Jerónimo Bosch, Christ Mocked (Crowning with Thorns)1495-1500Oil on wood, 73 x 59 cmNational Gallery, London
O gajote à esquerda, com a barbicha branca, é um turco (note-se o pormenor na aba da cobertura da cabeça). Teremos de retirar esta obra-prima da parede por ofender a nação turca? Ai, ai, e ainda falam da crise dos cartoons...
Afinal o Papa ama os turcos e os turcos amam-no a ele. Tal reviravolta nos sentimentos que animam as alminhas das pessoas mostra com clareza a natureza humana e a forma como os
mass media nos moldam com mais facilidade que uma criança a brincar com plasticina.
As notícias mais recentes da visita do Papa (Ratzinger ficou em casa e não o acompanhou à Turquia) falam de uma paixão inesperada entre o Sumo Pontífice e a nação turca. "Amo os turcos" era ontem título de capa de um diário lá da terra. Um cronista pró-islamista no jornal
Posta chegou muito longe ao escrever, delirante de paixão: "Adoro este Papa e desejo-lhe as boas-vindas de todo o coração: bem-vindo irmão" segundo a AFP.
Tanto amor súbito estará relacionado com o apoio do Papa à adesão turca à União Europeia? Talvez sim , talvez não. Convém lembrar que a Comissão Europeia se manifestou, já depois da chegada do Papa à Turquia, no sentido de recusar a adesão deste país à União caso não seja alterada a sua posição relativamente a Chipre no que toca a reconhecimento de regime e abertura das fronteiras sem restrições. Os turcos não querem ceder e os europeus contrários a este alargamento encontram aqui o pretexto ideal para aferrolharem o portão à quinta.
Analisando estas cabriolas pânicas dadas pelo Papa sou levado a imaginar que Ratzinger ficou em casa propositadamente, para que a igreja católica possa aparecer aos olhos dos turcos como uma espécie de amiguinha, ao contrário da comissão europeia que será vista como uma gaja arrogante, invejosa da formosura turca, incapaz de a aceitar a viver no mesmo prédio. Se assim fosse, a igreja católica ganharia uma imagem bem positiva aos olhos da opinião pública turca passando o ónus de um eventual falhanço na tentativa de adesão exclusivamente para a esfera da política, deixando de lado a questão religiosa. Perverso, não? Mas isto sou eu a pensar, é claro, o Papa é muito mais inocente nas suas intenções e nunca poderia ir tão longe em termos de calculismo cínico. Evidentemente.
Além do mais há a questão da suposta revolta do povo turco e da sua oposição à visita do Papa. Todos pudemos ver até à exaustão imagens de manifestações de rua com cartazes e palavras de ordem vulcânicas, invectivando o Papa e o mundo ocidental, imagens essas apimentadas com declarações assoberbadas de velhinhas histéricas e turcos barbudos cuspindo ódio para os microfones. Tanta animosidade esteve na origem das excepcionalíssimas medidas de segurança que envolvem a figura papal nas suas deslocações em solo, a bem dizer, infiel. O homem, mesmo que especialmente protegido por Deus por ser quem é, teve de ser corajoso para avançar com a visita. Se não fosse Papa poderíamos mesmo dizer que "foi preciso ter tomates!"
Agora, após as declarações de mútua paixão atrás referidas, sou levado a imaginar a possibilidade tudo isto ter sido manipulação mediática lançando uma cortina de fumo sobre as verdadeiras motivações da ida do Papa à Turquia. O gajo, cá pra mim, foi fazer o velho número de cordeiro com lobo voraz debaixo da pele e ninguém está a reparar no tamanho desmesurado dos dentes nem na extensão pouco usual das suas santas orelhas. Nem nós, nem os turcos.
Há certas ocasiões em que nos faz falta o Capuchinho Vermelho. Alguém que faça as perguntas incómodas na altura certa.