sexta-feira, maio 31, 2024

Ir indo

    Já deixei de ser jovem há uns bons anos e estou-me bem a lixar. Não fosse uma dor aqui, uma azia ali, nem sequer havia de sentir o impulso de maldizer a idade. O que se perde numa perna ganha-se na cabeça, o que vai naquele braço fica a pairar no espírito. O corpo é o que mais se estraga (até ver), as peças gastam-se e não há como substituí-las. A juventude saudável é, sobretudo, um corpo que não se apercebe de si. 

     Valoriza-se muito a juventude, principalmente quando se é jovem. Do mesmo modo tendemos a considerar a velhice como uma oportunidade na busca de um sentido para o fim inevitável que se irá aproximando com o passar dos anos. Entretanto vamos vivendo.

    O envelhecimento não é um drama por aí além... até ver.

Mais morte

    É a guerra na Ucrânia, na Palestina, no Iémen... deve haver mais umas quantas que não fazem manchetes nos jornais mas tenho a certeza que há muito mais gente com armas nas mãos (e drogas na cabeça?) a matar-se com a ferocidade característica dos tresloucados.

    No meio disto tudo fico a pensar quantos milhares de euros são disparados de cada vez que voa um míssil. Por outro lado tento imaginar o que vai na cabeça de um iemenita que considera estar sob ataque constante dos "cruzados" do Ocidente. Qual o futuro das crianças e jovens da Palestina? Os israelitas levam demasiado à letra a ideia do "deus dos exércitos"e do "fogo divino". Qual a margem de entendimento entre russos e ucranianos?

    Parece-me que quem ganha são sempre os mesmos, os que estão dos dois lados; os que apoiam a luta dos oprimidos tanto quanto apoiam a dos opressores... fornecendo as armas.

terça-feira, maio 28, 2024

Menos morte

     À medida que o tempo passa os amigos vão morrendo. O mundo virtual encarrega-se de deixar vestígios dos que falecem. Recebemos notificações dos seus aniversários, de vez em quando encontramos um comentário na página do Facebook ou num post antigo do blogue. Revemos uma filmagenzita, a saudade aperta-nos o coração. 

    Talvez o mundo virtual retarde um nadinha o desaparecimento completo dos que já lá vão. Não nos liberta da lei da morte mas arranja maneira de a contrariar um bocadinho. É pouco, eu sei, mas é qualquer coisa.

domingo, maio 19, 2024

Acreditar

     Tantas coisas em que pensar, tantos objectivos para cumprir, a cabeça começa a pesar-me. Fossem coisas fáceis de resolver decerto não sentiria esta ligeira vertigem que começa a tomar forma por detrás dos meus olhos. A táctica a adoptar resume-se a: não esmorecer.

    Não esmorecer significa acreditar. Acreditar que serei capaz de solucionar os problemas, preencher os espaços vazios, produzir pensamento suficientemente eficaz de modo a não ficar embaraçado quando for tempo de apresentar resultados. Acreditar. É fundamental acreditar.

    Acreditar não é bem a mesma coisa que ter fé.

quinta-feira, maio 16, 2024

A coisa

     A coisa está complicada. Muito confusa. Hermética.

    Tenho dificuldades. Já sabia que fácil não era. Mas... tão complicada!?

    Tão complicada também não. 

    Não é justo. Não me parece que seja justo. Ainda por cima a inteligência não abunda.

    Só pode acabar mal. 

    Rezo muito. Tento inverter a ordem das coisas. A ordem que as coisas estão a tomar.

    Mas tenho a impressão de que as minhas preces caem em saco roto.

    A coisa está muito complicada. Confusa. Não me parece que haja solução.

    Era bom que houvesse solução. Que houvesse alguém capaz de compreender.

    Mas temo que essa pessoa não exista ou que não tenha nascido ainda. Pode nascer!

    Não gosto quando tenho sentimentos negativos mas odeio esta coisa. Essa é a verdade.

    Odeio esta coisa. Preferia que não existisse.

terça-feira, maio 14, 2024

Condição infantil

     Enquanto indivíduos podemos crescer, tornar-nos adultos. Ser adulto é algo muito valorizado socialmente pois implica saber-o-que-se-quer. Pergunto-me se saber-o-que-se-quer é algo indubitavelmente saudável e contribui, de facto, para a nossa felicidade ou mesmo para a nossa sanidade mental. Hitler, por exemplo, parecia saber bem o que queria. Era um adulto?

    A pergunta que esta manhã se me formou na cabeça foi: pode uma sociedade crescer? Tornar-se adulta?

    Se, como acontece com os indivíduos, uma sociedade precisa de saber-o-que-quer, então o problema é bastante complicado (para não dizer que é impossível de resolver). Não sei bem o que acontece na China, na Índia ou no Japão, mas tenho a impressão de que a "sociedade ocidental" anda um bocado perdida, não sabe ao certo o que quer e é muito infantil. É uma sociedade com um comportamento errático e que parece desejar ter tudo.

    Desejar tudo acaba por provocar uma desorientação permanente e parece conduzir-nos a uma situação final em que não teremos nada. Talvez isso seja um pormenor, talvez não-saber-o-que-se-quer e querer tudo nos seja indiferente pois o previsível descalabro final acabará por acontecer lá mais para diante. 

    Entretanto podemos ir usufruindo de muita coisinha boa, podemos viver este estado social infantil durante mais uma década ou duas imaginando que o bem-estar é inesgotável e que, tal como a economia e o universo, irá continuar a crescer infinitamente. Até ao dia em que deixar de acontecer.

domingo, maio 05, 2024

Paul Auster (1947-2024)


    Há uma certa diferença entre usufruir da leitura e compreender a obra lida no contexto do universo criativo do autor. 

    Mais ainda, há uma certa diferença entre ler vários livros de um autor e conseguir locazilá-lo na imensidão do cosmos da criação literária. Enfim, Paul Auster ofereceu-me excelentes momentos, outros nem por isso. 

    A qualidade artística é sempre intermitente, raramente ou nunca é constante. A genialidade é meramente ocasional.