quarta-feira, janeiro 31, 2018

Caridade cristã


Miguel Relvas, esse político, por assim dizer, advoga a ideia de que, para se evitar a corrupção, os políticos deveriam ser mais bem pagos. Ou seja, mais dinheiro no bolso ao fim do mês diminuiria a tentação de ceder ao canto da sereia. Discordo.

Se um político ganha 5.000 por mês e é corrompido com uma oferta de 500.000, caso ganhasse 10.000 seria corruptível mediante o pagamento de 1.000.000, tão simples quanto isso: aritmética! Pessoalmente, estou convencido de que uma pessoa é honesta ou não é; independentemente das quantias envolvidas, a capacidade de resistir à tentação é intrínseca.

Na sociedade actual reina a convicção de que tudo se resolve com dinheiro. Existe um problema? Faça-se mais investimento e o problema tenderá a ser resolvido. Não me parece assim tão simples. A maior investimento terá de corresponder uma forma adequada de o aplicar. Talvez necessitemos de melhor investimento, um planeamento mais eficaz, uma atitude mais honesta e inteligente. Caso contrário o dinheiro investido poderá perder-se em corredores obscuros e bolsos fundos, como é costume.

Veja-se, por exemplo, o que aconteceu com os Fundos Comunitários no Portugal cavaquista. Uma parte considerável do dinheiro vertido no nosso quintal através da torneira da CEE acabou por se perder e servir apenas para enriquecer uma "elite" que, pelos vistos, ganhava pouco.

Fossem os ricos muito mais ricos e sobrariam migalhas suficientes para que os pobres não morressem de fome. Pois, a gente sabe como funciona esta espécie de caridade cristã,... está à vista!

segunda-feira, janeiro 29, 2018

Universalidade

Valores universais... universais? Há aqui uma certa confusão pois os Valores só fazem sentido numa perspectiva estritamente humana.

As raposas, os carapaus e as serpentes não se regem pelo mesmo tipo de Valores que os seres humanos e, no entanto, fazem parte dos habitantes deste planeta. Que dizer, então, dos habitantes de outros planetas que façam perto do nosso Universo?

Imaginemos, na medida do possível, uma espécie alienígena.

Imaginemos seres gasosos ou com 50 metros de envergadura ou seres que não suportem a proximidade da água. Que tipo de Valores serão queridos por estas coisas tão diferentes de nós?

Como poderemos convencer uma galinha de que a Dignidade é um Valor Universal quando nos preparamos para a degolar, depenar e enfiar na panela? Assim como assim, a nossa capacidade de comunicar com um galináceo é de tal modo reduzida que a bicha se há-de estar bem a cagar na nossa conversa.

Imaginemos uma espécie alienígena que se apaixone perdidamente pela nossa carnucha e invente mil e uma receitas de como cozinhar o corpo humano. Imaginemos um talho intergaláctico com carcaças humanas penduradas nas vitrinas. Quem poderá, em boa consciência, criticar os extra terrestres por nos quererem comer se nos alambazamos em carne de vaca, de faisão, de coelho, lagosta, pato, seja o que for que nade, voe, caminhe sobre as patas ou rasteje sobre o ventre (esse castigo divino infligido à puta da serpente).

Valores universais? Imaginemos o nosso planeta invadido e ocupado por seres demasiado grandes, demasiado fortes, demasiado desenvolvidos tecnologicamente, com demasiados dentes nas bocas, línguas compridas e viscosas a lamberem uma espécie de beiças e com os quais sejamos incapazes de comunicar.

Imaginemos o que vai na cabeça de uma vaquinha que nos olha com aqueles olhos de carneiro mal morto enquanto mastiga a ervinha com toda a elegância...

Oxalá sejamos invadidos por uma espécie vegetariana que adore bróculos e beterrabas.

quarta-feira, janeiro 24, 2018

Pacientar ou não pacientar

Cheguei perto do balcão. Havia bastante gente; quase muita gente. Esperavam a sua vez numa distribuição algo caótica. Pessoas caladas, olhar em alvo, quietas. Fiz como os outros. Parei, olhei, fiquei.

Durante um minuto (ou terão sido dois?) esperei, mas algo começou a incomodar-me, senti-me inquieto. Não percebi imediatamente a razão que me levou a sair daquele lugar com alguma rapidez. Apesar da fomeca saí. Dei por mim na rua. Apercebi-me que ficara um pouco angustiado.

Imaginei os outros lá dentro: paradinhos, à espera da papa, normalidade tão estranha! Saquei          de um cigarro... que stress! O que sou eu? Um bicho! Um bicho que não o quer ser? Essa é uma ambição desmedida para um bicho. Hesito em regressar. Tenho fome.

Ando para um lado e para o outro, como se cambaleasse, como se estivesse aturdido pela dúvida. Ser ou não ser, fazer ou não fazer... rai's parta, William, que merdiosca. Já tenho idade para ter paciência.


segunda-feira, janeiro 22, 2018

Uma cena bué ambígua

O prazo encurta a cada dia.
A responsabilidade aumenta na razão directa da diminuição do espaço que resta para que cumpras o compromisso assumido. Quem te mandou a ti meteres-te numa destas!? Ainda por cima não havendo necessidade!

Quando tomas as dores de um compromisso que assumes voluntariamente, quando decides meter mãos a uma obra à qual não estavas obrigado e começas a sentir a dúvida a roer-te as abas do sossego, qual ratinho esfomeado e divertido, ficas com a tripa um bocadinho deslizante.

De súbito apercebes-te de que não possuis as capacidades necessárias para levar a bom termo a tal tarefa. Sentes as orelhas a crescer como as do príncipe do conto. Por que raio te meteste em tal alhada? Mas, ainda assim, sorris e expões um semblante que irradia confiança. Não há que recuar, caraças! Nem pensar.

E assim vais, alegremente, vida adiante, fazendo o que deves e até o que não seria suposto fazeres mas que decidiste transformar em objectivo muito teu. És personagem de epopeia. Quanto ao resultado... o que interessa isso? O importante é que mostraste ao mundo que não tens medo dele. Nem de ti.

quinta-feira, janeiro 18, 2018

Invasão

Ainda Janeiro vai fazendo o seu pedregoso caminho, a chuva não caiu como esperado, mais pessoas morreram queimadas em terríveis incêndios, metáforas tenebrosas do Inferno na Terra. Minuto aqui, minuto ali, seguimos na barrigota de Janeiro como soldados gregos no cavalo de Tróia: preparamos em segredo a invasão do futuro.

Imagino o que sentiria o soldado, anónimo e barbudo, dedos cravados no punho da espada, agachado na escuridão interior da falsa cavalgadura, como se fosse merda a vascolejar-lhe na tripa. Quanta ansiedade, quanta vontade de receber na fronte a luz do Sol, de saltar no vazio, arma em riste, golpeando inimigos com profunda raiva e surpresa sufocante. Ah, imagino que... não imagino nada. Posso lá imaginar-me um soldado grego enfiado no cu de um monstruoso cavalo de madeira!

Do mesmo modo sinto a insegurança do homem que vive cada dia como se não houvesse depois de amanhã (até ao dia de amanhã ainda sou capaz de me projectar um pouco mais ou menos), o homem que invade o futuro a cada passo, como se o futuro não lhe pertencesse até ao momento em que se encontram: homem e momento; vida e destino.

Não consigo largar esta sensação de que vivemos sempre o primeiro e o último instante em simultâneo. Que vamos assim desde o momento em que nascemos até ao da despedida derradeira. "O fio da navalha" não serve para ilustrar esta sensação, terá de ser outra expressão. Alguém que a invente.   

terça-feira, janeiro 16, 2018

O corpo e a mente que mente

A passagem do tempo sente-se nas marcas exteriores. É o espelho que nos fala disso. Cá dentro as coisas mudam muito pouco. Não houvesse espelhos e alguns anos eram como se não tivessem passado.

Mas há também os joelhos e os rins. Além das rugas que sobem dos cantos da boca à base do nariz. Há os cabelos que embranquecem e os que caem, cabelos esquecidos. O corpo não acompanha a mente. O corpo muda com muito mais rapidez. O corpo e a mente vivem vidas diferentes, tempos diferentes.

Por vezes tenho a sensação de que o corpo e a mente existem em espaços não coincidentes e que a vida neste mundo (que mundo?) é a suprema ilusão de uma existência que lhes é comum.

Ser, parecer, parecer ser.

Estico as pernas e sinto-me melhor. Uma certa tensão muscular é fonte de algum regozijo. 

sábado, janeiro 06, 2018

Confusão interna

Há por aí muita gente com anseios de governação. Querem ser quem manda, quem orienta, quem aponta os horizontes para os quais deveremos apontar as nossas pencas. Em nome de quê? Quem lhes espevita a vontade de assim serem? Que coisa lhes acende a vaidade necessária à ambição?

Não sei, não compreendo. A alguns logo lhes vislumbramos o rabalhão gordo, a vigarice a iluminar-lhes a beiça luzidia. Mas outros há que não, que nada transparecem quando se lhes olha a gula das riquezas. São movidos apenas pelo sonho de mandar, pelo desejo de serem adorados, pela soberba de pisarem a vermelha passadeira?

Por vezes penso que melhor seria não haver Governo. Outras vezes dou por mim a desejar um Governo bem mais forte que o que há. Dança-me o entendimento em passos tão largos que por vezes me sinto muitíssimo estúpido. Fico confuso e desalentado. Não sei, não compreendo.

Olhando alguns desses ambiciosos cidadãos, ouvindo a torrente de palavras que largam boca fora, como se fosse um rio imparável na busca de um mar que desconhece, sinto uma espécie de raiva que não quero. Preferia o desprezo mas não posso, não consigo, não sei, não compreendo.

sexta-feira, janeiro 05, 2018

Fim de tarde cinzento (escuro)

Não sei se é de agora, se é coisa que venha já lá de trás, de tresantontem; não sei se é coisa nova, se velha. Está aqui. Agora mesmo. Está lá fora.

É uma histeria, um reboliço, gritaria, inquietude, uma boçalidade alarve, um ruído constante, irritante, com picos de estridência e trovões ocasionais de vozes mais grossas, encontrões nas portas, não sei bem. Estou cá dentro.


terça-feira, janeiro 02, 2018

Uma dúvida existencial



Estive a rever os meus desenhos de 2017. Foi um ano de grande produção, desenhei como raras vezes me lembro de o ter feito. Provavelmente foi o ano da minha vida de maior produção artística,criei dezenas de peças, ultrapassei, seguramente, a centena. Porquê?

Sim, por que razão se passou isto em 2017? Não é um número redondo, fiz 54 anos, não tive nenhuma exposição especial... o que me levou a desenhar tanto e de forma tão continuada?

De há uns anos para cá que, quando penso no tempo que já vivi, constato uma coisa óbvia: já lá vai muito mais de metade do tempo que tenho guardado na caixinha do meu destino. Já lá vão dois terços ou mais, como saber o tempo que me resta?

É essa dúvida que começa a mexer com os motores da minha existência quotidiana e me torna um pouco ansioso, quase muito, no que diz respeito à produção artística que imaginei ser capaz de conceber e transformar em objectos palpáveis? Será por isso que 2017 foi um ano tão produtivo?

Mal posso esperar por 2018.

segunda-feira, janeiro 01, 2018

Olá, outra vez

E pronto, hoje é o tal ano novo. Um dia sucede a outro e... punfas: passou um ano! Um ano inteiro metido no intervalo incomensurável que trauteia entre o final da 24.ª hora de um dia e o primeiro segundo da primeira hora de outro. É uma coisa pífia, um nada grandioso, um momento onde se descarregam sonhos como lixo a ser despejado numa grande lixeira. Daqui a nada já esquecemos a maioria.

A rua está tão sossegada. Antes fosse prenúncio dos tempos que se avizinham mas, amanhã, o trânsito ansioso, as pessoazinhas apressadas, o fulgor paranóico do quotidiano regressará em força para mostrar que um novo ano é sempre o prolongamento do velho. Nada mais.

Ainda assim, seja como for, que tenhas um novo ano cheio das banalidades que costumam desejar-se, ó meu muito caro leitor.