domingo, dezembro 31, 2006

Ano Novo

Que o novo se distinga com clareza daquele que hoje termina é o desejo de, pelo menos, 99 das minhas 100 cabeças.
Sei que é um desejo algo ambíguo mas, como me ensinou o Mestre Jorge Pinheiro, "A boa pintura vive do contraste, sem contraste não há pintura!".
Ampliando o campo de aplicação deste conceito, excelente e límpido, podemos facilmente compreender que a uniformização é uma doença e que o consenso sem discussão é a pasmaceira absoluta. Daí que o meu desejo para o Ano Novo vá nesse sentido, seja lá isso o que for.
Distinguir claramente 2007 de 2006 poderá significar, dentro de 365 dias, muitas coisas diferentes. Poderemos ter maiores calamidades, guerras mais arrasadoras mas também maiores avanços em direcção a uma civilização mais ética e mais atenta à estética da vida.
Enfim, venha o que vier, desejo que possamos viver o futuro com a mesma intensidade com que vivemos o presente.
!!??
Bom Ano.

sábado, dezembro 30, 2006

Está feito

Saddam Hussein foi enforcado esta madrugada juntamente com o seu meio-irmão e mais o antigo presidente do tribunal revolucionário. Está feito.
Continuo a pensar que o enforcamento foi uma espécie de prenda de Natal para o antigo ditador iraquiano. Talvez tivesse sido castigo mais apropriado deixá-lo viver.

Apontamento súbito!

A aceitação da existência de um deus criador e, sobretudo, a crença abjecta num deus controleiro e castigador, inquina há demasiado tempo o pensamento dos mais simples de entre nós.
A ideia de deus é uma tentativa de expressão da Beleza mais absoluta. Deus, Ele próprio, é uma tentativa de expressão da Beleza absoluta, um retrato imperfeito (porque meramente intuído) do Belo-em-si.
Deus será a criação mais aproximada que conseguimos daquilo a que chamamos Belo, a súmula perfeita da tricotomia ideal de Schelling: verdade, bondade, beleza.
Deus é uma obra poética com toda a potência genial de uma obra inacabada, passível de vir a ser vagamente completada por cada ser humano suficientemente audaz para aceitar o vazio da sua própria existência.

Apontamento a partir da leitura de "A Estética" de Denis Huisman

sexta-feira, dezembro 29, 2006

Arte é dinheiro?


As notícias são esclarecedoras: 2006 foi um ano dourado (e de que maneira) para o mercado da arte. Grandes nomes da arte do século passado tiveram obras em leilão que atingiram preços estonteantes. O Top-5 do comércio de pintura teve 2 quadros de Klimt, um de Picasso, outro de Willem de Kooning tendo cabido a Pollock o número 1 com o seu Number 5 (na imagem) pintado em 1948, vendido por 106,6 milhões de euros a um mexicano cheio de guito.

O que leva a pintura a atingir preços tão elevados continua a ser um pequeno mistério. Ao que parece é o desejo de ostentação que estará por detrás de muitas destas aquisições. Tal como passear um Ferrari pelas ruas da cidade ou convidar os amigos para um chá no salão do palácio, ter um Pollock pendurado na parede faz as delícias de qualquer ricaço com queda para o espectáculo.

O valor da obra de arte continua a merecer rios de tinta gastos na tentativa de encontrar razões que justifiquem tão descabelado investimento. A arte não parece ter nenhum valor próprio. O seu valor será fruto da conjugação de diferentes factores mais ou menos objectivos, circunstancial, portanto.

No passado, os poderosos investiam somas consideráveis no financiamento de grandes obras que serviam de veículo à sua posição e poder para espantar os seus pares e a populaça. Reis, papas, comerciantes e outros indivíduos capazes de concentrar riquezas imensas, encontravam no objecto de arte o espelho perfeito da sua suposta grandeza.

Longe da sua magia original, a arte contemporânea não se explica facilmente. Aparentemente a obra de arte perdeu em objectivo concreto aquilo que foi ganhando em hermetismo. Os pintores das cavernas não estavam, decerto, a decorar as paredes quando realizavam as suas espectaculares e inultrapassáveis representações de manadas de animais. Os escultores românicos, mais do que decorarem as catedrais, criavam narrativas dos textos bíblicos em pedra para espanto e temor de uma população crédula e estupidificada perante a grandeza dos mistérios da existência humana.

Ao longo de milhares e milhares de anos, aquilo a que hoje chamamos arte estabeleceu o contacto entre a nossa dimensão e os mundos mágicos onde habitam os deuses e as coisas antes de terem um nome que nos permita conhecê-las. As obras de arte eram portas à espera de serem abertas, possibilidades de viagens entre este mundo e os outros.

Na nossa sociedade, consumista e desapaixonada das coisas que estão para lá do visível, a arte ganha uma função que é estranha à sua vocação original transformando-se em algo para olhar e admirar. Simplesmente. 106,6 milhões de euros são muitos euros e qualquer obra de arte que tenha tal carta de apresentação será sempre considerada uma obra-prima!

Perante o nº 5 de Pollock poucos sentirão a paixão do pintor pela pintura, a pureza da coisa-em-si. Pelo contrário. Mas muitos compreenderão facilmente que se houve alguém capaz de pagar por "aquilo" 106,6 milhões de euros, então "aquilo" tem um valor do caraças. Nos dias que correm arte é dinheiro e dinheiro é arte. Muito sinceramente não vejo Mal nenhum nisso, mas também não vejo Bem.

quinta-feira, dezembro 28, 2006

Uma questão de prestígio

É o que dá ter uma filha adolescente que não gosta de ver filmes de animação dobrados em português além de já se arrepiar com a perspectiva de uma sala repleta de putos com menos de 10 anos, por horas de matiné. Assim sendo, depois de uma consulta rápida aos filmes em exibição no Fórum comercial de Almada, passámos o Happy Feet e Flushed Away/Por Água Abaixo e fomos fixar-nos n'O Terceiro Passo (The Prestige, no original http://theprestige.movies.go.com/) de: Christopher Nolan e com: Hugh Jackman (na foto), Christian Bale, Michael Caine além de (como é possível alguém no Cine Cartaz do Público on line ter ignorado esta senhora na ficha técnica?) Scarlett Johansson no papel de mulher (quase) fatal.
Ah, já me esquecia, o David Bowie também dá um ar da sua graça no papel de inventor misterioso.

Confesso que a minha expectativa não era nada por aí além e, no final, fiquei ligeiramente desapontado com alguns aspectos do filme.
Como é evidente não vou estar aqui a falar do enredo, digo apenas que é um daqueles enredos que não param de dar voltas sobre voltas e que são capazes de surpreender o mais atento dos espectadores no virar de cada página.
Fiquei com a sensação de que houve algum atabalhoamento na resolução de certas situações narrativas gerando, aqui e ali, alguns momentos de confusão que, apenas no final, se tornam mais ou menos claros. Esses tropeções narrativos em nada contribuem para a "espessura" dramática das personagens e retiram ao filme a possibilidade de poder ser considerado um bom filme. Na minha opinião acaba por ser apenas sofrível, apesar de momentos bem interessantes e alguma emoção.
Resumindo e concluindo: dá para ver mas, se não estiverem para "queimar" nele uma ida ao cinema, podem bem esperar que saia em DVD.
Para terminar quero ainda dizer que Hugh Jackman faz melhor o Wolverine nos filmes dos X-Men. Aqui parece um patinho fora de água.
Ah, vi também a apresentação de Apoclypto, o "tal" filme de Mel Gibson. Bastante impressionante.

Sonhos e fantasias natalícias

Muito se tem falado do consumismo desenfreado provocado na população portuguesa pela quadra natalícia. Por arrastamento falou-se também de uma espécie de guerra à pureza espiritual da época, da substituição dos símbolos tradicionais (o presépio com toda a sua iconologia característica) por símbolos menos piedosos (o pai natal, por exemplo) e da suposta investida políticamente correcta na tentativa de despir o Natal do seu significado religioso.
Tretas!
Há muito tempo que do presépio emergiram os reis magos como principais referências,
com as suas oferendas ao Menino. Todo o barulho deste ano me parece apenas um eco difuso de algo que caíu ao chão e se partiu vai já para muito tempo mas de que só agora se ouve o estrondo.
A Igreja Católica lá resolveu vitimizar-se, fazer papel de coitadinha, com as histórias de professoras espanholas que terão deitado para o lixo os presépios feitos pelos seus pequenos aluninhos inocentes (espero que ao menos tenham separado os materiais para reciclagem) e outras patranhas do género.
Com a batalha do referendo do aborto a aproximar-se a passos largos todos os argumentos são válidos e ainda a procissão vai no adro!
Nada disto me parece lá muito honesto e fico com a sensação de que, mais uma vez, a caixa de ressonância dos mass media transformou o piar de um pardal em rugido de tigre da Malásia.
Enfim, depois de uns dias na santa terrinha, lá para as bandas da fria Beira Alta, o 100 Cabeças está de regresso e pode afirmar com toda a segurança que o espírito natalício sobreviveu intacto e está de perfeita saúde. Houve bacalhau e sorrisos, abraços e beijos, reencontros daqueles que só mesmo o Natal proporciona e, claro está, muito consumo, comezaina da grossa e prendas.
A tradição ainda é o que era.

quinta-feira, dezembro 21, 2006

Cabeças de cartaz















O que têm em comum todas estas personagens (e mais uma boa mão-cheia delas que não fui capaz de pescar na memória nem na NET)? Pois, acertaste, todas elas foram, à vez, cabeças de cartaz no circo ministerial da educação indígena (esta última não sei bem, não tenho a certeza quem é, mas pode muito bem ter sido ministra da educação... ou não?).

A coisa está caótica? Pois está! Mas nenhum deles tem culpa nenhuma uma vez que todos fizeram o melhor que sabiam e podiam para cuidar da educação com carinho e profissionalismo.

Quantos ministros da educação tivemos, pelo menos, nos últimos 30 anos?

Entretanto fui dar com este lugar http://www.sg.min-edu.pt/museu_3_2.htm que recomendo vivamente a todos os que se interessam pelo fenómeno educativo e são possuidores de um estômago forte e nervos de aço.

Estive a contar os bonecos e, desde o 25 de Abril de 1974, tivemos 25 ministros da educação!!! É uma média de fazer inveja a qualquer país civilizado e mostra bem a quantidade de gente com qualidades excepcionais que por aí escondida das luzes da ribalta e que, se fosse chamada a ocupar uma pasta ministerial, era bem capaz de voltar a meter a nação nos eixos! Muitos deles andam a conduzir táxis em Lisboa.

Como tivemos, decerto, muitos milhares de professores está bom de ver e fácil de calcular quem são os principais responsáveis pelo caos a que chegámos. Agora até os tribunais se metem ao barulho e vão condenando... o ministério

Primeiro por causa da repetição fraudulenta dos exames de Física e de Química, agora por não reconhecer o direito a remuneração dos professores que têm leccionado aulas de substituição. Será má vontade dos tribunais ou a equipa do ministério é, verdadeiramente, um comboio de incompetentes puxado por uma estranha locomotiva?

O homem que ri




Está feitinho. A Colecção Berardo foi avaliada para cima de um balúrdio pela insuspeita Christie's e no CCB prepara-se a exposição das obras para o grande público.
É um momento de felicidade para a cidade de Lisboa que, assim, verá inscrita nas páginas da sua oferta de turismo cultural uma importante rúbrica, capaz de atrair mais espanhóis nas diferentes celebrações de festas religiosas (Natal e Páscoa, à cabeça).
Berardo tem razões para estar satisfeito pois conseguiu alcançar um dos seus objectivos: criou um merecido espaço de celebração da sua pessoa, uma catedral dedicada aos seus feitos coleccionistas, o que muito o deve orgulhar.
A ministra da cultura lá fez o discurso da ordem afirmando que "Fazer todos os esforços para fixar a colecção em Portugal é um imperativo nacional e um dever patriótico." Isto soa um bocadinho mal. Soa a saloiice bacôca mas, vindo da boca de quem vem, não espanta nada e mostra como, para a senhora, a cultura é um bicho estranho e mal encarado. Recordo, a título de exemplo, que o governo de que a senhora faz parte prometeu elevar até 1% do Orçamento de Estado os gastos com a Cultura e, feitas as contas em nome da Santa Economia, esse investimento, afinal, caíu para 0,1%. Será a senhora que não consegue abrir a boca nos conselhos de ministros ou, mais simplesmente, quando tenta falar é mandada estar calada? Onde irá alguma vez o estado português desencantar, nos próximos 10 anos, os 316 milhões de euros necessários para aquisição da dita colecção? Penso que Berardo procurará apenas prolongar o contrato com o estado e não voltará a fazer figura de ursinho de peluche ameaçando levar os seus brinquedos para outro país caso não o deixem a ele organizar a brincadeira.

O acervo de Berardo contém muitas obras de inegável valor no panorama da história da arte do século XX, principalmente a secção Pop Art, e outras menos estimulantes apesar dos nomes nas assinaturas (recordo um Miró pouco mais que arrepiante e um pequeno mas admirável Picasso que vi em Sintra vai para uma mão cheia de anos, quando Berardo os adquiriu). No conjunto, e com uma gestão que se prevê inteligente e equilibrada, teremos à disposição do povinho um museu de arte contemporânea que, de outra forma, seria simplesmente impossível de lhe oferecer.
A partir daqui os olhares de todos os que se interessam por este tipo de fenómenos culturais vão concentrar-se no CCB e no grande Berardo, o homem que um dia julgou ter adquirido a Mona Lisa mas a quem a esposa fez notar que tinha, apenas, comprado um "print", como diz o Comendador no seu português característico.


Berardo (como podemos ver nas fotos acima) é um homem que ri. Isso é sinal de boa saúde e vontade de viver. Não se lhe exige muito mais do que isso. Portanto, será de bom tom que o Comendador mantenha esse hábito saudável e seja, de facto, um benemérito que reconhece que a ignorância é motivo de tristeza e miséria e que pretende contribuir de forma activa para combater esses flagelo do bem-estar individual e colectivo. Esperemos que Berardo nunca venha a pôr-se em bicos-de-pés. Seria uma visão ridícula e um desastre eminente.
Berardo nunca será uma bailarina.


quarta-feira, dezembro 20, 2006

Cão

Um cão dificilmente aprende a miar e, mesmo que mie, a sua vontade será sempre ladrar.

terça-feira, dezembro 19, 2006

Nós?


Time's Person of the Year: YouIn 2006, the World Wide Web became a tool for bringing together the small contributions of millions of people and making them matter.
Para a revista Time "nós" somos a personalidade do ano.
Nós todos metidos numa palavra só, "you", os que andamos pela NET a vasculhar, a escrever, a ler e mais que seja.
Nós somos a personalidade do ano por estarmos a participar na construção de um fenómeno de comunicação de massas que vai ganhando proporções mirabolantes a cada dia que passa e insistirmos nisso com persistência.
Nós, habitantes do 1º mundo, seres viventes das sociedades democráticas, mediáticas, capitalistas e consumistas, interessados na Informação. Interessados em consumi-la e em criá-la.
Nós, cada vez mais actores e, simultâneamente, espectadores da vida que nós próprios vivemos.
Nós, cientistas sociais e cobaias no nosso laboratório.
Nós, cibernautas insuspeitos.
Nós, enquanto seres virtuais, manipuladores de coisa nenhuma e de tudo, por arrasto.
Nós?

Filme de Natal

A quadra natalícia é uma época de paz, amor e gratas recordações.
É também no Natal que se aproveita a deixa e se revêem filmes mais ou menos esquecidos que se encaixam nas festividades como grão de arroz na cova de um dente.
Um dos meus preferidos continua a ser A Vida de Brian, dos inenarráveis Monty Python.
( http://www.imdb.com/title/tt0079470/ etc., etc...)
Realizado por Terry Jones no ano de 79 do século passado, A Vida de Brian continua a ser um filme extraordinário e, curiosamente, de grande actualidade.
A história de Brian, aquele que nasceu na manjedoura ao lado da que viu chegar Jesus, mantém toda a sua frescura e humor desarmante e leva-nos ás profundezas do terrorismo religioso de resistência ao invasor imperialista.
Qualquer semelhança entre a ocupação da Palestina pelos romanos com a ocupação do Iraque pelos "aliados" ocidentais será pura coincidência mas não deixa de mostrar que a história se vai repetindo de forma quase monótona.
Fica a sugestão e o apelo da cena final: "Olha sempre o lado brilhante da vida" mesmo que estejas pregado numa cruz.
Três mil estrelas!!!

Coisa estranha (ou nem por isso?)


"O Ministério da Educação promete tomar uma "decisão final e definitiva" sobre o futuro da Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário (TLEBS) quando terminar o actual ano lectivo, não excluindo para já "qualquer cenário", desde a generalização dos novos termos gramaticais ao seu abandono ou reconversão total."


DN digital


Mais uma vez o que impressiona não é a excelência científica do projecto mas o autismo de quem o tenta implementar. Não discuto a qualidade do trabalho dos linguistas que nos querem fazer reviver os prazeres das universidades medievais, quando a gramática era considerada uma arte. Não discuto a necessidade de ensinar e aprender essa antiga arte nas escolas de hoje. Nada disso está em causa.

O que arrepia é imaginar um professor de Português do ensino básico a ter de ensinar a TLEBS a uma turma de 28 alunos dos quais 14 sabem ler e os restantes são capazes, apenas, de escrever. Os currículos do Ensino Básico são de uma megalomania babilónica mesmo sem terem a TLEBS no topo, a enfeitar o bolo.

O que arrepia é perceber que as decisões são tomadas por personagens de ficção e não há ninguém, no mundo real, que lhes ponha travão.

segunda-feira, dezembro 18, 2006

Qualquer coisa assim

O animal traz uma arma. Traz a fúria no olhar, tem uma arma na mão.
É um animal filho-da-puta, com a sua arma e o olhar aflito.
Não lhe toquem! Não lhe toquem. Afastem-se dele. Ele traz uma arma. Traz a fúria no olhar. Deixem-no estar. Afastem-se dele. Deixem-no passar. Deixem-no ir. com a sua arma na mão e a fúria no olhar.
Se precisas de alguém para matar eu sou um homem sem vontade.

Qualquer coisa assim a dançar-me nos ouvidos.

domingo, dezembro 17, 2006

A pescada

"O que é que antes de ser já o era?" Esta adivinha que partia a cabeça às criancinhas de outras eras volta à actualidade pela mãozinha marota das personagens acima retratadas. Hoje a resposta correcta já não se limita à pescada, agora temos também o Rivoli. Antes de a gestão do Rivoli ser entregue a Filipe La Féria já o era. Ou não?
O grande Rio (o Rui) está decerto mais inchado que um sapo fumador por poder mostrar a toda a corja de intelectuais desonestos que o têm acusado de ser um palonço que, afinal, é um homem de Cultura, assim mesmo, com "C" dos grandes.
La Féria garante Arte de primeira água e, sempre que possível, vai empregar nas suas produções técnicos e criadores lá de cima. Sempre que a equipa sulista estiver ocupada? Terá este aspecto pesado também na decisão do Grande Rio?
Não há dúvidas que La Féria vai encher o Rivoli de gente e ganhar rios de dinheiro e aliviar os cofres da Câmara (isto aqui já não sei bem...). O Porto ganha um tumor cultural semelhante ao que Lisboa já tem vai para uma boa mão-cheia de anos que é para não se ficar a rir. Mas é um tumor benigno que não mata nem amolenta, mais ou menos como o velho Melhoral: não faz bem nem faz mal.
Um espaço daqueles é demasiado grande para grupos independentes e produções alternativas. O que é necessário é que existam espaços adequados para esse tipo de artistas menos dados a salas cheias de gente feliz com prozac nas têmporas e o Correio da Manhã debaixo do braço. A diversidade garante a Democracia. É no contraste que a forma se define. A uniformidade gera burros sonolentos sentados defronte ao palco. Que acordam apenas para bater os cascos e zurrar de contentamento sempre que o espectáculo acaba.
Resumindo, a Cultura da Pescada vence mais uma vez e está aí para durar. A outra, a Cultura Alternativa, lá terá de fazer pela vida. Como sempre foi e continuará a ser. Há certas coisas que, para serem ditas, necessitam de Liberdade absoluta. Uma Liberdade que dinheiro e subsídios nem sempre garantem. Mas lá que ajudam...

sábado, dezembro 16, 2006

O Futuro


"Nos tempos futuros a obra de arte será substituída pela realidade imediata do mundo que nos rodeia realizado em expressão criadora pura. Mas para o conseguir é necessário que nos orientemos no sentido de uma ideia universal e que nos libertemos da tirania da Natureza. Então já não teremos necessidade de quadros nem de esculturas porque viveremos dentro da arte tornada realidade. A arte desaparecerá à medida que a própria vida ganhar em equilíbrio. Por agora a arte ainda é de importância superior porque, por uma via directa e isenta de ideias individuais, demonstra de um modo criador as leis do equilíbrio."

Piet Mondrian, Plastic Art and Pure Plastic Art (ensaios 1937-1943), Nova Iorque, 1947,
retirado de Documentos Para a Compreensão da Pintura Moderna de Walter Hess, ed. Livros do Brasil


Bem vistas as coisas, Mondrian ficou longe de ser profeta credível.
A menos que o Futuro seja aquela tal coisa que nunca mais chega e foge sempre que nos aproximamos dela. Sim, porque se algum dia vivermos o futuro ele será imediatamente transformado em presente e, num piscar de olhos, será já o passado.
Se assim for, a profecia de Mondrian sobre o destino da arte nunca se concretizará por não ser possível a ninguém viver o Futuro.

Paraíso incómodo

O facto de os exames nacionais de Filosofia para os 10º e 11º anos do Ensino Secundário deixarem de existir em 2008 e de a disciplina passar a ser opcional no 12º ano está a provocar alguma apreensão entre as elites do pensamento indígena.
As orientações do Ministério da Educação são, mais uma vez (já cansa!), postas em causa tanto pelo senso comum como pelo senso menos comum e mais elaborado.

Talvez as cabeças falantes do Ministério tenham chegado à conclusão que pensar menos diminui o sofrimento.

Um parvo despreocupado e trabalhador parece ser mil vezes preferível a um pensador, eventualmente torturado pela visão de um mundo cada vez mais obviamente injusto e pouco democrático o que lhe poderá provocar um défice de produção.
Um parvo acredita facilmente que vive em democracia desde que alguém, vestido de fato e gravata, lho garanta com o rigor próprio de um tom de voz adequado. Já um cidadão habituado a questionar a mais simples evidência terá dificuldades em engolir toda a merda que lhe queiram enfiar goela abaixo pelo funil dos meios de comunicação de massas.

O mundo está a mudar. No futuro não será melhor nem pior do que alguma vez já foi. Será diferente. Se for um mundo habitado por cidadãos que pensem menos do que os de hoje, haverá menos sofrimento para os que sofrem e menos remorso para aqueles que provocam esse sofrimento. Isso é potencialmente bom, embora à primeira vista possa parecer uma coisa má e cruel. É o ovo de Colombo do economicismo neoconservador, a porta que se entreabre para o Paraíso dos mongas em que estamos a transformar a nossa sociedade. Um paraíso incómodo.



quinta-feira, dezembro 14, 2006

Uma visão com futuro

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Uma sociedade de robots daria muito menos problemas!
Devidamente programados, os robots nunca faltariam ao trabalho nem se esquivariam aos seus deveres fiscais pagando a tempo e horas os impostos (sem a necessidade das habituais filas intermináveis no último dia do prazo).
Robots bem educados não haviam de conduzir como labregos nem estacionariam o veículo no meio da rua para irem tomar uma bica e comer um pastel de nata deixando outros robots à beira de um ataque de nervos.
Um robot seria incapaz de abandonar os animais de estimação quando rumasse à praia no Verão com a família. Outra coisa que um robot nunca faria: escarrar na rua!
A lista das vantagens que uma sociedade de robots teria sobre a nossa actual sociedade de seres de muita carne e pouco osso é interminável. Essas vantagens são tão evidentes que há quem, no silêncio e na penumbra, já venha trabalhando nesse sentido.
A formatação social globalizada é um objectivo meritório e tem chancela divina.
Agora que começamos a assistir aos primeiros sinais evidentes da falência da Democracia tal como a imaginávamos estamos precisadinhos de uma alternativa fiável. É aqui que entra a robotização dos indivíduos enquanto caminho a seguir.
Tenho cá a impressão que já metemos os pés à estrada.

quarta-feira, dezembro 13, 2006

Comidinha!!!

Entrar no mundo espelhado do criacionismo é uma manobra arriscada. Desde um radicalismo tacanho até um discurso contido e sedutor, encontra-se uma imensidão de falinhas mais ou menos mansas, ora feitas de uma fé amanteigada ora fruto de árvore proibida com raízes de plástico.
Em português, a mensagem escrita soa quase sempre a Brasil, terra violada pela gula católica por almas simples e desprotegidas. O resultado da evangelização forçada do indígenas lá do sítio é o que se sabe: uma fusão religiosa e cultural emocionante e bronzeada, capaz de tirar do sério o mais circunspecto dos puritanos.
As abstrusas lucubrações criacionistas devoveram-me à memória um livro que li já vai para uns anitos, O Pão dos Deuses de um tal Terence McKenna, obra estranhamente lúcida e divertida que propõe uma revisão da evolução humana sob a luz das relações pecaminosas entre o homem e as drogas. (Notas breves sobre o autor e excertos do livro em) http://www.viaoptima.online.pt/pag.php?ref=DU2S1
Se há quem possa dar crédito às teoria criacionistas porque não levar a sério McKenna quando afirma que descende do macaco "sim, mas de um macaco pedrado!!!" A questão profunda por ele colocada tem a ver com a razão que poderá ter levado um macaco a articular sons capazes de o conduzirem à fala. Sim, o que poderá ter provocado tão radical evolução? Para McKenna só mesmo a utilização de uma droga alucinogénica, a psilocibina, encontrada em certos cogumelos (mágicos?) consumida pelos nossos antepassados peludos. O racicínio deste etno-biólogo é absolutamente delirante. Para ele a evolução não resulta de um processo de acumulação gradual de experiências mas sim de cortes radicais, saltos abruptos, provocados por acontecimentos extraordinários. Nem mete ao barulho deus ou outras enormidades do género, a responsabilidade seria desses cogumelos bondosos, resultando numa simbiose perfeita entre os seres vegetais e os animais. Uma eterna aliança entre a Natureza e uma emergente espécie humana, assinada para povoar e preservar o planeta através do desenvolvimento de uma coisa nova e espectacular: a inteligência.
Um livro a ler e a consultar, agora que os criacionistas pretendem reler os fundamentos da ciência com base numa fé inabalável nas linhas mais tortas da bíblia.
Experimenta, leitor, vai dar uma voltinha ao Pão dos Deuses e, quando regressares, diz qualquer coisinha.


terça-feira, dezembro 12, 2006

Santa Carolina


Carolina Salgado em pose de santinha barroca exibindo as marcas de uma alegada agressão por parte de Pinto da Costa e dois ajudantes assim narrada em notícia do Record de 7 de Abril de 2006: “O Afonso tentou esganar-me e a minha irmã (Ana), grávida de 3 meses e meio, veio socorrer-me e ainda levou um pontapé na barriga do Nuno Santos. Depois, ainda se virou para mim e mandou-me duas vezes ao chão. Como se não bastasse, e depois de olhar em volta a ver se estava a ser observado, o Jorge Nuno também me deu dois estalos.”

Como se previa o livro "Eu, Carolina" é já um best-seller com a 1ª edição à beira do esgotamento.
A ex-mulher do presidente mais célebre de todos os presidentes portugueses (é mais certo que o cidadão comum se lembre com maior rapidez do nome do presidente do FCP que do presidente da república!) veio botar a boca no trombone fazendo revelações bombásticas que deixam Pinto da Costa nos piores lençóis em que jamais se encontrou.
Se metade das histórias narradas pela pena leve de Carolina forem verídicas Jorge Nuno estará frito, cozido e grelhado, caso a coisa venha a ser esmiuçada pela Polícia Judiciária.
O que irá acontecer? Melhor que qualquer novela, brasileira, portuguesa ou mesmo venezuelana, o enredo deste caso de amores desavindos irá alimentar toneladas de papel coberto por rios da mais negra tinta. Basta ver o destaque dado à coisa no Público de hoje, onde mereceu foto a cores na capa e as duas primeiras páginas deste diário, considerado um jornal de referência. Se foi assim no principezinho dos diários portugueses como irá o assunto ser tratado no pouco lavado Correio da Manhã ou no ranhosito 24 Horas?
Até poderia ser divertido não fosse a gravidade de certas acusações, capazes de fazer corar um cadáver. A mais tenebrosa de todas prende-se com a agressão a um vereador da Câmara de Gondomar por ter feito acusações que estiveram na base do lançamento do já meio estafado Apito Dourado que, com uma sopradela deste calibre, irá decerto regressar em forma e em força.
Carolina assume mesmo o papel de contacto entre o malvado Pinto da Costa e os arruaceiros que desancaram o dito vereador tendo mesmo efectuado o alegado pagamento do prémio por um serviço bem feito (o vereador foi parar ao hospital). Chiça penico, a coisa ferve!
Tudo isto vem mostrar como o arrependimento compensa já que o vereador agredido perdoou a Carolina a sua suposta participação no alegado espancamento, ele quer mesmo é entalar o Presidente... mas, em tribunal, não sei se a agora Santa Carolina se safará sem castigo caso venha a ser provado que as coisas se passaram conforme ela as conta. Seria grotesco mas, na verdade, por enquanto tudo isto existe apenas em forma de livro, no limbo da ficção e a precisar de provas substanciais que dêm crédito a tanta coisa bombástica.
É que uma mulher capaz de fazer coisas como aquela pode muito bem estar a mentir com quantos dentes tem na boca... ou não!
Aguardam-se os próximos episódios desta novela que já está no coração dos portugueses.
Apaixonante!!!


domingo, dezembro 10, 2006

Valha-nos Deus!

O criacionismo está a chegar!
Lá por estarmos no cú da Europa não nos livramos desta. Vinda lá dos confins do Novo Mundo esta teoria ridícula está aí e há mesmo quem a leve a sério. Há mesmo quem acredite que o planeta tem menos de meia dúzia de milhares de anos e que foi Deus quem criou Adão e Eva (esta a partir de uma costela daquele) e que isso é um "facto" incontestável. Há mesmo quem acredite em todas as histórias da bíblia e faça profissão de fé em cada patranha ali contida, esteja ela escrita em aramaico, em polaco ou em mandarim, não importa como nem por quem.
Há quem pretenda contestar a ciência com "factos" que têm como única prova a fé que professam.
Sim, porque primeiro que tudo será necessário acreditar em deus uma vez que continuamos à espera de uma prova da sua existência.
A fraqueza maior desta "teoria" reside precisamente no facto de ser preciso ser um grande macaco para acreditar nela. Logo, está bom de ver, cada macaco criacionista está a confirmar os postulados maiores do avô Darwin.
Valha-nos Deus!

Felicidade!

Finalmente morreu o carniceiro chileno!
Se ainda houvesse dúvidas sobre a hipotética existência de um Deus criador, bonzinho e protector que anda algures sobre as nuvens a passar multas aos pecadores, o facto de um fiho-da-puta do calibre de Augusto Pinochet ter andado sobre a Terra durante 91 anos pulveriza definitivamente essa ideia taralhouca.
O Diabo foi visto amiúde a cirandar por aí, principalmente durante a Idade Média. Mais recentemente o chifrudo vai iludindo a vigilância por tomar forma humana, disfarçado mas sempre com o rabo de fora. Pinochet foi uma das peles que a Besta envergou para nos tentar envergonhar de sermos humanos. Quase que ia conseguindo, mais do que uma vez, mas, finalmente, o cão chileno patinou. Aleluia!!!
O dia de hoje deverá ser celebrado no futuro com honras especiais por termos a humanidade um pouco mais limpa.

sábado, dezembro 09, 2006

Outras coisas

O debate sobre a questão do aborto está aí. Começam a definir-se os contornos da discussão e, como seria de esperar, de ambos os lados da barricada os argumentos, os métodos e as perspectivas não mudam grandemente. Quem estivesse à espera de alguma transformação na forma como a coisa vai ser equacionada bem pode tirar o cavalinho da chuva: está tudo na mesma... como a lesma!
A igreja católica chegou a dar a sensação de que iria colocar-se sabiamente à margem mas não é capaz, não tem maturidade suficiente para acreditar na maturidade dos indivíduos pelo que, mais uma vez, avança com infernos e demónios tentando inquinar uma discussão já de si bem envenenada. Tudo velho.
Cada vez mais se ouve falar do problema da obesidade (infantil ou nem por isso), havendo mesmo quem lhe chame "epidemia", nome feio que talvez não se ajuste ao caso vertente mas que já dança nalgumas cabeças pensantes.
Segundo uma tal de Ana Rito, doutorada em Saúde Pública na área da nutrição infantil (ver entrevista na Visão nº 718), combater esta "epidemia" (o termo é dela) "só é possível tendo por base parcerias com todos os intervenientes - media, Governo, escola, família, profissionais de saúde e indústria alimentar." Se for assim, se é necessário concertar esforços, conceitos e princípios envolvendo esta maralha toda lamento, mas não há hipóteses de vencer a batalha. Para conseguir congregar esforços de tão diferentes agentes e instituições teríamos de operar uma revolução social mais radical que aquela que saíu da Revolução Francesa.
Pedir aos industriais da alimentação que abdiquem de uma margem dos seus lucros em nome da saúde das criancinhas é o mesmo que pedir ao diabo que desfaça os negócios de compra e venda de almas que lhe garantem a subsistência. Tão grande inocência da parte desta senhora mostra bem que o exército não tem generais à altura desta guerra. Está perdida. Resta-nos a guerrilha nem que seja com pedras na mão. A coisa pede mesmo é uma intifada contra a obesidade. Estamos entregues a nós próprios.

A literatura não deixa de nos surpreender. Anuncia-se para breve um livro da autoria de Carolina Salgado. "Quem é essa senhora?" perguntarão os mais distraídos rebuscando nas prateleiras da memória outras obras com tal assinatura. Não se cansem, é livro de estreia e certamente único. Carolina Salgado é a senhora que viveu com Pinto da Costa durante uns tempos e que, agora que separaram os trapinhos, tem dado muitas dores de cabeça ao velho lobo dos futebóis. A publicação de tal obra-prima aguça já o apetite dos mais marotos prevendo com gozo antecipada um camião de roupa suja a lavar na praça pública com água de fonte luminosa.
Depois de Vítor Baía e Ricardo, de José Mourinho, Jorge Costa e o próprio Pinto da Costa terem brindado o mundo das letras com obras de primeira água porque não poderia também esta cidadã tentar a sua sorte nos escaparates?
Coisa linda, conforme se verá.

Enfim, o Natal aproxima-se a galope, as dietas e o bom senso vão fazendo as malas e em breve entrarão de férias para os lados do Havai. Nós, por cá, vamos andando. Com a cabeça entre as orelhas, como convém.

sexta-feira, dezembro 08, 2006

Mais coisas boas

"Portugal é o segundo maior consumidor de benzodiazepinas (tranquilizantes) na Europa. Estima-se que 23% da população adulta recorra regularmente a estes medicamentos, revela estudo divulgado por Bruxelas."
A coisa, dita assim, soa a banalidade. Qual é o problema? Sim, na realidade não estou a ver que seja tão grave que necessite de investigação policial e auto de ocorrência. Normal.
É normal ver velhinhas com passo de zombie a cirandar no corredor do super-mercado, cidadãos sorridentes encostados ao balcão prontos a aceitar a vida tal como ela lhes parece ser, se estão mais felizes... qual é o problema?
Olhando bem os olhos destas pessoas avançamos um passinho na direcção da possibilidade de compreendermos os que fumam charros ou consomem outro tipo de drogas menos propícias a prescrição médica? Haverá uma distância assim tão grande entre emborcar um prozaczinho ou enchaminar um charuto de skunk?
Afinal de contas andamos todos à procura de um espaço de felicidade onde encaixar a alminha. Há quem se dedique a Deus em igrejas de vão-de-escada, quem plante legumes na horta das traseiras escondendo uma parte do mundo da ferocidade urbana, criando um jardim mais próximo do Éden, para si e para os seus.
É isso, como diz a canção: "Eu já só quero é ser feliz..." então que seja, porque não, que diabo!?
Seja com play station, prozac ou cannabis, evadamo-nos rumo ao pôr-do-sol com um sorriso nos lábios.

terça-feira, dezembro 05, 2006

Coisas boas


O Natal também tem coisas boas! Uma das melhores que nos trouxe nos últimos anos (1993 neste caso) foi o filme de animação The Nightmare Before Christmas, uma realização de Henry Sellick a partir de uma história de Tim Burton. http://nightmarebeforechristmas.net/, http://www.timburtoncollective.com/nmbc.html, etc., etc., etc....

Haverá alguém que não tenha ainda visto este clássico do cinema de animação? E, quem já viu, resistiu a revê-lo? Por muitos anos continuará a ser um dos melhores filmes de animação jamais produzidos (será "o" melhor?) obrigatório para a formação artística e pessoal de qualquer criancinha e respectivos adultos.

Além da qualidade inexcedível da técnica de animação e de um argumento a todos os títulos espectacular, tem ainda uma banda sonora excelente fazendo com que seja dos poucos filmes em que as cantiguinhas não são apenas verbo de encher e acrescentam qualquer coisa de muito interessante ao produto.

Este é mesmo obrigatório. Vejam-no, revejam-no, ofereçam a quem não tem, difundam a coisa.
Mil estrelas!!!

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Ambições

"Não passa um mês sem uma candidatura portuguesa ao livro das bizarrias [Guiness]: se não é a feijoada mais comprida em cima de uma ponte é a do maior clube do mundo que não chega aos "oitavos" da Liga dos Campeões. (...) Querer ser muito esquisito é um sintoma de não sei o quê, mas parece-me grave."

Ferreira Fernandes. Correio da Manhã, 3 de Dezembro de 2006

Quer-me parecer que esta sequência de recordes batidos no nosso país mostra como o povo português tem potencialidades extraordinárias só não sabe muito bem como aplicá-las. Revela algo sobre o nível cultural e uma certa infantilidade latente. Quem não gosta de surpreender os seus parceiros com um feito extraodinário? Os putos estão constantemente a discutir na tentativa de mostrarem aos outros capacidades inultrapassáveis e surpreendentes. Há sempre um pai que é mais forte ou um tio que tem uma espingarda maior. A competição está-nos na massa do sangue, é necessário libertar as energias correspondentes!

Penso que queremos ser muito esquisitos porque encontramos aí uma possibilidade de mostrar capacidades extraordinárias que, de outro modo, não teriam expressão visível.

Claro que poderíamos bater-nos por ser o povo mais inteligente da Península Ibérica ou com o maior número de cérebros capazes de brilhar no campo da Matemática. Mas isso levaria demasiado tempo a alcançar e não teria êxito garantido. Assim sendo resta aos portugueses encontrar o respectivo nicho de bizarria no qual possam evidenciar-se e bater toda a concorrência sem apelo nem agravo.

Somos mais ou menos célebres pela nossa capacidade de desenrascar soluções mirabolantes perante situações de difícil aperto (veja-se a História dos Descobrimentos, por exemplo) e no Guiness encontramos campo fértil para uma sementeira de loucuras capazes de germinar em glória garantida se bem que efémera ou até inconsequente. Não há grande mal nisso!

Poderíamos investir esforços em assuntos mais sérios ou ambicionar algo que possibilitasse maior conforto geral e mais riqueza produtiva, mas não nos dá para aí! Resta o grotesco Guiness Book of World Records. Apostemos na bizarria, sejamos malucos ao ponto de tentar as coisas mais absurdas por sistema. Quem sabe não viremos um dia a criar uma categoria inovadora nas páginas do citado book: o povo mais abstruso, primeiro da Europa, depois do Mundo e, um dia que virá, de todo o Universo!

Com um pouco de esforço temos esse título ao alcance de um desejo colectivo.


domingo, dezembro 03, 2006

Preocupações

A Educação no nosso país continua a ser fonte inesgotável de preocupações para muitos de nós. Ontem Rui Tavares e hoje António Barreto, vêm, nas páginas do Público, dar disso mesmo notícia, lavrando informados textos nos quais propõem algumas panaceias para acalmar tão efervescente maleita.


Tentando dar da tenebrosa TLEBS uma imagem menos animalesca, Rui Tavares alvitra a possibilidade de dividir o estudo do Português em duas áreas tão distintas quanto complementares; de um lado a Gramática, vetusta arte estudada com denodo nas universidades medievais, do outro lado a Literatura, expressão requintada do pensamento humano, arte bem mais liberal, fresca e completa que a sua irmã feia (a invejosa Gramática, está bom de ver).


Proposta interessante e salomónica, como o próprio Tavares a classifica, mas que esbarra, pelo menos para já, num problema de difícil resolução: o número extraordinário de disciplinas existentes nos currículos do ensino básico (à volta de 14) e do ensino secundário (variando conforme o nível e o curso). Para encontrar um espacinho destinado às duas manas teríamos de deitar fora qualquer outra coisa. Talvez não fosse má ideia mas, para já, afigura-se mais racional tentar deitar qualquer fora sem trazer nada para o seu lugar, reduzindo o estapafúrdio número de disciplinas que atravancam os horários escolares dos nossos esforçados estudantes.
Os textos de Rui Tavares podem ser lidos em http://ruitavares.weblog.com.pt/ embora hoje ainda não estivesse disponível aquele a que aqui me refiro.


António Barreto, mais velho mas não menos lírico, propõe reformas bem mais profundas e revolucionárias. Lembrou-se da possibilidade de serem chamadas à liça universidades, faculdades, institutos e outros centros produtores e difusores do saber para que, em articulação com escolas básicas e secundárias, estabelecessem currículos, programas e manuais adequados a situações específicas. Se bem compreendi, Barreto propõe que a tão badalada autonomia das escolas passasse a ser uma realidade dinâmica num modelo de parcerias até hoje nunca imaginado entre nós. Neste modelo o Ministério da Educação passaria a ocupar uma posição menor, de mera gestão global do processo educativo, coisa que não me parece estar num horizonte perceptível.


Assim, às primeiras, é uma proposta bem interessante e que poderia trazer muita novidade à educação que é coisa que tem minguado. O problema é que tal caminho iria mexer com o monstro demasiado instalado na Educação, obrigando a um esforço olímpico que não me parece realista esperar que venha a ser aceite pelas instituições implicadas.


Resumindo, é reconfortante saber que há quem se preocupe com a coisa ao ponto de propor medidas que mexam com o dito monstro. Se lhes dermos atenção e começarmos a discutir tais propostas estaremos a tempo de mudar alguma coisa durante o tempo que nos resta para viver?

sexta-feira, dezembro 01, 2006

Gozar com Cristo


Jerónimo Bosch, Christ Mocked (Crowning with Thorns)1495-1500Oil on wood, 73 x 59 cmNational Gallery, London
O gajote à esquerda, com a barbicha branca, é um turco (note-se o pormenor na aba da cobertura da cabeça). Teremos de retirar esta obra-prima da parede por ofender a nação turca? Ai, ai, e ainda falam da crise dos cartoons...

Afinal o Papa ama os turcos e os turcos amam-no a ele. Tal reviravolta nos sentimentos que animam as alminhas das pessoas mostra com clareza a natureza humana e a forma como os mass media nos moldam com mais facilidade que uma criança a brincar com plasticina.

As notícias mais recentes da visita do Papa (Ratzinger ficou em casa e não o acompanhou à Turquia) falam de uma paixão inesperada entre o Sumo Pontífice e a nação turca. "Amo os turcos" era ontem título de capa de um diário lá da terra. Um cronista pró-islamista no jornal Posta chegou muito longe ao escrever, delirante de paixão: "Adoro este Papa e desejo-lhe as boas-vindas de todo o coração: bem-vindo irmão" segundo a AFP.

Tanto amor súbito estará relacionado com o apoio do Papa à adesão turca à União Europeia? Talvez sim , talvez não. Convém lembrar que a Comissão Europeia se manifestou, já depois da chegada do Papa à Turquia, no sentido de recusar a adesão deste país à União caso não seja alterada a sua posição relativamente a Chipre no que toca a reconhecimento de regime e abertura das fronteiras sem restrições. Os turcos não querem ceder e os europeus contrários a este alargamento encontram aqui o pretexto ideal para aferrolharem o portão à quinta.

Analisando estas cabriolas pânicas dadas pelo Papa sou levado a imaginar que Ratzinger ficou em casa propositadamente, para que a igreja católica possa aparecer aos olhos dos turcos como uma espécie de amiguinha, ao contrário da comissão europeia que será vista como uma gaja arrogante, invejosa da formosura turca, incapaz de a aceitar a viver no mesmo prédio. Se assim fosse, a igreja católica ganharia uma imagem bem positiva aos olhos da opinião pública turca passando o ónus de um eventual falhanço na tentativa de adesão exclusivamente para a esfera da política, deixando de lado a questão religiosa. Perverso, não? Mas isto sou eu a pensar, é claro, o Papa é muito mais inocente nas suas intenções e nunca poderia ir tão longe em termos de calculismo cínico. Evidentemente.

Além do mais há a questão da suposta revolta do povo turco e da sua oposição à visita do Papa. Todos pudemos ver até à exaustão imagens de manifestações de rua com cartazes e palavras de ordem vulcânicas, invectivando o Papa e o mundo ocidental, imagens essas apimentadas com declarações assoberbadas de velhinhas histéricas e turcos barbudos cuspindo ódio para os microfones. Tanta animosidade esteve na origem das excepcionalíssimas medidas de segurança que envolvem a figura papal nas suas deslocações em solo, a bem dizer, infiel. O homem, mesmo que especialmente protegido por Deus por ser quem é, teve de ser corajoso para avançar com a visita. Se não fosse Papa poderíamos mesmo dizer que "foi preciso ter tomates!"

Agora, após as declarações de mútua paixão atrás referidas, sou levado a imaginar a possibilidade tudo isto ter sido manipulação mediática lançando uma cortina de fumo sobre as verdadeiras motivações da ida do Papa à Turquia. O gajo, cá pra mim, foi fazer o velho número de cordeiro com lobo voraz debaixo da pele e ninguém está a reparar no tamanho desmesurado dos dentes nem na extensão pouco usual das suas santas orelhas. Nem nós, nem os turcos.

Há certas ocasiões em que nos faz falta o Capuchinho Vermelho. Alguém que faça as perguntas incómodas na altura certa.

quinta-feira, novembro 30, 2006

Vítimas do conforto


Carta de Istambul

Europa restringe publicidade a alimentos calóricos destinada a crianças
quinta-feira, 16 de Novembro de 2006 Por: Lusa
Ministros e altos funcionários do sector da Saúde de 48 países europeus assinaram hoje, em Istambul, uma carta que fixa princípios comuns contra a obesidade, tais como a criação de leis que impeçam a publicidade de alimentos calóricos destinada a crianças.

(...)Em Portugal, segundo o vice-presidente da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade, Davide Carvalho, mais de metade da população (52,4 por cento) sofre de excesso de peso ou obesidade. O país regista uma das mais elevadas taxas de obesidade em crianças com menos de onze anos da União Europeia.

Pois é, é um fenómeno consumista aparentemente incontrolável. Nos dias que correm há putos gordos a dar com um pau e cada vez há mais!
Hábitos alimentares destrambelhados aliados a um sedentarismo bovino estão a distorcer a imagem das nossas crianças até à caricatura. A ironia desta situação é que a obesidade infantil está relacionada, em larga escala, com aquilo que poderia designar por "excesso de conforto". Quem não gosta de se esparramar em frente a um écran comendo umas guloseimas enquanto vai vendo um filminho? Na boa, não há mal nenhum em semelhante actividade. O problema é que, nos dias que correm, as crianças têm demasiados écrans nas suas vidas e uma estrondosa falta de vida ao ar livre.
Jogar futebol ou correr aos gritos com quanta velocidade se possa são coisinhas para fazer na escola. Os tempos de lazer da maioria da pequenada são ocupados nas consolas de jogos, em frente aos 500 canais de televisão por cabo e coisas do género. Como se isso não bastasse, a leitura é uma bicho de sete cabeças. Se ao menos engordassem a ler umas coisas...
Como não podia deixar de ser as "autoridades" já começaram a olhar para esta questão com olhos reguladores. A publicidade, mãe de todos os vícios na sociedade de consumo, é apontada a dedo como tendo grandes culpas no cartório. Os putos raramente bebem água, substituem-na por sumos e outras bebidas açucaradas. Comem fast food à velocidade da luz e ainda fecham a refeição com um chocolatinho, para desenjoar. É complicado evitar tais desmandos alimentares já que as campanhas publicitárias são engendradas com uma eficácia assombrosa. TV, outdoors, revistas, flyers, imagens perfeitas de hamburgers, garrafinhas de sumo coloridas e outras iguarias e beberagens, inundam o horizonte e o pessoalzinho debate-se para se manter à tona. Comendo e bebendo como se isso fosse o objectivo primordial da existência humana.
Em Istambul (doce ironia turca) um grupo de responsáveis europeus tentou dar os primeiros passos no sentido de restringir a liberdade criativa dos publicitários quando se trate de vender porcarias às criancinhas. Louvável iniciativa. Será?
Na verdade o nosso modo de vida europeu baseia-se no consumo desenfreado. Não há produto que nos aconselhe um consumo moderado (só na publicidade a bebidas alcoólicas e com o seu quê de cinismo, convenhamos).
Crianças ou adultos, somos constantemente bombardeados com anúncios capazes de nos criarem as mais estranhas necessidades e temos as prateleiras cobertas de merdices inúteis. Mas isso já se tornou um modo de vida. Tentar contrariá-lo irá gerar situações complicadas de atentados à liberdade, em sentido lato. Temo que estejamos a entrar num beco sem saída... com uma porta de um restaurante da McDonald's ao fundo.


quarta-feira, novembro 29, 2006

Questões de pele

Ratzinger, o homem, discorda da entrada da Turquia para a União Europeia. Disse-o abertamente antes de vir a ser eleito Papa.
Ratzinger, o Papa, Bento XVI tem uma opinião radicalmente diferente e apoia a pretensão turca. Esta diferença de opiniões mostra como a mudança de pele pode contribuir para a mudança de discurso. Isto leva a algumas questões curiosas.

1º Estará o Papa a mentir? Ou será que a obrigatoriedade de veicular um discurso que não coincide com a sua opinião pessoal não pode ser considerado mentira?

2º É o Papa infalível? E, caso esteja a mentir, não será legítimo pôr em causa o dogma católico da infalibilidade do sumo-pontífice? E, mesmo que não seja considerado uma mentira à luz das intrincadas vias do Senhor, a dita infalibilidade não cairá por terra qual Golias estupidificado pela surpresa de levar com uma pedra na testa?

3º Isto não é política? Bento XVI tem vincado bem que a natureza da sua visita à Turquia é pastoral e não política. Mas as razões que justificam esta cabriola no discurso não serão de ordem política? Se não forem a coisa ganha contornos menos precisos e poderemos mesmo ser levados a pensar que há aqui hipocrisia e intriguice, coisas bem pouco santas e indignas de um homenzinho que não se cansa de afirmar ter como missão espalhar a Verdade.

4º Ai, ai, ai... Se o Papa se permite embrulhar tão facilmente a Verdade na necessidade de adaptar as suas opiniões às circunstâncias o que pensar então de certos dogmas e outras "verdades" religiosas? Por exemplo, quanto à virgindade da mãe de Cristo. Não será fruto de uma necessidade narrativa? Como poderia um Deus, cujos ministros chegam mesmo a fingir que não possuem órgãos sexuais, fecundar uma mulher se não fosse por magia? É que, caso houvesse contacto sexual ou busca de prazer neste processo, o Deus católico estaria a comportar-se ao nível de Zeus que, como é sabido, era um devasso e deixou prole espalhada por esse mundo sendo Hércules o exemplo mais mediático. Porque aparecem sempre, nas imagens da Anunciação, o anjo e uma pomba, o anjo lânguido e respeitoso, a pomba em vôo picado sobre o ventre de Maria? Não estarão os pintores a representar a sedução masculina e, simultâneamente como era tradição, o avanço sexual? E a confusão que é a Santíssima Trindade, alguém percebe essa cena? Três em um, Pai, Filho e Espírito Santo, que coisa! Cada vez que a narrativa religiosa se complica, catrapunfas, transforma-se em dogma. Quando não se pode compreender deixa de se discutir e estabelece-se a lista de ameaças para potenciais prevaricadores. Mas há ainda quem tema as chamas do Inferno?

Chega de perguntas. Isto é como quando somos crianças, cada "porquê" traz mais 50 urgentes e escondidos e cada resposta é apenas capaz de gerar mais e mais perguntas. Sim, porque as questões religiosas fazem de nós criancinhas sedentas de saber como é o mundo que está por detrás deste mundo, "and so on", até percebermos que o Infinito é um conceito impossível de abarcar. Mas isso já não é uma questão de pele. É outra coisa... impossível saber que coisa!

terça-feira, novembro 28, 2006

1 ano


Max Ernst (French, born Germany, 1891–1976)The Blessed Virgin Chastises the Infant Jesus Before Three Witnesses: A.B., P.E. and the Artist, 1926Oil on canvas; 77 1/4 x 51 1/4 in. (196 x 130 cm)Museum Ludwig, Köln

Faz hoje precisamente 1 ano que dei início ao 100 CABEÇAS.
No início não sabia muito bem o que isto iria ser.
Hoje, 232 posts depois com este incluído, continuo mais ou menos na mesma embora tenha mais umas ideias sobre o alcance da coisa que é próximo do centímetro e meio.
A vontade de continuar é inversamente proporcional à necessidade de ir ali e voltar num instantinho que o arroz está quase pronto.
Ao longo deste ano morreu muita gente e nasceu muita criança, embora as notícias continuem a falar mais dos que se vão que daqueles que chegam, embora o contrário mostrasse mais saúde mas muito menos interesse.
Resumindo e concluindo: o 100 CABEÇAS está por estes lados, mais ou menos diariamente, mais ou menos interessante ou pedante ou arquejante, mas está. No dia em que deixar de estar será motivo para perguntar "O que se passa?".
A pergunta anterior é vivamente recomendada a todo e qualquer momento que se mostre à esquina da rua um rabo de gato a contorcer-se naquele seu jeito sedutor e hipnótico. O gato pode não estar escondido mas o mais provável é que queira passar despercebido.
Feliz desaniversário 100 CABEÇAS!

segunda-feira, novembro 27, 2006

Educando


Com TLEBS ou sem TLEBS, com estes secretários de estado ou outros quaisquer, com esta ministra ou com aquela senhora que esteve à frente do Ministério da Educação quando Santana Lopes foi 1º ministro, há um factor determinante para o desempenho escolar dos estudantes que nem sempre é trazido a debate. Refiro-me ao apoio familiar, o interesse que existe (ou não) no enquadramento educativo extra-escolar da criançada e que é da maior relevância. Os encarregados de educação, antes de se preocuparem com a possibilidade de virem a contribuir para a avaliação dos professores, deverão meter mão na consciência avaliando o seu próprio desempenho no acompanhamento da evolução da situação escolar dos seus educandos.
Basta olhar para os números relativos a presenças em reuniões de encarregados de educação com os directores de turma ou para as percentagens de sócios inscritos nas associações de pais para ficarmos, na esmagadora maioria dos casos, um tanto apreensivos. A participação nestas assembleias é, normalmente, reduzida, quase ridícula. Argumentando que os horários são desajustados ou que as reuniões têm ordens de trabalho pastosas e enfadonhas, a verdade é que se verifica uma baixa taxa de participação efectiva por parte dos encarregados de educação. Isto é reflexo da fraca cultura democrática do povo português que com frequência prefere dizer mal do que arriscar agir.
Mais importante do que barafustar contra a marcação de trabalhos de casa é perguntar aos nossos filhos, quando chegam a casa vindos da escola, se têm trabalhos para realizar. Mais importante do que dizer que os professores são isto ou aquilo será inquirir os miúdos sobre a forma como se desenrolou o seu dia de trabalho na escola, marcar as datas dos testes, da entrega de trabalhos e das visitas de estudo num calendário exposto em local visível para que toda a família tenha consciência plena dos compromissos estabelecidos. Mesmo que a cabeça pese e o corpinho esteja a pedir noticiário ou novela, fazer o esforço de pegar nos manuais escolares e dar-lhes uma vista de olhos com os catraios.
Não há nada que substitua os pais na educação das crianças. A escola pode ser um complemento mas nunca um substituto. Os alunos levam para o recinto escolar a experiência de vida que aprendem no espaço familiar e ali a confrontam com outro tipo de necessidades e comportamentos adequados a circunstâncias específicas. O que se verifica demasiadas vezes é que os encarregados de educação vêm reclamar à escola aquilo que deveria ser da sua responsabilidade. Se um aluno é mal-educado e tem um comportamento a raiar a delinquência não podem ser assacadas responsabilidades à escola! Grande parte das vezes estão apenas carentes de atenção e mostram-no, sem o saberem, insultando a inteligência e as regras de convivência mais básicas. Em questões de educação e comportamento o espaço escolar deveria ser bem mais consensual e menos conflituoso.
Quando as famílias conseguirem constituir-se em núcleos básicos de aprendizagem a todos os níveis, talvez a qualidade do ensino possa melhorar. Quando os pais e mães por esse país fora forem menos corujas e exigirem mais respeito aos seus rebentos por aquilo que eles e a escola representam, talvez o nosso sistema educativo se fortifique e seja menos vulnerável a tropelias e deslizes ministeriais, a falhas e irresponsabilidades de alguns professores e, talvez, não tenhamos que ouvir tantas vezes uma das frases mais usados pelo cidadão médio português: “Eu não tenho culpa!”

Argumento de peso

Anda ainda tudo eriçado à conta das incautas palavrinhas do Papa teólogo em Ratisbona que, ao citar um confuso filósofo meio perdido nas brumas do tempo, trouxe o fanatismo a gritar para as ruas e para as nossas salas de estar via TV. Mete dó ver multidões de turcos a fazerem figura de ursos gritando tolices contra um homem cujo pecado principal é não passar disso mesmo e ter de fingir que acredita ser mais do que aquilo que todos já percebemos que ele é. Pouca coisa, de facto.
Ao argumento anti-islâmico (que Ratzinger jura a pés juntos ter sido mais inocente que beijo em bochecha de recém-nascido) gostaria de contrapôr uma passagem de Voltaire (o figurino na imagem acima) retirado da sua obra Carlos XII de 1730. Ele expressa a sua "terrível condenação" do facto de a igreja cristã ter dado origem a que, "durante tantos séculos, houvesse derramamento de sangue provocado por homens que proclamavam o deus da paz. O paganismo não conheceu sanha semelhante. Cobriu o mundo de trevas, mas praticamente não derramou uma gota de sangue, a não ser de animais". "O espírito dogmático fez medrar a loucura das guerras religiosas no espírito dos homens".
Não sou advogado do diabo nem me foi encomendado este sermão. Quero apenas demonstrar, com a singeleza que me é permititida pelo entendimento limitado que está ao meu alcance, como a um argumento se pode e deve responder com outro e levar para a estrada do diálogo e da discussão uma luta que não deve ser travada à paulada.
Um gajo vai andando e dando uns calduços no toutiço do parceiro, esquivando-se o mais que possa à previsível tentativa de resposta.

Motor da criação

"Super Star" by Zena El-Khalil

Foi capa da revista Pública ontenzinho, Domingo pacato por estas bandas não fossem as chuvadas e as cheias que fazem o mundo ao contrário e põem os peixes a passear nas praças das cidades e os barcos a ignorarem as estradas, lá em baixo, no fundo e não nos falecesse esse tal Cesariny que é agora alvo de todas as setas que a aljava do elogio fácil trazia para gastar e tardavam em ser disparadas. Zing, zuuuut, poc! Na mouche! Ele era o poeta genial, o pintor que não podia deixar de o ser por já ter sido aquilo mesmo e o mais que o mármore das virtudes humanas possa suportar de tão polido e mais lambido. Ai Cesariny, guardado estava o bocado e bem sabias que o havias de comer! Que te faça bom proveito na viagem e não te falte o imprescindível óbulo para que o taciturno barqueiro te leve onde haverás de ficar.
Regressando ao árabe sorridente, em stencil rosa sobre fundo techno-pop, temos a reportagem de Alexandra Prado Coelho nas páginas da dita revista, ontenzinho mesmo, Domingo cá na paróquia, sobre um evento extra mas ordinário. Uma exposição de jovens criadores, artistas plásticos (coisa ordinária) cujas obras foram realizadas em Beirute ao som dos tambores da recente guerra que deixou a cidade com as tripas ao pé da boca (coisa extra). http://electronicintifada.net/v2/article5868.shtml
A imagem é banal e quase pueril mas, também ela, igualmente extraordinária. À ordinarice da forma e da técnica teremos de somar o extra de se tratar de um retrato de Nasrallah, gerado na urgência que traz ao gesto mais banal a grandeza artística que tantas vezes por estas bandas discutimos sem lhe encontrar motivo nem destino.
Diz o mestre Gombrich na sua História da Arte (logo a abrir para aclarar as águas) que essa coisa que chamamos Arte (com "A" grande) não existe. De facto não será mais que uma falácia inventada pelos guardiões do templo da Academia, uma corja de senhores afundados nos fatos complexos com que vestem os seus bonequinhos que gostam de imaginar inquestionáveis, os cânones eternos de uns quantos princípios muito estéticos mas pouco éticos. Para Gombrich o que existe de assinalável e interessante serão os artistas, esses sim, merecedores de atenção e objecto de reflexão. A obra de arte depende sempre de um tempo e de um espaço, uma certa conjuntura que envolve o artista e determina os contornos e o âmbito do seu trabalho.
Este Nasrallah cor-de-rosa, irmão quase gémeo da Marylin de Warohl, ultrapassa a banalidade mais abjecta a que estaria condenado pelo facto de ser criado e olhado sob os clarões das bombas que explodiram (e decerto voltarão a explodir) nas ruas de Beirute. Tivesse sido um dos meus alunos de Oficinas de Arte a fazê-lo (muitos usam a mesma técnica nos seus trabalhos) e estaria condenado à indiferença dos olhares.
Este pink-pop-terrorist está a correr mundo por fazer a ponte entre um conflito lá longe e as formas artísticas que nos são próximas. Podemos olhar esta imagem e compreender qualquer coisa uma vez que a forma nos é familiar e faz do sujeito representado algo mais perceptível. Um herói para um número considerável de árabes e de libaneses, um terrorista aos olhos de muitos de nós, ocidentais aborrecidos com o preço dos DVD e o excesso de gorduras nas refeições do Mc Donald's.
Não é por nada, mas uma guerrazinha havia de pôr muito artista cá da praça a bolir doutra maneira, mais com o coração e menos com as mãos, mais com Fé na grandeza do Ser Humano e menos com a petulância de quem se compraz com a redondeza jeitosinha da respectiva pancinha.
Estarei a ser moralista? E depois? Estou-me bem a cagar! De tanto fugirmos da Moral abrimos a porta a toda a espécie de filhos-da-puta e agora bem que nos fornicam o juízo e ainda por cima temos de lhes pagar para nos deixarem em paz.

quinta-feira, novembro 23, 2006

Alembrança


O mundo tem crescido a olhos vistos. O mundo de hoje é constituído em grande parte por informação, já não é o mundo físico e mensurável do século XX, é o mundo virtual e verdadeiramente infinito que se abre num precipício aos nossos pés e ameaça tragar-nos caso não sejamos capazes de dominar a vontade de o compreender. O mundo sempre foi grande mas agora abusa!

Onde vai o tempo da leitura preguiçosa, com tempo para saborear as palavras descobrindo o prazer da frase, a alucinação da imagem que se vai formando na caverna craniana? Esse era o tempo em que o tempo dava voltas sobre voltas, agarrado aos ponteiros do relógio no mostrador circular, num movimento de eterno retorno, ordenador.

Hoje o tempo segue desenfreado na linha contínua dos dígitos luminosos, segundo sobre segundo, dissecado à cagagésima parte, sem um momento de respiração, fugindo sempre para a frente e nós atrás, feitos carroça desengonçada, demasiado pesados para a força com que nos puxa e nos leva para lá do sol posto. É um tempo que dispensa quem lhe dê corda, um tempo verdadeiramente eterno e digital, um tempo sem tempo histórico, tudo moído e amassado como um croquete comido antes de ser frito.

Veio isto a propósito do texto que Pacheco Pereira dedica hoje no Público à memória de Sottomayor Cardia e à voragem do tempo que engole os seres humanos deixando deles uma sombra à guisa de recordação.

Sottomayor Cardia... lembras-te dele?

Visão


Adão e Eva de Jan van Eyck, pormenores

Ver é diferente de olhar. Acreditamos que a capacidade de ver, assim com olhos de gente, não estará ao alcance de toda a bicharada. Já o simples acto de olhar é modo de vida tanto para a galinha como para o elefante e demais criação divina que, por ora, vai povoando este planeta.

Do mesmo modo poderemos distinguir viver de existir. Mais uma vez queremos crer que a partezinha da divindade suprema que calha em sorte a cada um de nós nos permite compreender de forma particular o mundo que nos rodeia.

Assim, a existência estará para o olhar do mesmo modo que viver está para ver. Os bois olham o palácio, os seres humanos (mais afortunados) vivem nele. Tudo estaria bem caso estas capacidades fossem inatas no ser humano. Ver e viver.

O problema reside no facto de sermos demasiados os que nos comprazemos com a bovinidade de olhar e existir, pastando imagens que ruminamos com a placidez de qualquer quadrúpede mais pacífico, incapazes, sequer, de vislumbrarmos lá no fundo daquilo a que chamamos alma, o tesouro da visão que caracteriza a possibilidade de vivermos o mundo plenamente.
A aprendizagem da visão dura o tempo de uma vida. Nem todos parecemos interessados ou avisados para tão excelente trabalho. Estou em crer que reside na visão a possibilidade de sermos mais humanos e que, caso todo o ser humano tivesse acesso a uma educação visual mínima o planeta seria bem diferente.
Para melhor, é bom de ver, até as vacas e os bois teriam a possibilidade de serem mais felizes!

terça-feira, novembro 21, 2006

Grande animação!

Quem nunca viu não sabe o que está a perder. Esta peculiar série de animação saída da Aardman Animations tem a mãozinha marota de Nick Park, o criador dos imortais Wallace and Gromit e também do supersónico Chicken Run. Tudo material da primeiríssima qualidade!

Em http://www.creaturecomforts.tv/ pode o feliz leitor estabelecer um encontro imediato do 1º grau com os habitantes deste universo genial e avaliar a possibilidade vir a conhecê-los melhor.
O DVD (capa na imagem) está a bom preço no mercado (7€ mais coisa menos coisa) e contém dois discos com 13 episódios e making of ao longo de, aproximadamente, 140 minutos.
Como é para maiores de 6 anos até dá para ver com a pirralhada por perto sem temer um susto violento ao dobrar da esquina.

A série baseia-se na curta-metragem homónima de Nick Park que lhe valeu um Oscar em 1990 (ele já ganhou outros). A série é realizada por Richard Goleszowski responsável pelo abstruso Rex the Runt http://www.aardman.com/rextherunt/window.html .

Nick Park http://www.britmovie.co.uk/biog/p/006.html merece todos os elogios e ainda mais um tal a qualidade e originalidade do trabalho que se atreve a produzir e acaba por inspirar outros criadores mundo adiante como se pode verificar fazendo uma pesquisa no YouTube.
5 estrelas.

segunda-feira, novembro 20, 2006

Quase um ano


No dia 28 deste mês faz um ano que surgiu este "100 Cabeças".
Em jeito de comemoração (ahahahah) aqui fica o primeiríssimo post da coisa.
Note-se como se mantém perfeitamente actual dada a intemporalidade do tema.

Questão de contexto

"A Fonte" foi eleita como a mais significativa obra de arte do século passado.O princípio consiste em retirar um objecto do contexto com o qual nos habituámos a relacioná-lo, dar-lhe um nome diferente e... aí está! Uma obra de arte completamente inesperada.

Mas... será esta atitude assim tão extraordinária?Quando passeamos a carcaça por entre as paredes de um qualquer museu, Europa adentro, admirando as obras expostas, estaremos tão longe do urinol de Duchamp quanto imaginamos?

O que diria um egípcio fabricante de sarcófagos ao ver a sua obra exposta sem pudor aos olhos de toda a gente?

E Bosch, ao ver a sua obra numa sala do Museu Nacional de Arte Antiga, junto a outras, igualmente retiradas do contexto para o qual foram criadas e ali espetadas para espanto do pessoal e demais papalvos?

Os museus são, na verdade, imensos depósitos dos mais variados readymade cuja principal qualidade é terem o condão de sossegar os visitantes quanto à grandeza do passeio que efectuam.

Tal como a montra do talho expõe o corpo retalhado da vaca, também o Museu expõe pedaços das criações de artistas e quejandos, roubados aos locais de origem, esvaziados de magia e significado, banalizando o acto criativo ao nível da bola de Berlim com um copo de água morna.

Talvez fosse melhor mijar no urinol de Duchamp.

domingo, novembro 19, 2006

Viva nós!

http://www.cristinasampaio.com/ quem não conhece as excelentes ilustrações de Cristina Sampaio?


Andamos às voltas com o melhor e o pior português, o melhor e o pior de ser português e outras bizantinices do género. Alguém nos chamou os latinos tristes, outros incluiram-nos no tristemente célebre eixo dos PIGS (Portuguese, Italians, Greeks and Spanish), os habitantes do ensolarado sul da Europa, mais lentos e desleixados que os nossos irmãos limpinhos do Norte, mais por causa do Sol que de outra coisa qualquer. Verdade, verdadinha, a quem pode isto aproveitar uma nesga que seja? Quer-me cá parecer que a ninguém! Fica, no entanto, o exercício sempre apetecível de dizer mal de fulano e endeusar sicrano, lembrar beltrano que tinha tanto para dar mas que a morte ceifou demasiado cedo. Contas feitas limpamos o sótão de alguns macaquitos mais sujos e cabeludos, abrimos as janelas e arejamos a coisa.

Amanhã iremos lembrar-nos de outros heróis e vilões que lhes correspondam e havemos de experimentar novas frases e novas comparações bombásticas entre pessoas e coisas, ou animais e pessoas, ou entre coisas e animais que parecem pessoas e nos fazem lembrar dessas coisas, o que for necessário ao eterno desporto nacional que o povo prefere e a nação acarinha: o Escárnio e Maldizer! É disto que eu sei, é disto que o meu povo gosta!