Aquilo que me enche de dúvidas é o facto de sentir tantas certezas.
quinta-feira, janeiro 29, 2009
terça-feira, janeiro 27, 2009
Mondrian vai ter de esperar
"A arte, por ser um mero artifício, necessário apenas porque falta beleza nesta vida, vai desaparecer à medida que a vida ganhe beleza (...) Hoje em dia a arte é da maior importância porque há que demonstrar plasticamente, isto é, de uma maneira directa e livre da nossa concepção individual, as leis que fazem surgir a vida verdadeiramente humana." Estas palavras, atribuídas a Piet Mondrian, configuram uma das maiores utopias da modernidade. A utopia de que a humanidade haverá de encontrar, no seu percurso em direcção a Não-Sei-Quê, uma forma de manifestação colectiva absoluta e ideal. A ser assim, a arte e a vida, um dia, serão uma e a mesma coisa. A própria vida, materializada na construção da coisa social, será uma manifestação artística, uma realização total de beleza, caracterizada pelos atributos clássicos daquilo que é belo: equilíbrio, simetria... harmonia. Ética sinónimo de estética? Lindo!
Ontem, ao ler uma reportagem sobre o rescaldo da guerra em Gaza, deparei com o seguinte pedaço de texto, da autoria de Alexandra Lucas Coelho: "O Parlamento de Gaza fica no meio da cidade. Quem estaciona o carro nas traseiras pensa que já não há Parlamento, tal a destruição. (...) Por exemplo, o hemiciclo podia ser uma instalação de arte contemporânea, com os retratos dos deputados ainda emoldurados em cima das mesas, cobertas de areia e cacos, enquanto emaranhados de metal e tubos pendem do tecto, semiderrubado."
No início do século XX a reflexão sobre arte ainda permitia imaginar um mundo belo, limpo, recticulado, equilibrado.; harmonioso. Cem anos volvidos, nós, os que vivemos o início do século XXI, temos da arte e do seu significado um entendimento substancialmente diverso daquele que enformou as utopias modernistas. Para nós os atributos da beleza clássica (quase) deixaram de fazer sentido. Habituados a viver num mundo de excessos e contrastes violentos, já não nos comovemos tanto com a simplicidade abstracta do geometrismo neoplástico de Mondrian. Estamos mais inclinados para linguagens violentamente românticas como a de Bacon, por exemplo. Uma vez que interiozámos os conceitos contemporâneos herdados dos ready-mades de Marcel Duchamp, podemos ver na sala semi-destruída do Parlamento de Gaza uma imagem de contornos artísticos pós-modernos. Vemos na sua ruína o resultado da aplicação de "leis que fazem surgir a vida verdadeiramente humana" tal como a entendemos nos tempos que correm. Essa lei já não tem (nem aspira a) nada de equilibrado ou simetricamente harmonioso. A lei que caracteriza a vida verdadeiramente humana nos tempos que correm é a da brutalidade assimétrica, da desarmonia cultural e do desiquilibrio de forças entre os ricos e os pobres, entre os que se autoproclamam filhos de deus e aqueles que sabemos que não passam de meros filhos-da-puta.
Vivemos dias complicados, tempos de desacerto e desilusão. A utopia modernista afunda-se cada vez mais na massa viscosa da pós-modernidade. As rectas perfeitas de Mondrian e os seus campos de cores primárias absolutamente contidas quebram-se para abrirem caminho à poesia caótica escrita à força dos mísseis e rende-se à musicalidade tenebrosa das metralhadoras e das pás dos helicópetros que pairam na paisagem como agoirentas aves, anunciadoras da proximidade da morte.
Mondrian vai ter de continuar à espera. Para sempre?
domingo, janeiro 25, 2009
Sessão Dupla (parte 2) e uma crítica de merda
Hoje fiz nova sessão dupla com a família num centro comercial com 15 ou 16 salas de cinema, nem sei quantas tem. A boa experiência da semana passada fez com que não houvesse hesitações. As hesitações surgiram na hora de escolher os filmes.
Yes Man (Sim!) apareceu com algumas reticências mas ficou. Depois, ponderando horários e sequências várias, hesitámos perante Austrália, inclinámo-nos para Vicky Cristina Barcelona mas a sequência, por qualquer razão, não parecia correcta e não satisfazia realmente nenhum de nós. Um pouco "a medo" propus A Onda. Aceite a proposta avançámos corajosamente para o filme de Jim Carrey.
Sim! é uma "daquelas" comédias em que Carrey se sente melhor que peixe na água. Além do pormenor de que, na sala, estávamos apenas eu e as minhas acompanhantes. Parecia homecinema! O filme tem algumas cenas cómicas de antologia. O resgate do suicida ou o combate nas traseiras do bar fizeram-me rir. Sim, rir, verdadeiramente. No fim todos demos o tempo por bem empregue, seja lá isso o que for. A seguir, meia hora mais tarde, viria A Onda. E com ela um banho de surpresas.
A propósito deste filme, procurei as críticas dos críticos do Público que estão aqui. É um exercício interessante lê-las e tentar perceber como o mesmo objecto pode ter interpretações tão díspares. Pessoalmente inclino-me a concordar com Jorge Mourinha e, mais uma vez, a crítica de Luís Miguel Oliveira quase me dá vontade de cuspir para o lado. Enfim.
A Onda é um filme bem lançado, com uma montagem convincente aliada a uma banda sonora adequada. A mensagem central é clara e passa com total eficácia para o espectador. A minha filha, que é uma adolescente de 15 anos, ficou impressionada com o que viu. Isso, para mim, é a prova mais completa da qualidade do filme. Bem pode Luís Miguel Oliveira ir pregar para o deserto. Cá em casa, por exemplo, ninguém lhe liga. A verdade é que eu sou o único com paciência para ler a porcaria que ele escreve e, confesso, leio-o apenas porque não gosto. Não o conheço e, se o vir, nem sei quem ele é. Mas tenho um prazer mórbido em ler as críticas dele. Não é masoquismo. Não. É exactamente o contrário.
quarta-feira, janeiro 21, 2009
Tudo é nada
Andar por aqui. Visitar blogues. Deixar comentários (ou não). Responder. Olhar. Sorrir (ou não). Tantos assuntos esbarram uns nos outros que fico sem saber o que comentar neste post. É então que decido comentar isso mesmo. Isto mesmo. Ou seja, não comentar nada. Embora isto seja alguma coisa (um pouco difícil dizer que coisa é esta).
Ando há vários dias a pensar no Hartismo que encontrei aqui, no Varal de Ideias, mas ainda não ganhei fôlego para poder discursar sobre o assunto. Hartismo... é uma coisa interessante. No dia 15 deste mês fui ao Porto ver a exposição de Juan Muñoz e nem sequer falei aqui do assunto. É muita coisa. Durante a viagem, ao ler o jornal, encontrei a história do David Cerny e pronto. A escandaleira do artista checo dá mais interesse que a arte prazenteira e fácil de engolir 8na foto) do malogrado Muñoz. Depois passei o fim-de-semana a trabalhar arduamente num projecto que não é meu mas ao qual não hesitei em entregar todo o tempo que foi necessário. E mais uma leiturinha rápida, um novo livro espectacular sobre iluminura medieval. Caramba, acontece tanta coisa, há tantos assuntos que, no fim, escrevo sobre todos sem escrever nada sobre nenhum deles. Nem Gaza, nem Obama, esse ser que faz da justiça poética uma coisa de carne e osso. Por se chamar Hussein como o outro e ser o 1º presidente não-branco (não vejo nele um preto) de um país do bloco ocidental capitalista . É o 1º não é? Enfim, chego ao fim deste post como se ainda estivesse no início. E depois, o mundo não é redondo?
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segunda-feira, janeiro 19, 2009
2 filmes 2
Em cima Angelina Jolie transtornada, em baixo Brad Pitt transfigurado. "O Estranho Caso..." tem alguns efeitos especiais desconcertantes. Ver a cabeça de Pitt num corpo minúsculo é um deles. Em "A Troca" há um miúdo que faz uma cena de cortar a respiração. É uma cena em que confessa algo a um polícia durante um interrogatório. Vão ver e depois digam-me o que pensaram...
Na sexta-feira passada eu e a minha família mais chegada (mulher e filha) fizemos uma tarde/noite cinéfila de alta qualidade. Fomos assistir a "O Estranho Caso de Benjamin Button" , realizado por David Fincher (a crítica a que este link dá acesso não me convence nem um bocadinho mas gosto de confrontar opiniões divergentes) e, depois de um jantar em que comentámos o filme e nos rimos com outras coisas, regressámos para ver "A Troca", de Clint Eastwood.
Gostámos de ambos. Na verdade íamos dispostos a gostar de ambos. Não só porque os dois realizadores são "velhos amigos" da família mas também porque os protagonistas são actores que nos agradam vai para mais que muito tempo. O casal Jolie/Pitt a mostrar muito mais do que atributos físicos e fotogenia, a mostrar talento a rodos e um encanto especialíssimo. Se juntarmos a senhora Blanchett que contracena com o senhor Pitt em "O Estranho Caso..." temos um naipe de actores de fazer trincar pipocas como se fossem caviar. Com vodka.
Não quero aqui misturar os dois filmes (que têm registos diversos e ambientes muito próprios) mas há algo que os une, na minha óptica, evidentemente; a excelente qualidade de ambos.
Filmes rigorosos na "mise en cène" e na construção dos cenários, com direcções de actores cuidadosíssimas (talvez melhor no filme de Eastwood). Filmes capazes de prender o espectador na cadeira, de emocionar e mexer com cada um de nós, na medida em que estivermos dispostos a deixar-nos mexer, a deixar-nos seduzir, a deixar-nos ir para dentro de uma narrativa cinematográfica. E, no fim de cada um deles, saímos menos vazios do que entrámos. Isso eu posso garantir-vos!
sábado, janeiro 17, 2009
A censura tem sempre o mesmo focinho!
A coisa caiu como um balão de água, não chegou a rebentar como se fosse uma bomba. Um tal de David Cerny, artista plástico, checo por nascimento e, segundo argumentou, também na forma como exercita um certo sentido de humor, muito característico da sua terra natal, rebentou inesperadamente nas bocas do mundo.
A presidência checa da União Europeia contratou o polémico artista plástico com a finalidade de "alindar" a fachada do seu edifício sede, em Bruxelas. A ideia, ao que parece, seria que Cerny ficava obrigado a contactar 27 artistas plásticos, um em cada estado membro da União, por forma a recolher as suas visões individuais sobre o país de origem. O resultado seria uma espécie de imagem (ou forma) que sintetizasse uma perspectiva individual sobre a característica simbólica capaz de identificar o modo de ser ou de pensar ou de sentir de cada país, que pudesse ser materializada num objecto a exporaos olhos do mundo. O resultado foi a peça intitulada "Entropa" que se veio a revelar algo absolutamente inesperado.
Cerny utiliza uma linguagem visual extraordináriamente agressiva. A forma como resumiu simbólicamente alguns dos países da União deixou os seus dirigentes à beirinha de um ataque de nervos. Os búlgaros não gostaram de ver o seu país representado por uma retrete e manifestaram-se ainda antes da inauguração (no passado dia 15) exigindo que a dita peça fosse retirada. Compreendo. Também os eslovacos e os polacos deram largas à indignação e pediram explicações à presidência checa da União pelas liberdades artísticas de Cerny.
Tudo isto me trouxe à memória a célebre polémica das ilustrações dinamarquesas do profeta Maomé que deixaram o mundo fundamentalista islâmico em polvorosa. Na altura muitas foram as vozes que se levantaram em defesa da liberdade de expressão enquanto valor fundamental das democracias ocidentais. Seria interessante que, nesta situação, as mesmas vozes e a mesma indignação fossem audíveis e visíveis. É que, no dia imediato aos inflamados protestos de búlgaros, eslovacos e polacos, o governo checo e Cerny, pediram publicamente desculpas se eventualmente ofenderam alguém. Mais, li que se comprometiam a retirar as peças ofensivas, cedendo a um acto de censura, pura e simples.
Se as coisas se resolverem desta forma só poderei fazer um comentário: esta União é uma merda e ficou bem representada por uma merda de artista e a Bulgária foi a imagem mais fiel que Cerny concebeu nesta escatológica peça escultórica. Não está em causa a "beleza" do objecto. É horrível, mesmo em fotografia. O que está em causa é a nossa capacidade para aceitar a liberdade de expressão. A censura, venha ela de onde vier, tem sempre o mesmo focinho horroroso e não há argumento que lhe embeleze a tromba.
terça-feira, janeiro 13, 2009
Fruindo a contemporaneidade artísitca
Perante a extraordinária formulação de Duchamp, o espectador/fruidor do objecto de arte contemporânea ganha uma posição de grande responsabilidade na conclusão do processo comunicacional.
Olhando o urinol titulado como A Fonte, a primeira reacção interpretativa, a mais óbvia, é ver no próprio urinol o objecto sugerido pelo título. Mas, numa segunda passagem de olhos sobre o conceito associado, surge uma dúvida e abre-se uma pequena porta, uma outra direcção.
E se A Fonte não for o urinol mas o próprio observador? Como!? O observador? Sim, exactamente: o observador!
Uma das consequências da perspectiva dadaísta sobre a produção de obras de arte é que o observador/fruidor já não pode manter uma atitude passiva perante o objecto que observa. A "elevação" do objecto observado à categoria de obra de arte depende muito da capacidade (ou da vontade) do observador para o considerar como tal.
É o observador que funciona como fonte de onde brota a arte, é nele que reside, em potência, toda a dimensão artística. Só precisará de fazer um pouco de força, derramando a sua sensibilidade sobre o objecto que este lha devolverá, transformada em revelação artística, o resultado da sua fruição. Tal como proponho na ilustração (clicar para leitura mais eficaz), o observador/fruidor é A Fonte, o urinol serve apenas de veículo à sensação e sensibilidade artísticas.
Simples, não é?
segunda-feira, janeiro 12, 2009
Fontes
Transcrevo a frase do "Escrito na Pedra" do suplemento de ontem do jornal Público, o P2, que era assim: "A arte tanto pode morrer do excesso de rigor quanto da extrema liberdade." frase atribuída a Henri Lefebvre, sociólogo francês, 1901-1991.
Ilustro este post com duas "fontes" célebres; a de Ingres, pintada em 1856 e a de Duchamp, idealizada em 1917. A reflexão fica a teu cargo, caríssimo leitor. As minhas opiniões, acabo de as guardar a sete chaves. São opiniões minhas. Só minhas. Muito minhas, mesmo!
domingo, janeiro 11, 2009
Vazio e frio
Está um frio do caraças! Quando as preocupações se prendem com o aquecimento global, um tempo destes é má publicidade para a causa. A verdade é tenho as mãos meio geladas e nem sinto as pontas dos dedos nas teclas. Detesto aquecedores eléctricos e não gosto deles animados com botijas de gás. Não tenho "aire acondicionado" em casa e, aqui no sótão onde vou escrevendo estas palavras, o frio morde no Inverno e o calor vomita sobre as pessoas uma coisa quente quando estamos no Verão.
O sol faz de contas que aquece e brilha lá fora, sem convicção. As notícias também parecem ter congelado. O mundo está assim, tipo frigorífico, à espera de algo que possa derreter as desgraças mais visíveis e evidentes, ansioso de uma primavera que nos devolva a esperança em qualquer coisinha que seja.
Tenho o cérebro meio desligado. Parece que está debaixo de uma camisola de lã. Tenho uma camisola de lã dentro da cabeça, o que é incómodo. Não sou capaz de pensar, de tal modo estão geladas as cabeças dos meus dedos. Enfim, vou parar de escrever. Não vale a pena escrever numa tarde como esta. Vou meter as mãos nos bolsos e viver intensamente não fazendo nada. Vou olhar pela janela. Isso será qualquer coisa.
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sexta-feira, janeiro 09, 2009
Este gajo tinha uma costela portuguesa!
Warhol é um nome derivado de Warhola. Caíu-lhe o "a". Andrew subtraiu-se em Andy. Andy Warhol é nome de um dos ícones maiores da Pop Art americana (e, por extensão, da Arte Pop mundial). Os pais de Andy foram da Eslováquia para os States e o pimpolho já nasceu por lá. No entanto, ao ler a frase acima reproduzida, não pude evitar uma exclamação de espanto (nem me lembro se não levei a mão esquerda a tapar a boca com os dedos esticados): quem fala assim só pode ter uma costela portuguesa, do Alentejo. Não há que errar! Tal como Cristóvão Colombo seria originário de Cuba, a verdadeira, a alentejana, tese que o imortal centenário Oliveira se esforçou por tornar verosimilhante no seu filme Cristóvão Colombo - O Enigma, também Warhola teria fortes probabilidades de possuir vestígios de indolente portugalidade nos seus genes mais profundos. Aquela frase encerra uma tal sabedoria, mostra uma tão arrebatadora visão da condição humana que só pode ter origem nalguma curva de ADN com passagem por solo luso.
Não sou genealogista e amanhã já me terei esquecido disto mas estou convicto de que uma investigação imparcial à árvore da família Warhola iria colocar alguma das suas raízes próxima da planície alentejana, terra de heróis, poetas, camponeses, dirigentes comunistas, cantores inigualáveis, grandes latifundiários, etc., etc., e artistas plásticos de créditos firmados!
Não sou genealogista e amanhã já me terei esquecido disto mas estou convicto de que uma investigação imparcial à árvore da família Warhola iria colocar alguma das suas raízes próxima da planície alentejana, terra de heróis, poetas, camponeses, dirigentes comunistas, cantores inigualáveis, grandes latifundiários, etc., etc., e artistas plásticos de créditos firmados!
quarta-feira, janeiro 07, 2009
Desenho corrigido
Vinha do lado de lá. Pequenino, mão dada na mão da mãe. Vinha debaixo de um gorro colorido que lhe aconchegava as ideias. O olhar, perdido entre todas as coisas que queria ver e talvez nem soubesse que via, trazia agarrado aquela expressão confiante de quem não sofre mais do que comer meia dúzia de colheres de uma sopa de legumes. Atravessou a rua, assim dependurado da asa do seu anjo protector, anjo por sua vez protegido por óculos escuros e cachecol. Atravessou olhando através do mundo, perfurando as coisas com os olhos, mergulhado no cálido torpor dos sonhos que a mais tenra infância nos permite sonhar. Dependurado, passou por mim. Dependurado continuou e, decerto já poisado, algures ele continua.
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terça-feira, janeiro 06, 2009
Orar a um deus que não é nada
A guerra na Faixa de Gaza é uma coisa complicada. Levanta tantos problemas éticos e provoca uma tão grande confusão na cabeça de um gajo que, como eu (como nós) vive a situação à distância, através de imagens e notícias, que a opinião balança constantemente para um lado e para o outro.
Ora dou por mim a compreender as razões da invasão israelita, ora me sinto indignado com a brutalidade e desproporção de forças em confronto. Ora compreendo a insegurança vivida nas cidades israelitas sob o fogo banalizado dos rockets do Hamas, ora compreendo a insatisfação do milhão e meio de habitantes da Faixa de Gaza, prisioneiros naquele verdadeiro campo de concentração a que chamam casa.
Haverá alguma solução possível que esteja de acordo com os princípios humanistas que, quero acreditar, norteiam a nossa vida deste lado do planeta? Não acredito. A solução, se existir, não passa pelos gabinetes europeus. O ponto a que se chegou já só parece admitir uma solução que passe pelo aniquilamento de alguma das forças em confronto. Talvez o Hamas esteja em piores lençóis.
Mas o Hamas funde-se na população civil com extrema facilidade e lutar com ele, atingi-lo, implica a morte de inocentes. Um problema complicado. O que fazer?
Sentadinho num belo sofá, com o meu computador à frente dos olhos e o leve ruído do tráfego que murmura vindo lá de baixo, do sossego agitado das ruas de Almada, estas palavras que escrevo não têm qualquer significado. A minha opinião não tem qualquer justificação que não sejam algumas coisas em que acredito porque como sobremesa e as minhas preocupações quotidianas não se prendem com o terror de nenhuma guerra à porta de casa.
Ouço e leio contendas acaloradas com a Guerra em Gaza por pano de fundo. Mas, pensando bem, não é essa guerra que se discute aqui por estas bandas. São outras questões, ideologias, convicções, fézadas que se têm e se tentam colar ao que ali acontece. Mas que podemos nós saber da dor de um palestiniano fechado no seu apartamento em Gaza enquanto o céu desaba sobre a sua cabeça? E que podemos nós saber do desespero de um israelita a quem caíu um rocket no quintal?
Em ocasiões como esta só nos resta rezar. Mesmo que não acreditemos em deus.
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domingo, janeiro 04, 2009
Eles estão entre nós
Já não bastava terem os portugueses oferecido ao mundo os mulatos, ainda tinha de ser descoberto em território nacional este esqueleto de menino que tanta tinta fez correr. O designado "Menino do Lapedo", cujos restos mortais foram desenterrados perto de Leiria, sugere a possibilidade de estarmos perante mais um caso de mestiçagem protagonizado pelos nossos antepassados. São dois eminentes estudiosos destas coisas, João Zilhão e Erik Trinkaus, que colocam a possibilidade do "Menino do Lapedo" «como o resultado de um possível processo de mestiçagem entre Sapiens e Neanderthalensis:
"Com efeito, alguns aspectos como a dentição, a robustez dos ossos dos membros ou as proporções relativas da tíbia e do fémur mostram características próprias dos neandertalenses. Pelo contrário, outros como a dentição, o queixo ou as proporções e morfologia da bacia, são claramente próprios dos homens de tipo anatomicamente moderno." ».
"Com efeito, alguns aspectos como a dentição, a robustez dos ossos dos membros ou as proporções relativas da tíbia e do fémur mostram características próprias dos neandertalenses. Pelo contrário, outros como a dentição, o queixo ou as proporções e morfologia da bacia, são claramente próprios dos homens de tipo anatomicamente moderno." ».
Aqui há uns anos tive a possibilidade de convidar a arqueóloga Cidália Duarte para promover na minha escola um colóquio sobre este tema. A descoberta do esqueleto ainda estava "quentinha" e a exposição que Cidália fez sobre tão interessante hipótese foi excelente. A conclusão, se bem me recordo, seria que o Homem de Neanderthal não terá sido extinto, como se pensava. Na verdade, caso a hipótese de mestiçagem fosse verdadeira, esse robusto homem pré-histórico teria subsistido em gerações e gerações de habitantes da Península Ibérica, até aos nossos dias. O Homem de Neanderthal estaria entre nós. Quer dizer, haveria fortes probabilidades de, dentro da sala onde decorria o colóquio, algumas pessoas possuirem traços genéticos destes seres de outra era.
A hipótese tem gerado imensa controvérsia e está longe de constituir doutrina aceite nos meios científicos mas, temos de concordar, que se trata de uma ideia elegante e, por assim dizer, politicamente correcta.
Aceitando esta história como boa e verdadeira, muita coisa se explicaria sobre o comportamento troglodita tão comum entre nós, portugueses, pequenotes homens do sul.
Ahahahah, esta é forte!
sábado, janeiro 03, 2009
Calmaria
Paul Auster passeando no Central Park
Saí de 2008 a ler O Jogo do Anjo e entrei em 2009 a ler As Loucuras de Brooklyn. Acabei há umas horas a leitura do livro de Paul Auster, um romance luminoso com final sombrio. Estas férias estão no fim. Já sei que quando recomeçar a dar aulas, as minhas leituras irão centrar-se em excertos de obras relacionadas com a História da Arte, em pesquisas mais ou menos desorganizadas sobre este ou aquele artista, esta época ou outra qualquer que seja necessário abordar na próxima sessão. Regressarei a um mundo de letras confuso e fragmentado que deixa pouco espaço à leitura compulsiva com que devorei os dois livros referidos na primeira frase do post.
Tenho mais uns quantos romances de Auster para ler. Descansam na prateleira, provocam-me e estimulam a minha imaginação. Poderei resistir-lhes? Espero não ter forças para tanto.
As Loucuras de Brooklyn são um hino à grandeza das vidas banais, um épico das coisinhas pequenas. A leitura deste livro encheu-me de coragem e pacificou-me o espírito. Agora sim, o ano de 2009 pode começar. Estou pronto para dançar com passos seguros ao som da sua música desconhecida... seja qual for o tom, seja qual for o ritmo.
quinta-feira, janeiro 01, 2009
Um olhar descuidado
2008 chegou ao fim. Como habitualmente fazem-se balanços do que foi e aconteceu e marcou e se considera digno de registo. Como tantos outros tento fazer uma retrospectiva sobre as coisas que me vêm à memória, procurando imagens ilustrativas na imensidão da grande divindade, o Google.
Desisto perante a confusão que de imediato se instalou na minha cabeça. Factos, imagens, pessoas, mistura-se tudo numa amálgama informe e impossível de ordenar de forma satisfatória. Constato que a qualidade da minha memória é um pouco pior do que me lembrava. Nada de mais.
Nunca poderia fazer justiça a todos os que me marcaram ao longo de 2008, nem referir todos os acontecimentos que me garantiram serem História, com "H" grande, a merecerem livro para estudo das gerações vindouras. Qualquer tentativa de registar um balanço de 2008 resultaria mais esburacada que a praia de Okinawa naquele dia que a gente sabe.
Obama e o rebentamento da crise do subprime são notícias recentes. Mas o preço do petróleo na montanha-russa ou a morte de Luiz Pacheco já se misturam um pouco em neblinas sebastianistas. Outros óbitos, menos mediáticos (nada mediáticos) desembarcam sorrateiramente nesta praiazinha que se me vai formando na memória.
As manifestações de professores ainda estão frescas mas já sei que em 2012, se ainda por cá andar, não vou conseguir colocar essas marchas gloriosas na prateleira correspondente, nem recordar os nomes daqueles dois secretários de estado rastejantes e sebosos. Enfim, os balanços valem o que valem. Valem pouco.
Na verdade, o passado recente não parece merecer mais que um olhar descuidado. Não tem ainda o fôlego do acontecimento histórico, nem o sopro de morte da coisa que caíu num buraco escavado no chão da memória colectiva. É uma coisa assim-assim, uma sardinha enlatada em tomate com molho picante, um golo marcado com a mão num jogo de futebol, uma rapariga bonita que ficou feia de tanto querer ser ainda mais bonita.
Enfim, um óptimo 2009, seja lá isso o que for.
para ver uma selecção de imagens do ano que findou clicar aqui. recomenda-se a activação das legendas.
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