Esta manhã, ao olhar uma pequena e irrequieta nuvem de mosquitos que dançava num raio de sol, lembrei-me que a vida é uma coisa deveras complexa. Normalmente um gajo não pensa nessas coisas, de tal modo anda aos tropeções nos problemas quotidianos.
Senti uma certa tristeza.
Quando a humanidade patinar desta para melhor não haverá nada nem ninguém para a chorar, muito menos para lhe sentir a falta. Talvez Deus.
Um melro esvoaçou lá atrás. Depois outro que saltitou pelo chão naquele jeito meio apatetado que têm os pássaros quando andam, patas no chão. Olhei de novo os insectos bailarinos. O que comerão aqueles melros? Não sei, mas percebi que também aqueles insectos não terão ninguém para os carpir. Nem aqueles melros, nem o planeta Terra, quando o Sol se tiver extinguido e toda a vida tiver desaparecido da sua face azul, não haverá lágrimas nem gritos desesperados. Talvez Deus, ou então o silêncio.
Talvez Deus seja o Silêncio.
quarta-feira, outubro 30, 2013
domingo, outubro 27, 2013
Um filme de acção
Gravidade é um atípico filme de acção. O espectador assiste a uma sucessão de situações e imagens espectaculares, num ambiente visual exuberante, sem se aperceber que o tempo vai passando. Os diálogos são mínimos, o espaço é tão protagonista quanto Sandra Bullock ou o fugaz George Clooney.
É, sem dúvida, um filme diferente (diferente de quê, exactamente?) que me fez dar por muito bem empregue o tempo que estive sentado na sala de cinema.
Assisti a uma sessão em ecran "normal". Há a versão 3D, com os oculinhos mas, para alguém que, como eu, usa óculos para ver dois palmos à frente do nariz, usar aqueles sobre estes provoca um certo incómodo.
A ver, sem hesitações.
É, sem dúvida, um filme diferente (diferente de quê, exactamente?) que me fez dar por muito bem empregue o tempo que estive sentado na sala de cinema.
Assisti a uma sessão em ecran "normal". Há a versão 3D, com os oculinhos mas, para alguém que, como eu, usa óculos para ver dois palmos à frente do nariz, usar aqueles sobre estes provoca um certo incómodo.
A ver, sem hesitações.
sexta-feira, outubro 25, 2013
Anjos salvadores
Os partidos populistas crescem de influência um pouco por toda a Europa. Os líderes destes partidos emergentes apresentam-se como salvadores da pátria amada, regeneradores das mentes corruptas, paladinos da verdade e da justiça. Vêm degolar o monstro instalado no poder e ocupar o seu lugar: simples, belos, puros, reluzentes, eles são a esperança de Deus na humanidade.
Olhados um pouco mais de perto, os candidatos a santo têm rugas, dão peidos e cheiram mal da boca, tal como os que dizem execrar. Anda por ali muito fascista disfarçado de menino de coro, muito oportunista de Capuchinho Vermelho e vice-versa.
O problema da corrupção dos poderosos não se resolve com a vinda destes messias de pacotilha. Resolve-se com instituições democráticas fortes e uma participação cívica activa. Os anjos salvadores depressa se transformam em vingadores e depois... a desgraça.
Olhados um pouco mais de perto, os candidatos a santo têm rugas, dão peidos e cheiram mal da boca, tal como os que dizem execrar. Anda por ali muito fascista disfarçado de menino de coro, muito oportunista de Capuchinho Vermelho e vice-versa.
O problema da corrupção dos poderosos não se resolve com a vinda destes messias de pacotilha. Resolve-se com instituições democráticas fortes e uma participação cívica activa. Os anjos salvadores depressa se transformam em vingadores e depois... a desgraça.
quarta-feira, outubro 23, 2013
Eu sou o que vejo mas não vejo o que sou.
Diz-se que sem afastamento não conseguimos percepcionar a perspectiva. Parece ser evidente. Com o nariz em cima do muro não percebemos o palácio lá mais atrás.
Olhamos as atitudes dos outros e é-nos fácil opinar: "Olha que besta! Olha que estúpido! Vê-me bem aquele camelo!"
Ainda por cima parece que temos maior facilidade em depreciar do que apreciar. Se é para dizer bem preferimos ficar calados. Acho que temos vergonha. Dizer mal é o que está a dar.
Olhar para nós próprios pode ser semelhante a tentar olhar o palácio com o nariz encostado ao muro.
Eu sou o que vejo mas não vejo o que sou.
Olhamos as atitudes dos outros e é-nos fácil opinar: "Olha que besta! Olha que estúpido! Vê-me bem aquele camelo!"
Ainda por cima parece que temos maior facilidade em depreciar do que apreciar. Se é para dizer bem preferimos ficar calados. Acho que temos vergonha. Dizer mal é o que está a dar.
Olhar para nós próprios pode ser semelhante a tentar olhar o palácio com o nariz encostado ao muro.
Eu sou o que vejo mas não vejo o que sou.
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sexta-feira, outubro 18, 2013
Lixaria
O mundo está cheio de lixo. Há o lixo evidente: mares emporcalhados, ar irrespirável, destroços de todo o tipo em órbita (longe da vista longe do coração), e há aquele lixo que ninguém vê a não ser quem o traz dentro da cabeça.
Esse lixo, secreto e escondido nas contracurvas do cérebro de cada um, é um mistério mesmo para quem o tem guardado fundo. O facto de ser tão difícil de perceber faz com que esse lixo pessoal e personalizado nos ofusque a percepção e nos leve, demasiadas vezes, a cometer injustiças, avaliações de carácter apressadas, a ditar sentenças de morte a quem merece a vida.
O lixo dentro de nós é uma poluição da alma, uma coisa perigosa.
(a propósito de um post no Varal de Ideias, aqui)
Esse lixo, secreto e escondido nas contracurvas do cérebro de cada um, é um mistério mesmo para quem o tem guardado fundo. O facto de ser tão difícil de perceber faz com que esse lixo pessoal e personalizado nos ofusque a percepção e nos leve, demasiadas vezes, a cometer injustiças, avaliações de carácter apressadas, a ditar sentenças de morte a quem merece a vida.
O lixo dentro de nós é uma poluição da alma, uma coisa perigosa.
(a propósito de um post no Varal de Ideias, aqui)
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quinta-feira, outubro 17, 2013
Da governação
Há tarefas impostas por dever profissional que deviam ser proibidas pela mesma lei que nos obriga a cumpri-las. Oh, caraças, que seca tão grande temos nós de aturar quando reunidos em assembleia para decidir, ponto por ponto, dezenas de regras e regulamentos.
Pois, é uma seca tremenda, uma seca que desorienta o mais pintado e faz desesperar o mais corajoso. São montanhas de palavras escritas e revoadas violentas de palavras ditas. Talvez haja quem tenha nascido para isto.
Após umas horas deste trabalho extenuante saio para a rua que entretanto anoiteceu e tem agora bolinhas de luz, sóis pequeninos pendurados no topo dos mastros dos candeeiros. O ar está fresco. É agradável. Quando entrei na sala de reuniões estava calor, o casaco pesava-me nas costas e agora o casaco parece-me leve.
Hoje de manhã, o dia seguinte, pensei: quem é capaz de passar a vida a fazer aquilo? Estar fechado dentro de uma sala com umas quantas pessoas dispostas em círculo, com um vazio no meio, um vazio para onde se atiram ideias e palavras tentando construir ali uma coisa comum, uma coisa que se compreenda e faça sentido. Porra, que modo de vida seria esse!
Mas não é assim que se governa o mundo? Pessoas fechadas em salas, homens engravatados mulheres com laca na cabeça, todos a preencher o vazio entre eles com ideias que governem o mundo. Pessoas que passam a vida a falar, a olhar para gráficos e papéis, a tentar encontrar uma determinada ordem que ponha algum sentido na vida delas, que faça do mundo aquela coisa que põem ali no meio, entre elas.
Cá fora está-se muito melhor mas não se governa nada.
Pois, é uma seca tremenda, uma seca que desorienta o mais pintado e faz desesperar o mais corajoso. São montanhas de palavras escritas e revoadas violentas de palavras ditas. Talvez haja quem tenha nascido para isto.
Após umas horas deste trabalho extenuante saio para a rua que entretanto anoiteceu e tem agora bolinhas de luz, sóis pequeninos pendurados no topo dos mastros dos candeeiros. O ar está fresco. É agradável. Quando entrei na sala de reuniões estava calor, o casaco pesava-me nas costas e agora o casaco parece-me leve.
Hoje de manhã, o dia seguinte, pensei: quem é capaz de passar a vida a fazer aquilo? Estar fechado dentro de uma sala com umas quantas pessoas dispostas em círculo, com um vazio no meio, um vazio para onde se atiram ideias e palavras tentando construir ali uma coisa comum, uma coisa que se compreenda e faça sentido. Porra, que modo de vida seria esse!
Mas não é assim que se governa o mundo? Pessoas fechadas em salas, homens engravatados mulheres com laca na cabeça, todos a preencher o vazio entre eles com ideias que governem o mundo. Pessoas que passam a vida a falar, a olhar para gráficos e papéis, a tentar encontrar uma determinada ordem que ponha algum sentido na vida delas, que faça do mundo aquela coisa que põem ali no meio, entre elas.
Cá fora está-se muito melhor mas não se governa nada.
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quinta-feira, outubro 10, 2013
Bom e bonito
Na rua as árvores resplandecem em variados tons de um verde magnífico e projectam no chão sombras que são rendas escuras bordadas pelo astro-rei.
Amon Ra mostra-se magnânimo e bem disposto.
Ouvem-se chilreios de pássaros escondidos na folhagem e ramos mais altos. Tento adivinhar-lhes a forma, imagino-os coloridos. Uma mulher passa por mim com uma criança pela mão. Vão apressadas, decerto em direcção à escola.
A manhã nasce bem disposta.
Os automóveis deslizam silenciosos, respeitando religiosamente os sinais de trânsito. Está tudo tão bem, tão perfeito, tão bonito que até parece mentira!
Olho em redor, desconfiado, à espera que me caia um piano em cima da cabeça ou que um demónio assassino saia detrás do caixote do lixo de faca em riste... mas nada. O dia está, simplesmente, bom e bonito.
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quarta-feira, outubro 09, 2013
Vai Eduardo!
Recebi pelo correio um envelope gordinho com carimbos brasileiros. Trazia dentro o último livro do Eduardo P. Lunardelli. Penso que todos os que lêem estas linhas sabem de quem se trata (caro leitor, se eventualmente não souber a quem me refiro clique aqui e ficará com uma ideia).
O livro intitula-se "Agudas e Crônicas", o acento circunflexo ajudando a compreender as diferenças de pronúncia de um lado e outro do Atlântico. É um volume que reúne os escritos que Eduardo vai postando diariamente tanto no Varal de Ideias quanto no Facebook. Curtos e apontados ao coração.
Lê-se de um tiro ou, melhor, lê-se como uma rajada de metralhadora, cada "crônica" puxa a "crónica" seguinte, num desfiar escorreito de leitura fácil.
Grato pelo livro, Eduardo.
O livro intitula-se "Agudas e Crônicas", o acento circunflexo ajudando a compreender as diferenças de pronúncia de um lado e outro do Atlântico. É um volume que reúne os escritos que Eduardo vai postando diariamente tanto no Varal de Ideias quanto no Facebook. Curtos e apontados ao coração.
Lê-se de um tiro ou, melhor, lê-se como uma rajada de metralhadora, cada "crônica" puxa a "crónica" seguinte, num desfiar escorreito de leitura fácil.
Grato pelo livro, Eduardo.
domingo, outubro 06, 2013
Os infelizes
Segundo
Passos Coelho Rui Machete foi “infeliz” nas afirmações que produziu quando
andou a lamber botas na Rádio Nacional de Angola. Quer-me parecer que, mais do
que infeliz, foi espertalhão, daquele jeito que o são todos os “chico-espertos”
com cartão de militante dos partidos do “arco do poder”. Na verdade, todos os
espertalhões que nos governam são infelizes. São uns tristes porque não têm
escrúpulos nem cultura suficiente para compreender a grandeza dos valores
éticos que deveriam orientar as suas acções enquanto responsáveis pela coisa
pública. Ignorância?
Foi infeliz
Paulo Portas, foi infeliz Miguel Relvas, foi infeliz Miguel Macedo, infeliz foi
Aguiar Branco e é infeliz Maria Luís Albuquerque. Muito infeliz é Nuno Crato. Infelicíssimo
foi Miguel Gaspar. No meio de todos estes infelizes escapa Assunção Cristas
graças aos deslumbramentos da maternidade. Infeliz se mostrou Cavaco Silva
quando confundiu Thomas Mann com Thomas More ou quando comeu bolo-rei de boca
aberta perante uma nação estupefacta com tal falta de educação. Infeliz é o
povo que elege esta gente para o representar e governar. Assim se compreende
que nem Machete se demita nem Passos veja razões para o demitir.
Somos nós os
responsáveis por tanta infelicidade. A nossa infelicidade é colectiva como o
revelam certos estudos internacionais que tentam compreender o sentir das
nações do mundo. Há mesmo quem nos designe por “latinos tristes”. Pois é, somos
uns tristes. E Machete é ministro dos negócios estrangeiros mas quer-me parecer
que os negócios pelos quais ele vela serão de natureza a rondar o
inconfessável, natureza idêntica aos de Miguel Relvas ou de Dias Loureiro, para
citar apenas dois homens de bem (como nos assegurava Cavaco em relação ao seu
fiel conselheiro) que entretanto se diluíram na imensidão da sua infelicidade,
desaparecendo dos radares da opinião pública e se aconchegam agora nos lençóis
de seda do mais doce esquecimento.
Isto é uma gente que não lembraria ao diabo
mas que anda por aí e o povo, a querer dormir descansado, não compreende porque
tem tantos pesadelos a assombrar-lhe o quotidiano. Portugal, apesar de tanto
fato e gravata, é um país com muito mau aspecto.
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