segunda-feira, agosto 30, 2010
Gordos
A notícia é estranha: Crianças obesas com risco para a saúde podem ser separadas de pais que não os ajudem a perder peso (ler aqui). Na verdade a coisa entra-nos pelos olhos dentro, cada vez há mais putos parecidos com o boneco dos pneus Michelin, a deitarem refegos de gordura para os lados das calças e mais redondinhos que uma bola de praia insuflável.
Os motivos de tal deformação generalizada não serão difíceis de equacionar: um modo de vida cada vez mais sedentário, horas a fio a jogar joguinhos de écrã e a ver desenhos animados e séries imbecis destinadas a criancinhas, tudo isto acompanhado com saborosos snacks repletos de sal e gorduras variadas, ponteado por uma publicidade fulminante e agressiva durante os intervalos fazem ganhar volume a qualquer um, por mais magrinho que seja quando se inicia nestes prazeres da vida contemporânea.
O tipo de alimentação, à base de junk food, é terrível mas dificilmente se lhe pode fugir. A publicidade dirigida aos miúdos, a doçura do açúcar, a facilidade com que todas aquelas iguarias se enfiam pela garganta abaixo a preços convidativos e acessíveis não poupam ninguém. O processo é semelhante ao que inferniza a existência de qualquer drogado viciado; de início não se nota o vício a entranhar-se e, quando um gajo lhe quer fugir, nada a fazer: já foi apanhado!
A sugestão de afastar as crianças obesas dos pais, caso estes sejam coniventes com o alargamento das criaturas e não consigam impedi-lo, não deixa de ser estranho. Tiram as crianças aos pais e levam-nas para onde? Já estou a imaginar internatos para putos gordos em casarões obscuros, onde lhes cortam com as bolachinhas de chocolate, os hamburgueres e as pizzas ao pequeno almoço. Um casarão com um ginásio semelhante a uma câmara de torturas onde os obrigam a fazer exercício físico correndo em passadeiras eléctricas, como ratos de laboratório durante 6 horas por dia. Nada de TV nem de computador. Ali só são admitidos passeios ao ar livre, a pé ou de bicicleta, para abater asmaléficas banhas.
A notícia termina chamando a atenção para que retirar as crianças aos pais é uma opção a tomar apenas em desespero de causa: Já houve casos no Reino Unido, em Espanha e nos Estados Unidos em que os tribunais entenderam que as crianças, com obesidade mórbida, deviam ser afastadas dos pais. Antes, porém, de se partir para opções mais drásticas, diz Armando Leandro, deve tentar-se que "os pais interiorizem e assumam as suas responsabilidades e adquiram as necessárias competências parentais nesta matéria". Tem que se "apostar decididamente" na prevenção primária e secundária, diz, sublinhando a importância da "intervenção precoce".
Talvez se deixassemos de considerar as crianças como consumidores e as olhassemos como aquilo que realmente são: pessoas facilmente influenciáveis e um tanto desprotegidas no universo consumista e mediático; talvez pudessemos evitar este tipo de raciocínio verdadeiramente fascistóide que nos levar a considerar a hipótese de que cabe ao estado decidir o que é melhor para os filhos dos seus cidadãos. O tipo de protecção que estas crianças necessitam está desajustado e desfocado. O problema não está dentro das famílias, está à volta delas!
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quinta-feira, agosto 26, 2010
Eco
Dizem que uma das coisas boas que as viagens têm é o regresso a casa. Esta ideia tem o seu fundo de verdade. Regressar ao meu espaço privado é sempre gratificante. Reencontrar os objectos, os ambientes familiares, refazer os trajectos habituais é, agora e durante alguns dias, uma espécie de banho frsco em água limpa que me deixa o espírito calmo e revigorado.
As primeiras impressões são revestidas por um olhar mais atento do que o habitual. Os defeitos e as virtudes das coisas parecem mais evidentes, há um distanciamento adocicado, uma benevolência meio sonâmbula, uma paz interior que se vai diluindo com a passagem do tempo. Há um eco de memória...
Comparar o que vi do Japão com aquilo que vejo em Portugal é como tentar perceber se um doce de amêndoa é melhor que uma bifana de porco. São coisas tão diferentes que qualquer comparação pecará sempre por defeito ou por excesso, nunca se chega a compreender.
Gosto de viver aqui.
segunda-feira, agosto 23, 2010
Voar e rolar
As férias podem ser cansativas. Imaginamos sempre um tempo de descanso quando chega o dia mágico em que o trabalho fica em lista de espera mas, como tenho feito desde esse dia, podemos optar por entrar numa corrida desenfreada. E o descanso é mais psicológico do que físico.
Uma viagem entre Lisboa e Tóquio leva bem um dia de vida ao viajante. É o (pequeno) preço a pagar pelo atrevimento de ir tão longe e, depois, regressar para tão perto. Quanto tempo teriam os viajantes de outras eras que oferecer aos deuses das estradas, dos mares e das montanhas, antes de os deuses dos ares e das nuvens terem garantido o quase monopólio do negócio?
Para nós, aeronautas contemporâneos, um dia a voar, com ligeiros poisos aqui e ali, em diferentes aeroportos que, no fundo, são quase iguais, parece uma coisa extrema, uma aventura descabelada que põe em risco os nossos níveis habituais de comodidade. Quando sentimos isso, Vasco da Gama deve dizer palavrões e chamar-nos uma coisa que não sei qual seja, a coisa que antigamente se chamava àqueles que hoje chamamos de "mariquinhas" (o políticamente correcto que vá dar uma volta :-).
Depois de 4 horas no ar e mais 3 em terra, outras onze a voar ininterruptamente entre Londres e Hong Kong, mais outra espera e, finalmente, saltar em direcção ao aeroporto de Narita para, finalmente, apanhar um autocarro que nos levasse até ao hotel, em Tóquio, faz com que as horas se tornem coisa estranha. Ora dilatam, ora diminuem, de acordo com as nossas sensações e estados de espírito.
Já cheguei a Portugal há alguns dias (viajei imediatamente mais umas centenas de quilómetros conduzindo o meu carro, para lá e para cá) mas o relógio continua a mentir-me e eu a ele. O Japão começa a tomar aquela forma que as recordações ganham passado algum tempo. Os pormenores perdem intensidade e apenas as fotos e as notas que registei me permitem recuperar alguns momentos agradáveis que, de outro modo, acabariam perdidos na imensidão das gavetinhas no meu cérebro.
Isso fica para um outro post que este já vai longo de tanto voar e rolar na memória das viagens.
quarta-feira, agosto 18, 2010
A lógica da rendinha
Aeroporto da Portela, London Heathrow, Hong Kong, aeroporto de Narita, Tóquio; 24 horas de viagem, mais coisa menos coisa, entre tempos de vôo e tempos de espera para ligações aéreas. Tudo a horas, à beira da perfeição possível em situações deste género.
Em Tóquio apanhámos um autocarro entre Narita e o hotel. Os apoios para a cabeça eram feitos de renda. Depois reparámos que os táxis tinham também este estranho adereço, uma rendinha branca, muito branquinha mesmo, para ser mais exacto.
Numa cidade gigantesca como Tóquio (30 milhões de habitantes), a limpeza surpreende. Ruas limpíssimas, zonas específicas para fumar com cinzeiros evitam cigarros fumados e espalmados nos passeios, nem um papelito esquecido... assombroso! Raríssimos grafittis, túneis subterrâneos brilhantemente iluminados e limpos, túneis que cheiram a limpeza.
Pede-se às pessoas que que aceitem cumprir as regras com gentileza; que evitem fumar em andamento; que evitem comer ou beber nas ruas fora dos locais a isso destinados. E as pessoas cumprem religiosamente as indicações. Fica a dúvida sobre o que acontecerá caso as regras sejam desrespeitadas mas estou convencido que não acontece nada de especial e, talvez por isso, as regras são cumpridas por quase 100 em cada 100 pessoas. Esta capacidade de organização é estonteante para um gajo como eu, vindo de um país onde ninguém parece interessado em cumprir indicação nenhuma, por mínima que seja.
O sistema de transportes ferroviários, metro e comboios de superficíe, tem as mesmas qualidades. Limpeza e pontualidade absoluta. Os comboios sucedem-se constantemente, cruzam-se em diferentes níveis, passam lado a lado, sobem, descem, aproximam-se e afastam-se, num bailado mecânico com o rigor de um relógio suíço. Um português não está habituado a ser tratado com tanto respeito!
A tão afamada simpatia dos japoneses é um facto. Chega a ser embaraçosa a forma como os habitantes da cidade se mostram disponíveis e simpáticos, sempre a fazer vénias e mostrando sorrisos abertos, aos quais tentamos corresponder com algum atabalhoamento (o tempo haveria de ir corrigindo a nossa forma de responder a tamanha cortesia).
Um dos maiores receios dos habitantes de Tóquio parece ser o de induzir em erro quem lhes pede auxílio ou indicações. O inglês deles é esforçado mas resulta pavoroso, o que dificulta a comunicação. No entanto, a disponibilidade e vontade de colaborar acabam por compensar a barreira da língua e só se perde em Tóquio quem não for capaz de sorrir.
Li algures que a máxima aspiração de um japonês é fazer um trabalho bem feito. Após os primeiros contactos com os habitantes de Tóquio fiquei plenamente convencido de que isso corresponde à verdade.
Organização, asseio, polidez respeito pelo próximo... foi amor à primeira vista. Tóquio parecia uma cidade quase perfeita. As minhas dúvidas escondiam-se precisamente na sombra desse "quase". Não é possível que tudo seja assim tão "clean", tão certinho. Numa metrópole como aquela tem de haver esqueletos no armário e monstros no fundo da sanita. O facto de serem tão difíceis de encontrar agradou-me bastante mas gostaria de os vislumbrar, talvez mesmo dar-lhes uma valente olhadela.
A primeira impressão de Tóquio foi a de estar perante uma imensa rendinha branca.
terça-feira, agosto 03, 2010
Estação parva, pensamento a condizer...
O nosso pequeno mundo está assim, numa espécie de banho-maria. As elevadas temperaturas do Verão português fazem com que os cérebros cozam um bocadinho e algumas pessoas pareçam ainda mais estranhecas do que já pareciam quando tinham a massa cinzenta conservada em temperatura de arca frigorífica. Com o calor as ideias parece que derretem e, em vez de saírem firmes e hirtas, como convinha, antes escorrem, liquídas e peganhentas, moles, repulsivas.
No Verão convém tomar cuidados extra com a conservação das coisas que estão sujeitas à acção do calor. A comida não pode ficar fora do frio, correndo o risco de se degradar a olhos vistos, nem os pensamentos devem ser deixados em exposição directa aos raios solares, pois sujeitam-se a perder por completo o sentido, caso o calor seja demasiado.
Chama-se a esta época a "estação parva" (silly season em língua anglófona) e ninguém está livre de se transformar numa verdadeira alimária armada em ser racional, convencida de estar a produzir pensamentos profundos e estruturados quando, na verdade, está a fazer a mais completa figura de urso. E todos sabemos os problemas que o pêlo dos ursos lhes traz na época encalorada que atravessamos.
Os tugas migram em direcção à água do mar, procurando um conforto que ali nunca encontram por serem demasiados em tão curto areal. Amontoam-se, felizes ou infelizes e muito suados, convencidos de que é assim que se encontra a essência das coisas nos dias de Verão. Coitados deles (coitados de nós).
As notícias veiculadas pelos meios de informação mostram como estamos mais parvos do que habitualmente (o que poderá parecer difícil mas, na verdade, é bem fácil). Vou saír do país durante uns dias, para muito longe daqui.
Espero encontrar o país intacto, quando regressar. Quero dizer, espero voltar e poder sentir esta invencível imbecilidade geral que tão heroicamente preservamos e nos torna únicos neste mundo maravilhoso. Espero que Portugal se mantenha firme e hirto e não derreta com o calor que abrasa o território. Espero regressar e continuar merecedor da minha profunda portugalidade.
Até breve.
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segunda-feira, agosto 02, 2010
Grande cinema!
Não se deixem enganar, caros leitores, Toy Story 3 não é um filme infantil. Ou melhor, é um filme infantil mas não é isso que o leitor está a pensar. Quero dizer, se o leitor não viu os dois filmes anteriores desta série terá maiores dificuldades em compreender aquilo que a seguir vai ficar registado. Caramba, é complicado dizer o que me passa pela cabeça depois de assistir à projecção deste extraordinário filme.
Para quem está familiarizado com o trabalho absolutamente fora-de-série dos estúdios da Pixar, cada nova produção é uma promessa maravilhosa sempre cumprida com um brilhantismo que parece impossível de alcançar. Técnicamente são filmes irrepreensíveis e em termos de argumento inovam sempre.
O melhor é ficar por aqui. Concluo dizendo que Toy Story 3 é grande cinema em qualquer parte do mundo. Tem personagens comoventes, cenas de acção escaldantes, um argumento surpreendente, planos e sequências que nos fazem ficar de boca aberta. Como é possível fazer tudo isto com bonecos animados? Só vendo.
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