quinta-feira, maio 15, 2008

Desculpas


O Bartoon de hoje no suplemento P2 do Público lança um olhar sobre a (quase) patética questão do "fumício" ministerial no já tristemente célebre vôo em direcção a Caracas. O 1º ministro pediu desculpas e até tomou a decisão de deixar de fumar. Parece pretender colocar uma pedra sobre o assunto ao assumir esta espécie de auto-flagelação como forma de expiar o seu pecado cívico.
Luís Afonso é um cartoonista genial. A sua capacidade de acompanhar os acontecimentos do nosso quotidiano com leituras extremamente inteligentes e estimulantes é assinalável.
A questão que eu gostaria de colocar é a seguinte: basta um pedido de desculpas para que possamos passar adiante de tão ridículo acontecimento?
Quer-me parecer que, antes de passarmos adiante, deveremos reflectir um pouco mais sobre a natureza e o espírito da coisa. Por um lado, Sócrates e os seus "muchachos" foram (e são) responsáveis por uma lei antitabagista arrasadora e fundamentalista e respectiva aplicação.
Começa a constituir motivo de lenda a forma desapaixonada e descabelada como a ASAE actua em todas as situações de repressão perante o desrespeito da Lei. Funciona quase como uma seita, uma espécie de Ku Klux Klan, que nos protege de nós próprios e da nossa tendência para caírmos que nem patinhos nas terríveis malhas que o vício tece. O guru máximo da coisa é o próprio Sócrates, agente implacável das reformas necessárias para colocar Portugal nos eixos, conferindo-lhe alguma credibilidade num contexto de "limpeza" eco-democrática. O próprio 1º ministro faz jogging para as câmaras de TV, mostrando saúde e, pelos vistos, fuma umas cigarradas lá atrás, nos bastidores. Está mal.
O problema de se ter tornado público o episódio do fumo aéreo da comitiva ministerial não é tanto o acto em si mas sim o que ele tem de simbólico. Então o guru da sanidade cívica desrespeita uma regra de ouro da coisa? É como aqueles puritanos fanáticos religiosos que são apanhados a dar umas quecas descontroladas em prostitutas de luxo ou entregando-se a devaneios homossexuais que publicamente repudiam.
"Faz o que eu digo, não faças o que eu faço". Sócrates poderia assumir esta postura mas não. Ele pretende ser perfeito. Pretende ser Engenheiro e tudo. Sócrates, ao fumar naquele fatídico vôo intercontnental, mostrou que não passa de um pretensioso. Aquela imagem de rigor implacável que tão meticulosamente alimenta é, afinal, de uma fragilidade vítrea. Se cede tão facilmente ao vício de fumar que desrespeita alegremente uma lei por ele imposta com soberba e paixão exagerada, como será com questões de outra natureza que exijam concentração e seriedade? Um homem de Estado como o que Sócrates pretende ser, está muito acima destas merdices. É muito superior a isto. Mas, afinal, Sócrates mostra que não é aquilo que pretende ser. É um fracote como eu que continuo de cigarro ao canto da boca e procuro a todo o momento desculpas para ir contra as minhas próprias convicções desde que isso me proporcione prazer imediato ou atenue uma qualquer sensação de desconforto.
Não, meu caro, esse seu pedido de desculpas não basta. Pode ter a certeza que vai ter de pagar por isso. Falta decidir ou desvendar essa forma de pagamento.

2 comentários:

Anónimo disse...

O Luís Afonso é, também o acho, um excelente cartoonista, e este é mais um bom exemplo disso.
O problema da fumaça dos nossos queridos governantes, é o de se sentirem num mundo à parte. Independentemente de virem a pagar, de alguma forma, por todas estas demonstrações de prepotência, só o facto de tentar resolver o assunto com um pedido de desculpas, reforçado com a promessa de deixar de fumar, é de veras significativo. Então a lei não estabelece uma penalização hrzkqapara esses casos? Então esses men são fora-da-lei?

Silvares disse...

Dizes bem Albino, não serão foras-da-lei mas mais uma espécie específica que se dá muito bem nas pastagens nacionais que são os animais acima-da-lei.

Tudo bem Antero, já fui ler o teu comentário/opinião no Expresso.