terça-feira, dezembro 20, 2005

Veneno


Eles estão ali, no écran, e debatem, debatem, mas não me chegam a entusiasmar.
Esta pré-campanha promete uma longa seca de ideias e dispensava bem a campanha que se vai seguir.

Adivinha-se um massacre indecente às nossas inteligências nos tempos mais próximos. Se pudesse saltava já direitinho para o dia 22 de Janeiro e ia votar. Guardava apenas uns diazinhos que me vão encontrar longe daqui, sem as fronhas destes dois mais as dos outros a enfeitarem-me as manhãs, sem declarações bombásticas nem rasteiras no escuro.

Pelo que vejo o ogre Cavaco está poderoso no seu papel de cordeiro e o velho Soares mais fracote a fazer de lobo. Nem o velho morde nem o outro é suficientemente tenro para ser mordido.

Começo a acreditar piamente na hipótese de Sócrates ter ido buscar Soares ao remanso da reforma para o queimar no fogo lento desta secosa que agora começa a tomar contornos de coisa insuportável. O primeiro ministro prefere Cavaco como cara-metade e, não tendo cara-de-pau suficiente para o apoiar, desencantou à pressa este velhote com a chama a apagar-se nitidamente.

Sócrates encheu o copo de Soares com veneno. E o velho, convencido da sua superior inteligência, faz figura de palonço e vai bebendo, bebendo, até estoirar em desatino.

Tá mal!

domingo, dezembro 18, 2005

O deserto


Tenho andado a matutar nesta coisa da arte ser para todos ou nem por isso.

Se é preciso frequentar as belas-artes para não nos sentirmos como bovinos numa saleta em Serralves vou ali, já venho.

Afinal de contas de contas haverá algum fundo de verdade na percepção de Leonel Moura sobre a possibilidade uma arte sem artista, realizada pelos seus robôs pintores (na imagem uma observadora parece esmagada pela evidência do objecto de arte), ou aquilo é mais ou menos como a história das pulgas acrobatas?

O estucador é um artista? O marceneiro? O artista conceptual? Onde começa e onde acaba a fronteira desta coisa? Um retábulo na parede do museu é mais empolgante que um golo do Sporting no écran plano pendurado na parede da tasca da esquina? Ainda haverá quem se preocupe verdadeiramente com esta treta?

Desde que a arte deixou de se debruçar sobre narrativas comuns e se deixou cair no interior do artista, passando a "ilustrar" a sua interioridade, a sua interpretação particular, a sua percepção, a intuição, etc., começou a travessia do deserto. A arte perde-se demasiadas vezes no mais tenebroso deserto, o deserto das ideias e germina uma estranha floresta de poses mais ou menos fotogénicas.

Não sei se tudo começou no Romantismo, se no Simbolismo, não sei sequer se alguma vez começou ou se terá, até, acabado entretanto. O que sei é que, no deserto, a arte se transformou em algo menos claro, mais místico e críptico. No entanto as dúvidas permanecem.

Não foi sempre assim? Alguma vez a arte deixou de ser elitista? Alguma vez foi verdadeiramente popular? Quando? Em que época?
Alguma vez esteve fora do deserto?

segunda-feira, dezembro 12, 2005

Os debates entre os cãodidatos à presidência da república têm sido um sinal dos tempos. Na verdade não são debates, são outra coisa qualquer para a qual ainda não foi encontrada designação a preceito.

Os oponentes estão de ladecos um pró outro e só falam com os entrevistadores ou moderadores ou... enfim, com quem têm à frente, como é normal. Os contactos entre eles são em diferido e, caso pretendam olhar-se nos olhos, vêem-se obrigados a retorcer-se quais enguias na ponta do anzol.

Começa a chatear o pessoal que estejam sempre a dizer a mesma coisa, respondendo a questões circulares que rondam os mesmos temas com a única diferença de serem formuladas pelos pivots das várias estações que organizam os ditos debates.

Vão mudando as parelhas mas o discurso é mais ou menos o mesmo, como as rábulas dos palhaços nos circos de antigamente. O rico, branco, de lágrima pintada na bochecha e o pobre, de nariz vermelho e chapéuzito amarrotado. Mudavam os circos, mudavam os homens debaixo das figuras, mas as anedotas pouco variavam e pouca piada tinham. Ou então eram cómicas e era eu percebia mal o alcance da coisa!

A coisa resume-se ao embrulho. O conteúdo é dispensável. Anunciam-se os debates como se de combates de boxe se tratasse e aproveitam-se os intervalos para publicitar prendas de natal e sabonetes.

Cavaco é o paradigma da coisa. Fala sem dizer nada o que, convenhamos, é feito considerável. Caso venha a ser eleito será a imagem reflexo dos eleitores. Vazio, inculto e com um penteado que mete medo.

domingo, dezembro 04, 2005

Santidade


Não deixa de ser intrigante.
Como podem os milagres acontecer sem que saibamos ou tenhamos notícia?
Então não é que o defunto João Paulo II curou milagrosamente uma mulher (não sei onde, nem isso interessa) pelo que vai ser canonizado não tarda nada? Sinceramente nunca tinha ouvido qualquer referência a tão extraordinário acontecimento até ter lido uma discreta notícia no Público há um ou dois dias atrás.

Já suspeitava que a personagem tinha boas relações com o Além desde que garantiu ter visto a Virgem Maria a desviar a bala com que um palonço qualquer o tentou matar antes do tempo. Presunção e água benta, cada toma a que quer, diz-se por aí.

Depois veio a pífia revelação do 3º segredo de Fátima onde, supostamente, a Virgem já tinha mostrado à pobre Lúcia uma cena tipo Holywood, série B, que metia o Papa a levar no toutiço e um anjo a regar almas com um regador que mictava sangue e outras patranhas do género. O texto do segredo, ainda por cima, tem um estilo a beira da 4ª classe (antiga).

Catellan apanhou bem a soberba deste futuro santo na sua escultura/instalação.
Para a posteridade fica a imagem de um homem que acreditava estar num lugar especial entre os demais.

sábado, dezembro 03, 2005

Blogue, blogue, bloooogue.


Li algures que no século XIX, quando a imprensa surgiu em força e em forma houve um boom terrível e todos os que puderam ou tiveram o impulso, publicaram o seu jornalzinho, a sua página, o seu panfleto, foi uma festa!

Assim me quer parecer, acontece nos dias que correm com esta coisada dos blogues. É uma verdadeira pequena maravilha qualquer marmanjo poder verter no esquecimento do espaço virtual o que muito bem lhe passa pela santa cachimónia.

Da parte que me toca fui resistindo até mais não poder. Aqui vou deixando este palavreado sem qualquer feed back nem intenção especial que não seja isto mesmo. Tem o seu quê de adolescente e talvez seja esse o encanto irresistível.

Já quando apareceram as rádio piratas me envolvi numa das mais obscuras que emitia em Almada, talvez apenas para o prédio em que tinhamos montado o emissor. Era a Rádio Besouro e eu passava a semana a preparar um programa de uma hora que ninguém ouvia a não ser o locutor, mas isso era o que menos importava.

Este blogue tem o condão de me fazer escrever, uma actividade que muito prezo mas que me provoca ondas de preguiça que, normalmente, transformo em absolutamente nada.

Lembro-me de ter lido na introdução à colectânea de contos Cyberpunk, Mirroshades (Reflexos do Futuro na inqualificável tradução em português da colecção Argonauta, publicada em 1988) um entusiasmado Bruce Sterling considerar o poder incontrolável da fotocópia como uma arma potente da contra cultura Pop, uma forma de afirmação das culturas urbanas alternativas. Ganda Bruce, como estavas longe de imaginar esta cenaça que agora temos em mãos.

Será possível que estejamos perto de encontrar o Significado da Vida?
Será esse o nosso destino, verter tolices para o mundo virtual? Encher o planeta com palavras luminosas, cobrir o mundo de informação inútil?

Bah, quem se importa com isto? O que importa o que quer que

sexta-feira, dezembro 02, 2005

Realismo/Naturalismo














Uma imagem para reflectir.

O autor é Mark Tansey e o título da obra "The Innocent Eye Test", óleo sobre tela de 1981.

Pessoalmente, quando olho esta imagem, só me apetece dizer... múúúúúú.

terça-feira, novembro 29, 2005

Esforço de merda?


Se o Urinol de Duchamp cria resistências nas almas mais comuns que dizer da obra da Manzoni intituada Merda de Artista? Este caramelo terá embalado a sua própria caca em latinhas como a da imagem ao lado que depois colocou no mercado ao preço da grama de ouro.





A questão reside em aceitarmos ou não a natureza artistica desta merda.

Será necessário, antes do mais, decidir os limites da obra de arte. Desde Duchamp, pelo menos, que essa tarefa se tem revelado, no mínimo, complexa.

Com os ready made o consumo de arte deixou de ser cómodo. Anteriormente o amador sabia perfeitamente o aspecto e os limites permitidos á criação artística. Um quadro, um fresco luminoso, uma estátua no centro da praça recordando feitos heróicos ou o passado histórico. Nada mais fácil! Mas agora... latinhas de merda!?

Os exemplos são mais que muitos. O espectador é frequentemente confrontado com os seus próprios limites perante os mais variados objectos. Cabe-lhe participar, completando a obra de arte.

Convenhamos que pode revelar-se um trabalho de merda para o qual podemos não estar disponíveis, o que é perfeitamente normal.

Consta que Manzoni terá vendido todo o stock de merda embalada pelo preço pedido. Não há notícia (que eu saiba) de que alguém tenha ousado confirmar o conteúdo das latinhas já que isso iria arruinar o seu valor e quebrar-lhe o encanto.

Dá que pensar, não dá?

Então deve ser arte!

segunda-feira, novembro 28, 2005

Questão de contexto


"A Fonte" foi eleita como a mais significativa obra de arte do século passado.
O princípio consiste em retirar um objecto do contexto com o qual nos habituámos a relacioná-lo, dar-lhe um nome diferente e... aí está! Uma obra de arte completamente inesperada.

Mas... será esta atitude assim tão extraordinária?
Quando passeamos a carcaça por entre as paredes de um qualquer museu, Europa adentro, admirando as obras expostas, estaremos tão longe do urinol de Duchamp quanto imaginamos?

O que diria um fabricante de sarcófagos egípcio ao ver a sua obra exposta sem pudor aos olhos de toda a gente?

E Bosch, ao ver a sua obra numa sala do Museu Nacional de Arte Antiga, junto a outras, igualmente retiradas do contexto para o qual foram criadas e ali espetadas para espanto do pessoal e demais papalvos?

Os museus são, na verdade, imensos depósitos dos mais variados readymade cuja principal qualidade é terem o condão de sossegar os visitantes quanto à grandeza do passeio que efectuam.

Tal como a montra do talho expõe o corpo retalhado da vaca, também o Museu expõe pedaços das criações de artistas e quejandos, roubados aos locais de origem, esvaziados de magia e significado, banalizando o acto criativo ao nível da bola de Berlim com um copo de água morna.

Talvez fosse melhor mijar no urinol de Duchamp.