quinta-feira, fevereiro 27, 2020

Desalento

O faz-de-conta é cada vez menos mentira; a mentira é, cada vez mais, igual à verdade. Verdade e mentira deixaram de ser antónimos, cisas opostas, coisas distintas, verdade e mentira são agora irmãs gémeas, irmãs siamesas que partilham órgãos vitais, siamesas que partilham o coração num peito comum. Corre-lhes o mesmo sangue nas veias.

Tentamos por todos os meios corrigir a Natureza. No corpo aplicamos a cirurgia plástica, na imagem virtual, com maior eficácia, aplicamos o Photoshop. Retocamos, retorcemos, refazemos, tudo deve obedecer a um plano.

Há milénios imaginámos Deus, inventámos um modo divino de agir,nos tempos que correm imitamos esse modo de agir, imaginamo-nos deuses. A nossa soberba não tem limite: Deus criou a Natureza, nós corrigimos a obra de Deus. Podemos concluir que pensamos ser mais capazes que Deus?

Se eu fosse crente ia já pegar uma forquilha e sair para a rua à procura dos ímpios para os espetar numa parede. Como não sou crente compreendo que Deus é uma invenção humana, Criador e criatura são demasiado parecidos e, prova final da Sua inexistência, são uma boa merda.

terça-feira, fevereiro 25, 2020

3ª feira de Carnaval

Está tão calma esta tarde que se apaga! O dia passou devagar, nada aconteceu de extraordinário, apenas tempo, aquele tempo que se esgota. Foi mais um dia de espera; acoitado em casa não suspirei uma vez que fosse. O sol já apenas se faz adivinhar. A noite decerto cumprirá, burocraticamente, a função que lhe é atribuída.

Dias como este estão marcados no calendário para que acreditemos tê-los vivido. Olhamos a sequência numérica: 25. Não há que enganar. Podia cobrir o número com um "X", como fazem os prisioneiros que sonham com o dia em que serão libertados, enclausurados, a contar o tempo, as horas, os dias que faltam para que o futuro seja já uma sombra do passado.

Quanta melancolia tenho aconchegada no meu peito!

segunda-feira, fevereiro 24, 2020

A guerra

Anda o mundo agitado pela angústia causada por um novo vírus. Pergunto-me se será razão para tão grande alarme.

Se este vírus tivesse surgido há uns 100 anos atrás decerto não iria desassossegar do mesmo modo os nossos antepassados. Por um lado não teria à disposição a extraordinária ribalta que é o aparato mediático contemporâneo, capaz de transformar qualquer peido num autêntico mar de merda; por outro não haveria esta capacidade de espalhar por toda a superfície planetária uma maleita manhosa como esta pois a indústria do turismo voador ininterrupto não existia. Era uma coisa muito intermitente, incapaz de colocar pessoas infectadas em cada canto do mundo com uma rapidez estonteante.

Vivemos na Aldeia Global, estamos a comportar-nos como aldeões?

Esta história fez-me lembrar um conto de Leopoldo Lugones intitulado Os cavalos de Abdera no qual... talvez possas ler o conto, amigo leitor, e depois me dirás se há alguma sombra de lógica nesta minha comparação. Passando adiante: é como se os vírus tivessem algum tipo de inteligência e fossem capazes de definir estratégias guerreiras.

É a guerra.

domingo, fevereiro 09, 2020

Paz de espírito

O desconhecido pode provocar em nós angústias injustificadas. Só poderemos ter consciência dessa injustificação caso o desconhecido seja revelado. Se, por acaso, essa revelação nunca acontecer poderemos viver numa ignorância constante, em permanente equilíbrio sobre o fio da navalha mas sempre com um plácido sorriso nos lábios e uma pena de pintainho no lugar do coração.

quarta-feira, fevereiro 05, 2020

Morbidez cósmica

Um dia todo o meu corpo será esquecimento.
Até as estrelas morrem, caraças!

sábado, fevereiro 01, 2020

Say see you

E pronto, it's done, o Reino Unido cortou amarras da União e voga agora, alone, nos mares da Globalização. Sou pouco versado em política internacional mas isto, assim às primeiras, parece uma bad idea. Mas posso estar enganado.

Não sei bem o que irá mudar. Antes mesmo de Portugal ter entrado para a União já a Great Britain preenchia o meu imaginário muito por via da Pop Culture e não estou a ver que isso possa mudar significativamente com o Brexit. Como não sou um business man talvez não sinta a coisa no pêlo.

A sensação incómoda é a de que há um mundo inteiro a fazer pressão no sentido de esvaziar a União Europeia do seu significado. Russos, chineses, árabes e agora até mesmo os Estados Unidos da América, todos nos olham com desdém, como se devolvessem uma certa arrogância civilizacional que nos caracteriza.

Sem o Reino Unido ficamos mais pequenos, mais frágeis, reduzidos. Não há como ignorar isso. Mas pronto, cumpriu-se a vontade da maioria dos votantes lá da ilha. Resta dizer see you later e pouco mais. Hoje é o primeiro dia do resto das nossas vidas. Assim será amanhã e depois, e depois, e depois, ...