá afirmado que nunca pintara um anjo por nunca ter visto um "Mostrem-me um anjo e eu pintá-lo-ei."

Mas, mesmo assim, e apesar de tudo o que nos últimos dias se disse acerca da pintura de Courbet continuo a ver ali uma árvore. Um símbolo oferecido a uma sociedade machista, o Fruto Proíbido, na abstrusa concepção católica que olha o corpo da mulher como uma fonte inesgotável de luxúria e pecados mortais, capaz de lançar o maior dos santos nas profundezas do Inferno caso ceda à tentação de o provar.

Talvez esta minha leitura de "A Origem do Mundo" tenha algo de púdico por me poupar a olhar para a tela e ver ali apenas uma simples vagina. Reminiscências de uma infância católica? Talvez. Mas é essa leitura que me permite afastar a ideia de que esta tela é, simplesmente, uma imagem pornográfica. Para mim continua a ser "A Árvore de Courbet".