No domingo li uma entrevistazinha a Sandro Resende, 34 anos, artista plástico, que preconiza com convicção aquilo que designa por "profissionalização do artista". A perguntadora lhe pergunta: "Quando fala na profissionalização do artista, fá-lo por oposição a amador?" ao que ele retruca, imagino que sem pestanejar: "Não. Quero dizer que cada vez mais a arte é profissional. O artista boémio, dos copos, está, felizmente, em decadência. A arte também deve ser vista como uma profissão." Isto deixou-me a pensar profundamente.
Por um lado compreendi que, quem bebe copos, não pode exercer com competência nenhuma profissão. A menos que os beba com a moderação que a publicidade às bebidas alcoólicas sempre recomenda. Um profissional bêbado dificilmente conseguirá manter a postura vertical que toda a profissão exige a quem a exerce com seriedade e rigor de matemático.
Por outro lado percebi como os tempos mudaram e estão mudados. A imagem romântica do artista boémio que destila visões interiores através de obras tantas vezes impossíveis de compreender está fora de moda. A arte quer-se limpa e límpida, como tudo o que vai vingando neste mundo: limpeza e clareza, parecem ser palavras de ordem a levar a sério para que os tempos continuem a correr.
Sandro tem o cuidado de juntar à afirmação anterior que "Claro que o artista não é um advogado, a arte mexe com coisas muito diferentes e levanta questões complexas." Ora aí está uma grande verdade, se bem que apenas entrevista por metade. Não faz justiça à arte de advogar que, apesar de mexer em coisas diferentes, não fica a dever muito às belas-artes no que toca a questões de complexidade e encantamento.
Finalmente sempre digo que Sandro Resende tem razão. Na verdade, o artista boémio está desde sempre em decadência, não é de agora que o está, sempre o esteve, ou não fosse boémio. O mundo global não se compadece com bebedolas que, de quando em vez, experimentam momentos de fugaz inspiração e nos mostram como, lá do fundo da sua demência alcoólica, conseguem vislumbrar coisas que nós, armados da nossa proverbial lucidez, não tivemos olhos para ver.
Este é o mundo de Madonna e não o mundo de Janis Joplin. É o mundo criado por frequentadores de ginásios e de clínicas de depilação a laser, onde os tipos peludos, com a barba por fazer, só encontrarão lugar sentados à porta do shopping center com uma mão estendida para a esmolinha do consumidor consciente e a outra escondida no bolso, onde guarda religiosamente a garrafinha cheia da zurrapa que lhe há-de trazer as visões apolcalípticas e magníficas que já não cabem nas portas estreitas da lucidez contemporânea.