quinta-feira, março 31, 2011
Vazio
Não ser; não estar; não ver (muito menos ouvir). O mundo parece estar entupido; ou então estúpido!!!
Talvez seja eu (ou tu... será que estás entupido?), há uma certa sensação de fastio, algo semelhante a cansaço.
As respostas estarão no fundo da garrafa? Para o saber é necessário esvaziá-la. Pronto, lá está de novo a tal sensação de vazio!
quarta-feira, março 30, 2011
Ver a vida viver
A banalidade é uma coisa maravilhosa quando a olhamos com atenção. É espantoso verificar como a banalidade ganha contornos de coisa extraordinária quando a isolamos no nosso pensamento. Uma mulher que cospe para o chão na paragem de autocarro, três outras que conversam num grupo com grande atenção à que fala e que parece crescer por ter ouvidos abertos às suas palavras, um homem magro com o ombro na parede e o telemóvel encostado ao ouvido num gesto de descontracção absolutamente ofuscante. Rolar nas ruas da cidade com banda sonora dentro do habitáculo do automóvel, sem destino certo nem angústias de urgência, é algo banal que proporciona momentos de uma beleza rude e suja, uma beleza que talvez não chegue a sê-lo. Hoje roubei uns minutos ao meu dia para ir ver a vida a viver no meio do betão, do metal andante e do lixo esvoaçante. Sem palavras, com Lou Reed em pano de fundo.
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domingo, março 27, 2011
Pós de Democracia
Já ouviste falar do conceito de pós-democracia?
"A “pós-democracia” é um sistema político em que a democracia representativa fica cativa das elites totalitárias que se representam exclusivamente a si próprias." (ler aqui)
Nos últimos dias, já não sei exactamente quando, dei de caras com esta designação e este conceito: pós-democracia. Sob esta luz, os acontecimentos recentes em Portugal, para dar um exemplo claro, ganham contornos mais definidos. Já todos sabíamos que "eles" são todos iguais, que "eles" querem é poleiro, que "eles" são uma corja de ladrões que andam a encher-se à custa do povo. O mais complicado é perceber quem são "eles".
Por mais de uma vez dei aqui, no 100 Cabeças, notícia da minha perspectiva da falência do regime democrático em favor daquilo a que chamei, com deselegância, reconheço, de "chinesização" do mundo ocidental. Clicando na hiperligação ali atrás encontrarás o vocábulo "sinificação" que já há muito faz parte do léxico do blogue Perspectivas.
Resumindo e concluindo, o processo de "sinificação" da nossa sociedade é resultado da ascenção do sistema pós-democrático em termos de influência na determinação do nosso futuro imediato enquanto sociedade e sua desfiguração num médio/longo prazo.
O que quer isto dizer? De um modo curto e duro significa: mais trabalho com menor remuneração e progressivo apagamento dos direitos fundamentais dos cidadãos das sociedades democráticas. Significa um retrocesso civilizacional em benefício de um avanço económico global com distribuição assimétrica da riqueza. Os ricos cada vez mais ricos, as classes médias a aproximarem-se das fronteiras da pobreza e os pobres transformados em escravos. Um Mundo Novo muito pouco admirável.
sábado, março 26, 2011
O meu sonho tem boca
Quando o nosso coração ama os olhos ficam confusos. Quando o nosso coração ama a cabeça deixa de ter uso. A cabeça num corpo apaixonado é mero objecto decorativo.
Ai que confusão, essa coisa de amor ser diferente de paixão!
Quando o nosso coração ama as palavras ficam ainda mais fraquinhas, pequeninas, coisinhas ténues e descoloridas perante a força do batimento muscular que nos envia o sangue para a cabeça com a velocidade de um cometa e a bravura de uma chuva de estrelas imprevista. Todos os dias. Todos os santos dias e nos profanos também. Nao há astrónomo que nos valha.
E o tempo? Que poderá ter o tempo a ver com isto? Quando se ama alguém o toque é mais importante que o relógio. Ai a pele! O odor é alucinogégico e o calor do corpo amado... ai Jesus, o calor! O calor anula por completo o calendário. Os anos não passam Os anos ficam quietos como um gato esborrachado numa auto-estrada batida por um sol impiedoso.
O amor é um lugar maravilhoso. Nesse lugar o meu sonho tem boca. Sem mentira.
sexta-feira, março 25, 2011
Contas de mercearia
Hoje li um texto sobre a guerra na Líbia que terminava com a frase "A verdade é que o mundo tem pela frente uma guerra que lhe vai sair cara." Reli a dita frase uma e outra vez, tentando imaginar uma guerra que não tenha um preço elevado e dei por mim a fazer contas de cabeça.
Quanto custa uma guerra? Há a perspectiva puramente económica que tem a ver com os gastos em armamento e reconstrução dos espaços derrubados à força dos bombardeamentos. Coisa muito cara, decerto. Mas há uma outra perspectiva, a das pessoas que se vêem no meio do caos guerreiro. Mortos e feridos, estropiados físicamente e os que ficam com o cérebro feito em papa de aveia, os zumbis. Aqui as contas ficam mais difíceis de realizar.
Quanto custa uma vida transformada em coisa automática, um cérebro assaltado constantemente por terrores diurnos e pavorosos pesadelos quando se lhe fecham os olhos?
O preço que o mundo paga pelas guerras em que se vai metendo não é nada comparado com o preço pago pelos indivíduos que a fazem, sejam voluntários ou não na girândola da carnificina. Não façamos contas à guerra. Simplesmente não a façamos.
Quanto custa uma guerra? Há a perspectiva puramente económica que tem a ver com os gastos em armamento e reconstrução dos espaços derrubados à força dos bombardeamentos. Coisa muito cara, decerto. Mas há uma outra perspectiva, a das pessoas que se vêem no meio do caos guerreiro. Mortos e feridos, estropiados físicamente e os que ficam com o cérebro feito em papa de aveia, os zumbis. Aqui as contas ficam mais difíceis de realizar.
Quanto custa uma vida transformada em coisa automática, um cérebro assaltado constantemente por terrores diurnos e pavorosos pesadelos quando se lhe fecham os olhos?
O preço que o mundo paga pelas guerras em que se vai metendo não é nada comparado com o preço pago pelos indivíduos que a fazem, sejam voluntários ou não na girândola da carnificina. Não façamos contas à guerra. Simplesmente não a façamos.
quinta-feira, março 24, 2011
Labirinto em linha recta
Terminei a leitura de mais um livro de Roberto Bolaño. Quanto mais o leio mais me convenço que, quando for grande, quero ser como ele. Enquanto sou pequenino, pequenininho, como sou agora, deleito-me apenas com a contemplação das suas páginas, da sua literatura mais fluente que um rio outrora límpido, agora repleto de seres em permanente mutação devido a uma contaminação inesperada. Um rio mais poluído que todo o mundo em que morremos. A merda toda enfiada no leito de um rio magnífico que não pára de correr em direcção a um mar qualquer, mesmo sabendo que, quando nele desaguar, vai ser o bom e o bonito. Um rio consciente, uma coisa que não existe e que, no entanto, está aqui mesmo, à vista de todos os que tiverem olhos para o ver.
A Literatura Nazi nas Américas é água desse tal rio. Água que corre eternamente debaixo das mesmas pontes e lhes vai corroendo os pilares de sustentação, água imprópria para qualquer tipo de consumo, mas, ainda assim, água, fonte de estranhas formas de vida. Já tenho na mesinha de cabeceira Os Dissabores do Verdadeiro Polícia. Vou continuar a beber desta água enquanto nela vou nadando.
terça-feira, março 22, 2011
Recuerdo
Por vezes é como um avião a bater as asas no espaço apertado de um quarto fechado dentro de uma pensão de putas. Ali o coração bate sempre da mesma maneira, como um motor a precisar de mudar o óleo. A rapariga. muito branca, com uma pele irreal, fala uma língua incompreensível e lá fora há uma agitação desmedida: deflagrou um incêndio no prédio ao lado. A rua está um caos! Bombeiros, curiosos e labaredas altíssimas desfazem o sentido último da realidade, abrindo um portal para outra dimensão. O avião volteia, zumbindo de encontro às paredes, um homem gordo sua as estopinhas, sentado à janela. Bebe vinho directamente de um garrafão e vai choramingando a sua sorte e a que adivinha para as paredes daquele castelo malcheiroso que é o seu. Ele é o rei da pensão, o chanceler das putas, o grande educador das mais velhas, as que já não têm dentes e não podem mordê-lo. O nosso herói senta-se defronte ao gordo seboso e partilha com ele o gargalo do garrafão. O motor começa a funcionar melhor, está mais ágil, permite outro tipo de olhar sobre o inferno ardente na casa do vizinho. A rapariga transparente já não é mais que um fantasma. O herói engordou e do incêndio não restam mais que cinzas e memórias difusas. O passado intersecta momentos confusos, faz-se o presente. E é tão triste. É tudo tão triste, caraças, como é possível haver uma tão consistente forma corpórea para essa coisa que não se sabe o que seja, a tristeza. Como é possível, meu deus, que ninguém tenha morrido naquela noite? E que agora estejam todos mortos?
domingo, março 20, 2011
A guerra é a guerra?
Índio com verdadeiro Tomahawk
A guerra chegou assim, de mansinho, quase sem se dar por ela. Desta vez é mesmo aqui em baixo, ali, na outra margem do Mar Mediterrâneo. Mais uma vez as forças militares ocidentais avançam sobre um país soberano com o objectivo de defender as populações locais da fúria do tiranete de serviço. Tiranete que ainda ontem era amigo do peito (e muito bem recebido) de alguns dos que agora cerram fileiras contra ele. Lembram-se de Saddam Hussein?
O folclore mitológico dos mísseis Tomahawk volta a ocupar as primeiras páginas dos nossos jornais. Mais uma vez estamos em guerra, na defesa dos ideais democráticos. Por acaso, tal como no Iraque, também a Líbia é um importante país produtor de petróleo. Mas deve ser apenas por acaso. No Sudão, para dar apenas um exemplo, há crimes confirmados contra a humanidade mas ninguém lá vai meter o bedelho. Ao que parece, ali, não vale a pena.
sexta-feira, março 18, 2011
Momento musical
O palhaço Tosta-Rica tinha um coração tortorrado que lhe deslocava a alma do lugar habitado pela restante humanidade. A cada momento as coisas pareciam crescer, torcer-se e revoltar-se, como sons atirados ao espaço entre colinas ensolaradas, sons indistintos ecoando numa busca desesperada pelo infinito.
Tosta-Rica pensou ter enlouquecido ou, pelo menos, sentiu que lhe fugia o controlo dos sentidos que o mantinham ligado ao mundo circundante. Uma tontura mais violenta do que leve fê-lo soprar o trombone de plástico que emitiu um som que parecia gemido de elefante moribundo. Sentou-se e pediu ao anão "por favor, um copo com água". O anão não o ouvia pois as gargalhadas do público engoliam tudo e não deixavam mais nada.
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quinta-feira, março 17, 2011
Palhaços maus
Há personagens capazes de tudo para aparecerem na fotografia. Ora se põem em bicos de pés, ora empurram o parceiro do lado com um sorriso velhaco e palavras de ocasião na ponta da língua. Estas coisas viventes raramente se preocupam com algo que ultrapasse as fronteiras do respectivo corpo; umbigo e nariz limitam-lhes os horizontes.
Já não tenho paciência para ouvir estes palhaços maus a fazerem as suas rábulas imbecis e mesquinhas a toda a hora. Não acredito numa linha do que lhes escrevem nos discursos nem numa palavra dos seus inspirados improvisos para microfone e câmara de filmar.
São personagens historicamente irrelevantes, notas de rodapé, quando muito, se conseguirem ser palhaços mesmo muito maus. Volto a página, mudo de canal, desligo o rádio. Estou farto deles e, embora saiba que parte relevante do meu futuro a eles está ligado, quero que se vão lixar. Longe de mim e dos meus, de preferência.
domingo, março 13, 2011
Nas costas do cão
Coisas como aquela que aconteceu no Japão deixam-me desarmado. Não tenho palavras, não consigo pensar em nada de jeito. Sinto-me como uma pulga que vive nas costas de um cão que está a dormir e que. de vez em quando, se coça ou estremece.
No Verão passado estive no Japão e saí de lá embevecido com tudo o que por lá vi e por lá vivi.
Se deus existe...
O filho da puta do cão está com insónias.
Madoka, você está aí?
sexta-feira, março 11, 2011
Momento
O que fazer quando as pessoas à tua frente estão à espera que faças algo inesperado? Mantê-las na dúvida, digo eu, alimentar o suspense com um gesto interrompido uma frase plena de sentidos duplos, triplos, quadrupulos, uma frase de potencial explosivo largada como se fosse uma bomba repleta de penas de cisne. Uma bomba que, caindo, nunca mais chega ao destino dela que é, como o de todas as bombas que nasceram bombas, rebentar! Largar essa frase enganosa que é bomba que é leve, que é bomba cujo peso está dentro da cabeça aberta pelos olhos do espectador, e não da bomba. Em suma: uma bomba tão falsa, tão falsa, que não há bomba mais verdadeira no mundo todo, por muito que procuremos.
E é vê-los, atentos, suspensos, ansiosos por um momento de deslumbramento, que pode até nem nunca chegar mas que é gratificante, mesmo que nunca ultrapasse a mera categoria de desejo. Desejar, muitas vezes, é o bastante; que a materialização do objecto do nosso desejo nem sempre é suportável.
E tu ziguezagueias, tu danças e inflectes o discurso até encontrares a curva perfeita que te permite bater ao de leve com a testa no tampo da mesa à tua frente sem que isso pareça desajustado ou violento. A marradinha que dás é um dos tais momentos inesperados que introduzes na perfomance. De improviso. E a plateia acomoda-se no seu lugar. Fica à espera daquilo que aí vem. E tu tens o dever de manter a situação no fio da navalha. Mesmo que seja uma navalha a fingir, incapaz de ferir seja quem for.
quinta-feira, março 10, 2011
Feras Amestradas
clica sobre o cartaz para uma leitura eficaz
Após uma antestreia com a sala a transbordar de público (foi aqui há umas semanas atrás), o espectáculo Feras Amestradas (uma comédia musical negra à portuguesa) - ver aqui- vai a cena nos próximos dias 23, 24 e 25 deste mês, no Incrível Club (a antiga sala de cinema da Incrível Almadense) e é integrado na Quinzena da Juventude de Almada.
É uma encenação de Afonso Guerreiro, sobre textos da minha autoria (recolhidos entre os que fui publicando ao longo dos últimos anos aqui, no 100 Cabeças), música (excelente) de João Costa e inquietantes vídeos de Miguel Jerónimo. A interpretação está a cargo de uma manada de feras/actores composta por Ana Margarida Leal (Magui), Ana Rodrigues, António Olaio, Duarte Cardoso Águas (Xucas), Lucila Pereira, Inês Paula, Joana Maria, João Costa, Patrícia Caeiro, Rui Lopes, Rute Moura, Rute Jorge e São Nunes.
O ambiente é negro, com momentos de ofuscante luminosidade e a viagem vai da prostração à euforia, do fado ao punk desenfreado. Começou por ser um exercício de mestrado em Artes do Espectáculo para a Escola Superior de Cinema e Teatro (o encenador foi avaliado com 18 valores, o que muito nos orgulha, a todos os que fazemos parte desta aventura) e agora é um espectáculo teatral, muito simplesmente.
A entrada é livre. Nós também.
terça-feira, março 08, 2011
Liberdade não é democracia
Segue-se a transcrição de uma parte do trabalho de reportagem de Paulo Moura na Líbia, publicada na edição do jornal Público de Domingo, 6 de Março:
"Não me agrada um regime como o de Khadafi, que tira a liberdade às pessoas", diz Nader. "Por isso vim para cá ajudar os líbios a lutarem pela liberdade. Por um regime verdadeiramente livre, não uma democracia". Para ele, democracia não significa governo do povo, mas sim um regime igual ao dos EUA, de Khadafi ou Mubarak. "Na democracia as pessoas não são livres por causa do crime e da corrupção. Não há justiça quando vivemos sob a lei do Homem. Só a lei de Deus é justa. Num país onde vigora a lei de Deus, se uma pessoa rouba, o Governo manda cortar~lhe a mão. E nunca mais rouba. E também ninguém mais o faz, porque as pessoas não querem ficar sem mãos." E Nader dá exemplos da aplicação da Sharia na sua versão mais estrita. Para ele, isso permitiria viver em liberdade.
"Onde é que há verdadeira democracia? Digam-me."
Como exemplo de regime onde o povo vivia em liberdade, Nader dá o do Mullah Omar, líder dos taliban no Afeganistão. "Mubarak não permitia que o criticassem. E mandava a polícia matar os cidadãos. É isso a democracia? Se não era democracia então porque o apoiavam os americanos? Também eles não são uma democracia?"
Um dos amigos líbios que estão a ouvir o empolgado discurso de Nader interrompe-o. "Não. Nós somos pela democracia." Diz Abdessalam Ali, de 28 anos. "É errado dizer que não queremos a democracia. Somos muçulmanos mas democratas." E o outro, Jomaa Assan, de 20 anos, explica: "Se dizemos que não queremos a democracia, os americanos bombardeiam-nos. Como fizeram no Afeganistão e no Iraque. Nós não queremos a guerra com os americanos. Somos democratas."
Coisas como esta deixam-me a pensar. Sabemos bem que "o mundo de cada um é os olhos que tem" mas dificilmente conseguimos sequer imaginar o que os olhos dos outros vêem, mesmo quando estamos ambos a olhar para a mesma coisa.
domingo, março 06, 2011
Procurando a divindade
Foto de uma pintura que estou a fazer (mais uma) a partir de Quixote
Se há personagem que eu amo (perdidamente) é esse fidalgo com os miolos queimados que dá pelo nome (magnífico nome, mais sonante que o próprio nome de deus) de Dom Quixote, o Cavaleiro da Triste Figura. Haverá designação mais romântica do que esta? E haverá maior antecipação temporal (pronto, está bem, chama-lhe "antecipação cronológica", não me faz espécie) do que a descrita por Cervantes?
Se já não existisse Cristo, seria Quixote o nosso Deus e Cervantes o seu (nosso) profeta.
Cá para mim Quixote é muito mais profundamente humano que Jesus Cristo. A forma como Quixote acredita, a sua fé no amor, é algo muito mais inspirador. Afinal de contas Cristo é uma coisa esquisita, um erro de Jeová. Quixote é o nosso erro, o erro de Ser Humano.
Este Dmingo vou rezar a Dom Quixote de La Mancha. Quero que se lixe.
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sábado, março 05, 2011
O mundo (afinal) não está assim tão perdido!
A história conta-se rapidamente. No Sábado passado fui a Torres Novas ver o concerto de John Cale. Foi no Teatro Virgínia, local que nunca antes na vida tinha visitado. Comprara 2 bilhetes via INTERNET mas a minha acompanhante não chegou a tempo de viajarmos juntos para Torres. Acabei por ir sozinho.
Quando levantei os bilhetes expliquei a situação à menina da bilheteira. Ela informou-me que, estando a lotação da sala esgotada, havia pessoas interessadas na aquisição do que me sobrava. Deixei o bilhete e o meu número de telemóvel e lá fui assistir à função.
John Cale entrou em palco coxeando da perna direita mas isso não o impediu de deslumbrar. Ele e os 3 músicos extrordinários que o acompanharam. Ninguém se sentou no lugar ao meu lado e, afinal, havia mais algmas cadeiras vazias.As previsões de enchente pareciam não se confirmar.
Quando o concerto terminou dirigi-me à bilheteira para confirmar a não-venda do meu bilhete. Não estava ninguém, havia muita gente a descomprimir das emoções musicais e eu, como tinha a viagem de regresso para fazer, resolvi não esperar pela menina dos bilhetes e vim-me embora.
Passados alguns dias recebi uma chamada no telemóvel. Era da bilheteira do Teatro Virgínia. Disse-me a voz no meu ouvido que o meu bilhete havia sido vendido e que tinham os "meus" 10 euros. Como podia isso ter acontecido? Perguntei; se ninguém se tinha sentado ao meu lado e ainda se viam mais cadeiras vazias... que algumas pessoas haviam preferido ficar em pé, junto à entrada, pessoas com pernas de dançarino e que o comprador do meu bilhete decerto seria um desses.
A senhora que me falava ao ouvido propôs-se enviar-me a nota pelo correio. Combinámos que a informaria da minha morada por e-mail. Assim se fez. Na 4ª feira recebi um envelope tendo como remetente a Drª Telma Martinho, do Teatro Virgínia, no Largo José Lopes dos Santos, em Torres Vedras. Lá dentro, a nota mágica de 10 euros, embrulhada num papel (para disfarçar), a nota que me fez perceber que, afinal, o mundo não está tão perdido quanto isso.
Por vezes digo a mim próprio que por cada sacana há 50 pessoas honestas. Nunca fui bom em estatística, trata-se apenas de um feeling. Obrigado, Drª Telma, obrigado Teatro Virgínia, por me ajudarem a acreditar que algumas ideias que parecem parvas não o são. Pelo menos completamente.
quarta-feira, março 02, 2011
terça-feira, março 01, 2011
Como se flutuasse
Acabei de ler O Terceiro Reich, de Bolaño, e estou meio azamboado. Entretanto, abrindo o jornal, encontrei esta frase "escrita na pedra". As coisas encaixam-se como têm de se encaixar, é assim que o tempo passa e vai fazendo mais ou menos sentido.
Nos últimos dias tenho seguido os acontecimentos na Líbia com alguma distracção própria de quem é movido por pouco mais que uma simples curiosidade. Eu sei que o que está a acontecer no norte de África é muito importante para o futuro da Europa mas sinto apenas um certo torpor intelectual. Fico à espera do tempo que há-de vir. Que mais fazer? Se tiver que levar um enxerto de porrada espero ter capacidade para aguentar e voltar à luta.
Os líbios, tal como os egípcios, tentam ultrapassar décadas de opressão. Mas o que me chama a atenção são as referências a um poder que desdenha as populações, uma classe política que se serve do Estado como se fosse coisa exclusivamente sua, tipos que se eternizam em lugares de chefia e vão usufruindo de uma riqueza que não é deles. Nisso encontro semelhanças incomodativas com aqueles que me governam, aqui deste lado do Mar Mediterrâneo. A diferença fundamental parece ser a legitimação democrática. Aqui elegemos os que nos exploram e ali os exploradores dispensam o incómodo do acto eleitoral.
A frase de Luther King ecoa como um aviso feito em forma de ameaça velada.
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