“A realidade acaba sempre por derrotar a governação ideológica”; finalmente
Cavaco conseguiu produzir uma ideia com alguma substância. Como é costume, vou
tentar perceber o que quer ele dizer com isto.
Parece-me evidente que Cavaco Silva pretende dizer-nos que a realidade
é constituída em partes iguais por economia e finança, sistema bancário e
sistema monetário. Esta fórmula da realidade esmaga qualquer tentativa de fazer
com que a ideologia, seja ela qual for, possa sair da sua Caixa de Pandora e venha
desorientar as opções de vida das pessoas. Cavaco explica-nos algo que ele já
interiorizou há muito, muito tempo: a realidade materializa-se em números e
tabelas, fórmulas de cálculo e gráficos com setinhas. Tudo o mais são contos
infantis, como disse um dia Pedro Passos Coelho.
Cavaco e Passos conhecem bem a realidade. Graças a eles a economia e a
finança, o sistema bancário e o orçamento de estado têm sido, no nosso país,
protegidos dos ataques descabelados da ideologia, mantendo-se ancorados na
firmeza do mundo verdadeiro. Graças a eles a realidade é o que todos, agora,
sabemos.
“A realidade acaba sempre por derrotar a governação ideológica” pode
muito bem constituir um precioso legado que Cavaco nos deixa antes de se
retirar da vida política; ele que sempre desprezou os políticos e amou, apenas,
os economistas, os empresários corajosos e os gestores bancários; acima destes
apenas Deus, Nosso Senhor. Não esqueçamos este ensinamento luminoso vindo de um
homem presciente que nunca tinha dúvidas e raramente se enganava, um homem que não
se importa de ser o Sr. Silva, este estadista visionário, modesto e imbuído de
um abnegado espírito de missão que o levou a oferecer os melhores anos da sua
vida à causa pública.
Termino esta carta agradecendo a Cavaco tudo que ele fez por nós: a boa
governação, a honestidade acima de tudo, a sua extraordinária capacidade para
entender a realidade, que tantos dissabores poupou ao bom povo português, que,
com um fervor quase religioso, repetidamente lhe pôs nas mãos a bússola e o
leme da Nação.
Obrigado Cavaco. Bom Natal. Depois podes ir-te embora de vez. Não precisas
de voltar.