segunda-feira, outubro 19, 2020

Espiral demencial

Os americanos declaram a relação que imaginam ter estabelecido com Deus  através da célebre formulação "in God we trust" que espalham, principalmente, através das  notas de dólar. É uma cena um bocado à Moisés, na base da "cúnfia", acreditando que Deus, por via da confiança declarada, os beneficiará de algum modo. É uma cena que se estabelece mais num certo espírito mafioso do que propriamente evangélico. Os americanos imaginam Deus como uma espécie de padrinho. Eles confiam em Deus, falta saber se Deus confia neles. 

Os Estados Unidos constroem o seu imaginário numa base estranhamente beata. Os seus dirigentes (de Reagan a Obama) estão constantemente a encomendar a alminha pátria à divindade. Por vezes parece que os EUA são uma teocracia onde o lugar de Deus é ocupado pela notas de dólar. Será tanto assim?

Este voraz deus americano (o dólar) é implacável para com os "loosers" e indecentemente complacente para com os "winners" tornando aquele país (os EUA são um país?) uma imensa esterqueira moral e ética que, por ser o "farol do mundo livre", exporta a sua porcaria para quase todo o mundo.

Nos tempos que correm o "sonho americano" vai perdendo fulgor. O deus dólar esvazia-se perante os nossos olhos como se a democracia americana fosse produto de uma gravidez histérica. A China aguarda o seu momento, placidamente sentada na penumbra da História. E nós? Nós pessoas, nós Humanos, o que podemos fazer além de esperar na sombra, juntamente com a China?


terça-feira, outubro 13, 2020

Manter a coisa simples

Tenho a nítida sensação de que Deus não morreu (shame on you Friedrich Nietzsche). Quanto a mim está vivinho da silva. Só não sei se desapareceu por não Lhe terem renovado o contrato, se meteu os papéis para a reforma. Foi à vida Dele, foi o que foi.

E fez muito bem. Ele sabe melhor que ninguém que a vida (a Existência) é muito mais do que aquilo que experienciamos através dos sentidos se bem que não nos tenha explicado suficientemente em que consiste (estou a falar da vida, da Existência).

Isto de Ser Humano é complicado. Pode ser uma tristeza. Tem-se aquela sensação de orfandade, de abandono... enfim, vou beber um copito de tinto e tasquinhar uns panadinhos de frango enquanto leio qualquer coisa edificante. Daqui a nada vou dar uma aula. São crianças, o meu público, convém que não me estique nas reflexões que lhes proponho.

Manter a coisa simples, eis o segredo do negócio que é viver.

terça-feira, outubro 06, 2020

Como se fôssemos ladrões

Sinto-me estranho nesta condição de professor mascarado perante turmas de alunos, também eles, de cara tapada. Bem posso sorrir, ninguém vê. A comunicação é engasgada, falta a leitura das expressões faciais, agora reduzidas a olhares. Quando um aluno fala sem levantar o braço torna-se difícil perceber qual deles foi. A sala é como um arquivo de pastas com etiquetas (cada aluno tem na mesa uma "placa" com o nome).

Não é fácil trabalhar nestas condições. A verdade é que ser professor nunca foi propriamente fácil. Após alguns anos de experiência, ser professor torna-se natural mas fácil, isso nunca. Seja como for estar na sala com a presença dos alunos, mesmo mascarados, como se fôssemos todos ladrões, é reconfortante após meses de confinamento e ensino a distância.

Deus nos guarde e permita que as aulas se mantenham nestes moldes.

segunda-feira, outubro 05, 2020

O próximo episódio

Não sei bem, sinto-me dividido. Entre optimismo e pessimismo, o meu coração esfrangalha-se. Por um lado tenho fé na Ciência, por outro não acredito que este modo de vida dure muito mais tempo. Decerto morrerei antes do colapso fatal, a derrocada absoluta do sistema capitalista, mas sinto já o leve perfume da desgraça.

A Ciência tem limites? Poderá ser a Ciência a coisa mais próxima da Divindade, caso a Divindade seja mesmo uma invenção gerada no espírito humano pelo terror absoluto que é o da sensação de solidão cósmica? Pode a Ciência criar a Divindade?

Não sei bem, por vezes tenho a sensação de que a vida é coisa de laboratório, que os sentimentos que me animam são de origem artificial, que a História não é mais que um argumento criado por laboriosos escritores nem sempre brilhantes. Por vezes tenho a sensação que cada um de nós é inventado e que o Destino é apenas o próximo episódio.