domingo, novembro 26, 2017

Censurado

Leio o jornal, os suplementos dominicais, as revistas em papel acetinado, leio posts no facebook, artigos de opinião, prosas engraçadotas, palavras ditas nos bicos dos pés e há uma palavra que se esgueira até ao topo do meu pensamento: FODA-SE!

Devo estar maldisposto.

sábado, novembro 25, 2017

Um certo terror

Quanto mais por aí ando mais me convenço de que estar vivo é temer ser ignorado. Nada aterroriza mais um ser humano do que a irrelevância, a transparência absoluta do Ser. Sermos olhados e termos a sensação de que  aquele olhar nos trespassa que somos camaleões perfeitos que nos confundimos com as paredes com os placards publicitários com os faróis apagados dos automóveis. Ah, horror dos horrores, não sermos nada é muito pior que não sermos ninguém!

domingo, novembro 19, 2017

Globalização

Esta coisa da globalização é uma teia complexa tecida a fio de merda. Desde o início da coisa (lá para os noventas) que logo se percebeu o logro que nos era enfiado goela abaixo. A globalização era, apenas, a globalização da economia, essa deusa-puta.

Globalizava-se a facilidade de circulação do capital mas nada se fazia em termos sociais ou políticos, por exemplo. Melhor dizendo, as questões sociais e políticas deveriam moldar-se nos altares da deusa-puta e mais nada.

Passadas duas décadas (ou três) o resultado previsto confirma a monstruosidade da coisa: uma percentagem cada vez menor de cabrões detém uma percentagem cada vez maior da riqueza produzida. A desigualdade é cavalgante.

Os ricos não têm nacionalidade ou, melhor dizendo, a riqueza é a sua nacionalidade sejam eles originários de onde forem.

Fomos bem enganados, como patinhos que sabem bem nadar, cabeças para baixo, rabinhos para o ar. Agora assistimos em pânico ao desabar das estruturas sociais e agitamos braços e bandeiras em desespero. Estaremos a tempo de inverter a desgraça?

domingo, novembro 12, 2017

Memória

A memória é uma coisa estranha; inventa-se a si própria, autonomiza-se, deixa-me sem saber o que de facto aconteceu, leva-me a acreditar mais nela do que em mim. A memória é como um animal de estimação a tiranizar o dono: quem possui o quê?

A memória é como água perdida numa estrutura arquitectónica, a furar, a encontrar sempre um buraquinho por onde passar, a inundar os espaços mais largos: a memória é uma inundação inesperada e surpreendente.

Tenho uma memória tão subtil que sou levado por ela a acreditar que é fraquinha, que não tem poder, que falha. A minha memória é tramada. Prega-me partidas constantemente. Sinto-me indefeso perante as suas traquinices. É ela quem me constrói o passado mas não lhe permito que me influencie o futuro. Acho eu...!

sábado, novembro 11, 2017

Este nosso Ubu


Adaptar o Rei Ubu para o Teatro na Gandaia foi a coisinha mais apaixonante que me foi permitida experimentar desde que ando a fazer pelo teatro. A princípio senti-me um pouco (muito) intimidado; era o respeitinho a fazer-me tremer as manitas sobre o teclado, o não querer defraudar o autor, nem a tradição, muito menos a grandeza da coisa, enfim, estava um tanto ou quanto acagaçado. Li versões que fui encontrando, observei longamente milhentas imagens das milhentas encenações que pululam nas páginas da Net, nada me descansava, antes pelo contrário. Quanto mais penetrava o espírito da coisa mais me parecia estar com o rabo à mostra. Sentia uma espécie de frio nas nalgas, o nariz enregelado mas… eu seja corno, havia que meter mãos à obra e deixar pruridos merdosos no fundo da gaveta: ou bem que somos homens ou então somos ratos ou outra merda qualquer, gâmbias de Deus!
Acredito piamente que a arte é uma massa informe (uma coisa plástica) que se encontra eternamente em suspensão à espera que alguém lhe deite a unha e faça dela uma coisa nova. Uma forma artística depende do tempo e do lugar em que vê a luz, não há vacas sagradas. Traduzir um texto é sempre reescrevê-lo. Perante o Ubu não havia que temer. Afinal de contas trata-se de um texto tão desopilante que se pode fazer dele quase tudo o que se queira desde que se mantenha fidelidade absoluta à brutalidade daquele gajo hediondo que tem como objectivo principal viver acima das suas possibilidades à custa do sofrimento alheio. Uma personagem clássica, aquele Ubu.
Como referências tinha o exemplo da banda que dá pelo nome de Pére Ubu e o dos punks de um modo geral, admirava de toda a minha alma os dadaístas nas suas múltiplas e corrosivas formas de expressão artística (ah, o grande Dada Max!), sentia-me capaz de fazer alguma coisa concreta e consequente com aquela massa plástica que o texto de Jarry colocava à minha frente, só me faltava o atrevimento que, confesso, não será o meu ponto mais forte nem mais óbvio. Lá me convenci a meter mãos à obra; primeiro titubeante, às apalpadelas, depois, à medida que ia avançando, cada vez mais convicto e mais feliz por me permitir a liberdade de comungar daquela intemporalidade maravilhosa que ia descobrindo a cada passo. Quando terminei percebi que participara na gestação de uma coisa selvagem.
Entreguei o texto à Ana Nave confiando na sua capacidade de dar vida ao texto mais abstruso, a sua extraordinária capacidade de fazer o teatro acontecer. Agora havia que aguardar.
Passaram meses de ensaios. Domingos e segundas-feiras. O grupo de actores foi-se ajustando, tal como o texto. A tal massa informe a ganhar contornos visíveis. A Rafaela Mapril tornou reais as figuras das personagens com esplendorosos figurinos, o Zé Rui iria ser o responsável por esculpir o espaço cénico a golpes de luz, tudo se conjugava daquela forma próxima da magia que é própria do Teatro.
Quando assisti ao primeiro ensaio geral fiquei embevecido. Apesar de todas as irregularidades e arestas por limar a coisa tinha a força que imaginara: grotesca, excessiva, brutal, potencialmente repelente mas plena de força, carregada de um vigor e de uma boçalidade capazes de incomodar os espíritos sensíveis, tal qual imaginara que poderia ser. Acredito que o resultado deste trabalho apaixonado não envergonharia o próprio Jarry, passe a imodéstia.
No dia da estreia compreendi que das duas uma: o espectador iria amar aquele objecto teatral ou odiá-lo, não me parece que a magnífica representação de todos os actores que estiveram em palco possa ter proporcionado sentimentos próximos da indiferença aos que assistiram, sentados na plateia do António Assunção.
Não há agradecimentos a fazer. O Rei Ubu não se agradece, faz-se!

segunda-feira, novembro 06, 2017

Bom tempo

O sol brilha, faz calor, a cidade vive mais um dia sossegado. Está bom tempo.

Chove a cântaros, as pessoas passam encolhidas debaixo dos guarda-chuva, os carros circulam com dificuldade. A cidade vive um dia difícil. Está mau tempo.

É assim que consideramos o estado meteorológico: sol é bom, chuva é mau. Nada mais estúpido do que esta apreciação egoísta e inconsciente.

Sem chuva não tarda a faltar água. Aliás, o país vive há anos em situação de seca mais ou menos severa, extrema em certas zonas do território. Apesar de ainda não sentirmos essa escassez nas torneiras das nossas casas, quem vive fora das cidades e precisa de água para a agricultura ou para satisfazer as necessidades dos animais que cria sente uma angústia crescente.

Fiz uma viagem até à Beira Alta. Depois de sair da A1, entrando pela IP3 dentro, comecei a ver os efeitos devastadores dos incêndios que assolaram o país, naqueles dias em que, na cidade, fez um tempo maravilhoso. Ali, no interior do país, foram dias infernais, dias de muito mau tempo.

Talvez devêssemos pensar um pouco mais quando classificamos o tempo que faz. Nos dias que correm, para que o tempo seja bom, estamos desesperadamente necessitados de chuva. Precisamos de muita chuva, imensa chuva, para que os próximos dias sejam esplendorosos. 

quarta-feira, novembro 01, 2017

Afectos

Muito se tem por aí falado de afectos nos últimos tempos. A questão da forma como os políticos reagiram à tragédia contínua dos incêndios e das mortes por eles provocadas é uma questão muito pantanosa.

Costa não mostrou consternação adequada, já Marcelo foi autêntica Madalena  e muito comoveu o nosso povo. Encontrou-se ali uma nesga de oportunidade para desenvolver duvidosa narrativa com os afectos como pano de fundo.

Nunca gostei de velórios nem de funerais. Talvez porque não tenho a certeza de como é suposto comportar-me nesses momentos de dor. Tenho lágrima fácil e comovo-me com facilidade perante a dor alheia mas não sei medir se é muita dor ou se é poucochinha.

Quer-me parecer que esta história é coisa que mete muita lágrima de crocodilo. Não confio em pessoas que choram com excelência e no momento exacto. Os crocodilos usam gravata preta.