quarta-feira, agosto 30, 2023

Mundos machos

    O governo francês proíbe o uso da abaya nas escolas. O governo iraniano vai usar a Inteligência Artificial para detectar e punir mulheres que não usem o véu islâmico. Em ambos os casos assistimos a situações nas quais homens que detêm o poder criam regras para reprimir as mulheres que habitam nas suas zonas de influência. Uns em nome da laicidade do estado, outros em nome da lei religiosa, inventam regras e definem castigos dirigidos exclusivamente às mulheres. Seja em nome de Deus ou da República tudo isto é repulsivo. 

    A repressão machista é como uma Internacional, ultrapassa fronteiras e encontra expressão adequada em diferentes contextos civilizacionais. Esta Internacional do Macho congrega vontades independentemente do credo religioso e da organização política. Diferentes nos seus fundamentos, regimes democráticos, teocráticos e autocráticos parecem ter em comum essa estranha capacidade de pôr homens (normalmente) velhos ou envelhecidos a decidir o que as mulheres de todas as idades devem ou não fazer bem como aquilo a que podem ou não aspirar. 

    Seja onde e quando for, o machismo encontra sempre forma de manifestar o seu poder, dominando e moldando este Mundo e o outro. Vivemos num mundo macho e, depois de mortos, habitaremos um outro.

carta enviada ao director do jornal Público

quinta-feira, agosto 24, 2023

Desligar

     Podemos desligar por completo as vias de comunicação que nos ligam ao quotidiano delirante que normalmente habitamos? Sim! Não... mais ou menos!? É complicado mas talvez não seja impossível. É para experimentarmos esse corte que servem as férias. 

    Desligar por completo, não digo que seja possível. Esquecer bastante, sim. Esquecer suficientemente o quotidiano delirante está ao nosso alcance. O verdadeiro problema é encontrar o local e o modo que nos permitam fazê-lo. 

    Um dia destes terei de regressar ao mundo.

quarta-feira, agosto 23, 2023

Não era nada disto

    Não sei se também te acontece: estás com uma vontade do caraças de emitir uma opinião que te parece mais do que interessante mas, por qualquer razão, acabas por esquecer essa cena tão urgente e importante. Porra! Como foi possível acontecer tal coisa?

    Talvez aquilo que pensaste não fosse assim tão extraordinário. Talvez estejas a precisar de "memofante". Talvez o mundo não esteja preparado para tamanha revelação e o próprio Deus se tenha encarregado de despejar o divino autoclismo no interior da tua cabeça. As possibilidades são muitas e variadas, algumas nem sequer te ocorrem.

    A tal ideia não desapareceu por completo, parece estar ali ao virar da esquina, consegues vislumbrá-la mas não consegues vê-la. Sentes a sua presença. Se fosse animal que respirasse haveria de estar a bufar-te na base do pescoço, a fazer arrepiar os teus cabelos no topo da cabeça. Ora está à tua esquerda, lá mais atrás, ali adiante, não pára quieta mas não se deixa contemplar.

    O que descrevo acima aconteceu-me agora mesmo. Daí que o conteúdo deste post, à partida, não era para ser nada disto; era outra coisa, completamente diferente.

domingo, agosto 13, 2023

Marraficos

     É o diabo! Os computadores, as redes sociais, os telemóveis, as telecomunicações omnipresentes na existência dos mortais contemporâneos. As relações entre nós envenenadas pela artificialidade e a distância. Uma falsa sensação de contacto humano, mediada por instrumentos eléctricos... é o diabo.

    É o diabo. Militares mal encarados, monstros tristes enfurecidos, apontam unhas em direcção aos sonhos alheios, ordenam os disparos. Voam mísseis, voam drones, rolam temíveis carros de combate. Cidades em chamas, escombros sinistros e mortos, tantos mortos. Cemitérios repletos. Dizem-nos que é assim porque tinha de assim ser... é o diabo!

    É o diabo! Sentados, engravatados, perfumados. Eles são os senhores do mundo. Nos seus aviões, iates, mansões, são imperadores em volta de enceradas mesas de reuniões. Levantada a sobrancelha, milhões são despedidos, milhões deslocalizados, milhões lucrados. Trabalhadores, dívidas soberanas, taxas de juro, juras de amor, tudo é a mesma coisa. São os mercados... é o diabo.

    É o diabo. Está aqui, ali, em todo o lado. E nós com ele. É o diabo!

quarta-feira, agosto 09, 2023

Santa Coisinha

    Reclamava santidade. Que tinha encontrado Cristo numa volta do caminho e Ele lhe tinha falado. Que lhe disse? Complicado saber, pois que havia emudecido em função do milagre e a sua escrita padecia de uma ortografia desastrada criando densas selvas de sinais, signos e significados. Compreendê-la era aventura para quem tivesse suficiente coragem ou engenho correspondente; no mínimo, paciência.

    Era, assim, uma santa pouco capaz de despertar paixões místicas ou orientar vocações religiosas. Ninguém lhe ligava puto. Mas ela sabia muito bem o que acontecera naquela tarde de calor insuportável. Não tinha, dentro da alma, a mais pequena dúvida sobre a identidade daquele que lhe sorrira de feição tão fulminante e lhe falara dentro da cabeça as seguintes palavras: "Olá maluquinha, tás bem arranjada!" e foi tudo. Tão depressa falou lá foi à sua vida (ou existência ou lá como se pode designar aquilo que anima o Cristo) deixando-a ali especada, mijo pernas abaixo, olhar desorbitado, a tremer, a tremer, a tremer...

    O pessoal goza com ela, toda a gente satisfeita por ter, finalmente, uma tolinha na aldeia como manda a lei. Os cães ladram-lhe, os gatos nem sequer a olham. Mas ela: santa! Santa que viu o Cristo! Mais santa que muita santa de pau carunchoso e milagre duvidoso. Quando lhe pedem que explique o que aconteceu entre ela e o Filho de Deus lá vem aquele arremedo de linguagem gestual que é o que lhe resta para tentar comunicar com os outros habitantes deste mundo.

    É uma risota, um autêntico fartote, ver aquela mulher já desdentada, magra como uma louva-a-deus, a tricotar palavras imaginárias com braçadas frenéticas, esgares alucinados (os olhos tão expressivos!), aos saltos e aos pulos, a deitar gafanhotos por onde haviam de sair as palavras que o Senhor resolveu levar-lhe. 

    Nas noites de menor fervor cristão a mulher duvida que tenha sido milagre o que lhe aconteceu ou, talvez, que milagre e maldição sejam coisas da mesmíssima família, Deus a tivesse protegido.

O futuro à noite

    Um dia serei alguém. Por agora terei de contentar-me em ser quem sou. Quando for alguém poderei continuar exactamente assim. Ou ser uma pessoa diferente. Não consigo acreditar que o futuro esteja já escrito nem acredito que possa resumir-se a palavras.

    Hoje esteve um calor do caraças.

sábado, agosto 05, 2023

Centrifugador

   

    Podia falar de outra coisa mas não parece fazer sentido fazê-lo. A presença do Papa Francisco absorve tudo. Absorve a realidade levando de mistura ilusão, fé, bom-senso, maldade e mentira. O Papa centrifuga.

    Francisco é-me uma personagem mais do que simpática. Vejo nele uma possibilidade de transformação para melhor. Mas transformação de quê? Do mundo humano? Do planeta Terra? Da igreja católica? Não sei responder. Há algo de magnético naquele velhote simpático de verbo fácil.

    Mas Francisco tem 86 anos e muitas maleitas o atrapalham. A igreja católica tem muita gente boa mas, sendo para todos, todos, todos, tem muitas víboras e lacraus com duas pernas. Quando Francisco entregar a alma ao Criador o que irá acontecer?

     Deixo-te a pergunta, leitor amigo. Guarda no teu coração a resposta que encontrares.

terça-feira, agosto 01, 2023

Um tal de Legião

     Anda tudo num corrupio por influência das Jornadas Mundiais da Juventude. São milhares de jovens com um ar um tanto apatetado capazes de desatarem a cantar e a dançar não se percebe bem porquê. Estão permanentemente felizes e sorriem tanto que aquilo há-de fazer-lhes doer as bochechas quando lavarem os dentes. Vêm dos 4 cantos do mundo e estão a deixar o pessoal que vive por estas bandas um tanto inquieto.

    Eu era para já me ter escafedido de casa mas afazeres de última hora mantêm-me por aqui. São às pázadas! Os católicos são às pázadas.Não me irritam particularmente pois tenho conseguido manter-me a uma distância razoável. Vejo-os mas quase não os ouvi. Definitivamente ainda não fui obrigado a cheirá-los.

    Enfim, eu que tantas vezes despejo azedume sobre a igreja católica, não me sinto capaz de odiar esta putalhada simpática, apesar de me parecer chata pra caralho. Eles têm direito à felicidade. Isso chega-me para não desesperar de os ver por aí, desorientados em pequenos grupos organizados. Façam lá o que têm a fazer e regressem a vossas casas, ou fiquem por aí, o que importa? Mas reduzam-se. Tantos juntos chegam a parecer um tal de Legião.