Aqui há dias foi notícia a pretensão da Opus Dei em pressionar quem de direito no sentido de classificar para maiores de 16 anos a versão cinematográfica do Código da Vinci.
Na sua qualidade de guardiões da pureza da fé católica, estes fundamentalistas religiosos argumentam que a obra de Dan Brown (que não li ainda nem sei se algum dia vou ler) distorce a verdade dos evangelhos criando confusão nas mentes mais imberbes. Acham eles que as crianças não estão preparadas para distinguir a verdade da mentira, a realidade da ficção. Partem do princípio que os evangelhos adoptados pela igreja católica são intocáveis e inquestionáveis.
Num regime de liberdade religiosa estão no seu pleno direito ao emitirem uma opinião. O que transparece desta pretensão é a sanha fundamentalista que anima estas personagens ao ponto de proporem a censura de opiniões contrárias à fé que os anima. O rótulo de "maiores de 16" parece-lhes, decerto, castigo pouco severo, mas a sociedade democrática não lhes permite mais do que isto.
Uma outra notícia sobre as reacções descabeladas de alguns países islâmicos em relação à publicação de alguns cartoons num jornal dinamarquês e, posteriormente, num outro, norueguês, merece também alguma reflexão.
Os cartoons em questão (dois deles na imagem) representam Maomé em cenas consideradas mais do que sacrílegas. A coisa bateu mesmo mal nas cabeças mais afundadas nos turbantes bafientos do fundamentalismo.
A Arábia Saudita foi ao extremo de retirar o seu embaixador de Copenhaga e a Líbia encerrou a sua missão diplomática naquela cidade. O Egipto poderá tomar atitude do género.
Na Faixa de Gaza houve mesmo quem se desse ao trabalho de cercar a representação local da União Europeia, exigindo desculpas da Dinamarca e da Noruega, como se os governos tivessem alguma responsabilidade editorial num país democrático. Queimaram bandeiras na rua e tudo, como de costume.
Este episódio mostra como estamos longe uns dos outros e somos incapazes de nos entendermos em aspectos básicos. No islão as imagens são olhadas com uma desconfiança doentia e a religião é mais que o ópio do povo, é autêntica poluição intoxicante. No ocidente temos direito a máscaras anti-gás mas não estamos livres de algumas tentativas de impor a crendice à razão.
O poder das imagens ultrapassa o valor banal que lhes atribuimos. Estamos de tal modo familiarizados com elas que nos esquecemos da sua função primordial: a magia.
Quando riscamos uns cornitos na fotografia de uma pessoa de quem não gostamos ou lhe pintamos uma barba comprida, estamos a praticar uma pequena magia, à maneira do que, julgamos, os caçadores paleolíticos faziam aos bisontes representados nos tectos das cavernas.
Vivemos numa civilização de imagens. Esquecemos que há quem as proíba ou impeça a sua livre produção. Isso é, simplesmente, inconcebível nos dias que correm a ocidente.
O mistério da arte persiste.