Quando estive em Londres, no mês de Agosto, este cartaz andava por todo o lado.
Na minha qualidade de velho devorador dos livros de Philip K. Dick isto dizia-me qualquer coisa. Trata-se da adaptação cinematográfica de O Homem Duplo, na versão portuguesa editada pela colecção Argonauta (nº 316), traduzida pelo saudoso Eurico da Fonseca (ainda é vivo?).
As edições da Argonauta são intragáveis. Na adolescência li uns atrás dos outros. Heinlein, Ursula Le Guin, Frederick Pohl, o inesquecível Aldriss. Nos dias que correm é-me absolutamente impossível regressar a essas leituras já que as versões portuguesas são piores que más e o tempo fez de mim um consumidor muito mais exigente.
O que me dói mais é não ser capaz de regressar a Philip K. Dick (nem as edições da Europa América se safam). Ficaram memórias esquemáticas dos contos exemplares deste maluco encartado. Entre elas O Homem Duplo é das mais brilhantes (Blade Runner, Os 3 Estigmas de Palmer Eldrich ou Os Clãs da Lua de Alfa continuam perfeitamente nítidos na confusão das memórias da adolescência) pela extraodinária lucidez com que aborda a fritura dos miolos que é provocada pelo consumo exagerado de drogas.
Em A Scanner Darkly/O Homem Duplo, Dick consegue ser comovente pela lucidez que empresta ao leitor na sua visão alucinada do mundo dos junkies. A personagem central é um polícia de uma força especial ultra secreta que recebe uma missão bizarra. A força policial a que pertence é tão secreta que a sua função é vigiar-se a si próprio e aos que vivem com ele 24 horas por dia...
Os resultados são trágicos e caóticos para o pobre polícia (ou será ele um junkie?) com um final absolutamente inesperado.
A versão cinematográfica conta com o zombie Keanu Reeves, certamente no protagonista, e mais uns quantos actores sem grande chama. Não faço ideia quem seja o realizador (não me dei ao trabalho de procurar) nem nada disso me interessa minimamente. Sei que, quando estrear por estas bandas, vou ver, dê lá por onde der.
As adaptações de K. Dick para o cinema nem sempre têm sido particularmente felizes. Talvez O Relatório Minoritário de Spielberg tenha sido capaz de actualizar o extraordinário Blade Runner, obra maior de um cineasta menor (Ridley Scott).
Mas, na verdade, o que interessa isso. O que aí vem será outra coisa e é essa coisa que havemos de ir ver!