quarta-feira, dezembro 31, 2008

Votos de Ano Novo


Para o Ano Novo que aí vem desejo que todos consigamos perceber com precisão cirúrgica quanto amamos e quanto odiamos.

Que o amor e o ódio se confundam numa coisa só.

Que essa coisa seja suficientemente forte de modo a permitir-nos escolher com clareza os caminhos que trilhamos sem falsidades e com toda a honestidade que os nossos corações forem capazes de suportar.

Bom Ano Novo para todos. Para os que amo e, também, para aqueles que odeio.

terça-feira, dezembro 30, 2008

2009 está quase aí (parte 3)


Esta sequência de posts está decerto influenciada pela leitura de O Jogo do Anjo, de Carlos Ruiz Záfon. Ofereceram-me o livro no Natal e, contrariando a minha habitual lentidão, li-o em dois dias apenas. Eu sei que é fácil gostar das histórias de Zafón, que a sua escrita escorre pelo cérebro como gelatina de sabor a tutti-frutti escorre goela abaixo, que as suas personagens só dizem coisas extraordinárias e fazem afirmações estonteantes, mesmo nas situações mais simples e, aparentemente, banais. Eu sei. E é precisamente por isso que gosto de o ler. Não terá a densidade de floresta virgem longe de ser desmatada que tem a escrita de Lobo Antunes, por exemplo, nem a profundidade de um Ian McEwan, decerto. Será literatura de cordel, doce como açucar em pó, mas lê-se de um fôlego e, no fim, é uma desilusão que tenha acabado.

Espera lá, o que é que eu queria dizer quando comecei este post? Ha, já sei, estava a falar da sequência misteriosa dos meus últimos posts. Pois é. Já vou no 3º com "2009 está quase aí" no título e ainda não fiz os meus votos de Ano Novo. E também não é agora que irei fazê-los. Só amanhã. Não quero estragar alguma magia que a formulação dos ditos votos possa ter. Quem sabe se antecipá-los ao último dia do ano não lhes retira força e eficácia? Não quero arriscar porque tenho muita fé naquilo que vou desejar para o próximo ano. Espero que seja um ano cheio de magia... ooops, isto contará como voto de Ano Novo? Ainda não queria...

segunda-feira, dezembro 29, 2008

2009 está quase aí (parte 2)

Banksy, evidentemente
(pelo menos é o que está registado... e parece!)

Não quero ser como as concorrentes a Miss Mundo: "O meu maior desejo é que haja paz e concórdia em todo o planeta e que a pobreza desapareça e as criancinhas sorriam para a fotografia", tretas dessas. Não tenho peito para tanto.

Também não quero desesperar como os que imaginam que o fim do mundo tem nova data. Agora fala-se no dia doze do décimo segundo mês de 2012. Os profetas da desgraça sempre encontram um número redondo que lhes meta medo.

Não quero ser demasiado bom nem demasiado mau. Não quero ser demasiado crédulo nem tão incrédulo como é costume. Gostaria de encontrar um ponto de equilíbrio, um lugar comum que não fosse tão evidente quanto seria de esperar. A banalidade consciente não é tarefa fácil. Fácil é dizer que tudo está mal ou acreditar em alguma força extra-humana capaz de orientar o universo num inesperado caminho de paz e amor, enviar para o nível do desconhecido a providencial capacidade de fazer um trabalho que é nosso. Cristo não vem e, caso apareça, nada garante que seja bem recebido.

Quero acreditar que posso mudar o mundo. Quero acreditar que tu podes e queres mudar o mundo. É nisso que deposito a minha fé bem como deposito a minha razão. Na nossa capacidade de mudarmos o mundo nas pequenas coisas que dependem das nossas acções.

Estou quase a chegar lá. Mais um dia e poderei declarar os meus votos para o próximo ano. 2009 está quase aí!

domingo, dezembro 28, 2008

2009 está quase aí


Miró. Personagens na noite guiadas pelo rasto fosforescente dos caracóis

Precisamos de algo que nos faça sonhar. Precisamos de algo em que acreditar, algo que dê um sentido à nossa existência. A religião desempenha esse papel para milhões de pessoas. Ampara e reconforta nos momentos de desespero, ajuda a perspectivar um futuro melhor. O meu problema é que as religiões tendem a enviar a esperança para outro mundo, numa outra vida. Não gosto da ideia.

Outros procuram conforto na possibilidade de existirem ideias suficientemente puras e perfeitas que possam ordenar a nossa existência individual e colectiva de modo a que todos possamos ser felizes neste mundo. Esta postura parece-me mais atractiva.

Seja como for, pela fé ou pela razão, precisamos de valores o mais universais possíveis, valores que possamos perseguir no nosso quotidiano que nos dêm a sensação de que existe justiça para todos e não apenas para alguns.

O ano está a chegar ao fim e é tempo de fazer votos para o próximo. Ainda tenho 3 dias para pensar nisso. Não quero precipitar-me. Já tenho algumas ideias mas ainda não vou formular os meus votos para 2009. Amanhã ou depois. Ou depois. Ainda há tempo para sonhar mais um pouco.

sábado, dezembro 27, 2008

Passeando



Insula Dulcamara, 1938

sexta-feira, dezembro 26, 2008

Foi Natal


O Natal passou. Foi um dia magnífico, passado em família entre comidas, bebidas e muito riso. É quase estranho o facto de nos sentirmos tão felizes. A verdade é que a felicidade nasce do convívio. A família reunida é uma felicidade infinita. As curvas da vida fazem-nos desencontrar uns dos outros, daí que um dia no calendário para marcar reunião geral tenha fortes probabilidades de proporcionar essa felicidade sem limites. Não há nada a provar, não há constrangimentos nem jogos de pose nem mentiras. Apenas alegria por estarmos outra vez juntos. O Natal foi assim, mais uma vez. É a isto que eu chamo um "santo Natal", é isto que é a santidade: felicidade pura sem necessidade de contrato assinado.
Um beijo a todos.

domingo, dezembro 21, 2008

Jornal de Domingo-Parte 2


O texto de António Barreto no Público de hoje, intitulado "Tudo como dantes, nada como dantes", vem lá das profundezas.

Não resisto a registar a passagem final: «(...) Há 30 ou 40 anos que as populações aspiram às delícias da vida moderna. Os que já lá chegaram querem mais e não renunciam. Os que ainda não chegaram consideram uma suprema injustiça serem agora travados. Foram condicionados pelos mais poderosos aparelhos de publicidade e informação que a humanidade jamais conheceu. A propaganda política deu uma ajuda poderosa. Há décadas que os governos, as televisões, a imprensa e os grandes grupos económicos comungam um punhado de ideais que presidiram à nossa vida colectiva. Para usar o lugar comum conhecido, o ter substituiu o ser. O critério da vida é vencer. Sempre, a qualquer preço. Vencer significa derrotar e liquidar os outros. Quem vence tem razão. E tem razão porque vence. É a democracia no seu pior. Maior. Mais alto. Mais depressa. Mais pesado. Mais forte. Mais rápido. Já não se trata de jogos olímpicos, eles próprios transformados em feira de animais. Trata-se da vida quotidiana. Para se chegar lá, ao "topo", para se ser "líder", tudo o que se pode fazer deve ser feito. Incluindo aldrabices, ilegalidades, golpes, mentira, publicidade enganosa e corrupção. Tudo o que justifique ganhar votos, vender mercadoria e eliminar os rivais, não só pode ser feito, como deve ser feito. Sob pena de ser designado na praça pública por perdedor, incapaz ou parvo. E ninguém quer ser parvo

É isso mesmo. Como disse no comentário ao comentário do Ogre no post anterior «Os portugueses ainda estão a aprender a ser pobres no mundo da abundância. Quando tiverem aprendido o suficiente para se tornarem ricos é possível que a abundância acabe. É o Fado do costume.» Isto não é pessimismo, garanto. Estou até bastante bem disposto, juro! Por enquanto ainda faço parte do grupo de previlegiados que podem vestir-se de Pai Natal (e usar só uma almofadinha para fazer a barriga) distribuindo uns presentes pelos familiares e alguns amigos. Tal como António Barreto. É o descanso de uma vida sem dificuldades de maior que permite esta leitura tão clara e objectiva. A fome distorce as perspectiva e tolda o olhar.

Jornal de Domingo

Relógio coberto de jóias celebrando o nosso amor pelos animaizinhos em via de extinção


Aos Domingos os jornais tornam-se coisas esquisitas que têm de ser metidas em sacos de plástico. Revistas, suplementos, cadernos publicitários, etc., nos jornais de Domingo cabe tudo sem deitar por fora. Nesta época consumista ainda surgem conselhos e ideias para comprar prendas, normalmente conselhos dirigidos a consumidores de produtos de luxo. Relógios de ouro, malas de senhora impossíveis, pulseiras com diamantes ou outras inutilidades de variados aspectos, no valor de centenas (senão milhares) de euros, em suplementos impressos em papel encerado e com fotos especialmente fabricadas para enternecer o olhar dos ricos que se enternecem (penso) com imagens que possam estimular os seus anseios de ostentação de poder económico.

Este Domingo a 1ª página do Público é arrepiante. "Nova geração de alcoólicos tem menos de 30 anos", "Endividamento chega às compras do dia-a-dia", "Portuguesa detida (em Espanha) a tentar comprar bébé" e "Sem-abrigo, Têm trabalho, têm ordenado mas não conseguem pagar uma casa para viver". Chiça penico! Só desgraças. Vários retratos tenebrosos das assimetrias que vão corroendo por dentro a nossa Democracia. A coisa não está famosa.

O que se passa? Falta aqui alguma coisa (muitas coisas). O que provoca estes desiquilíbrios nas pessoas, nas relações entre elas e na relação que estabelecem com a sociedade? Há quem pense que devemos voltar-nos de novo para Deus, buscando um sentido espiritual para a existência que nos possa oferecer algum alívio. Há quem pense que devemos entregar as rédeas a um poder centralizado que regule tudo com mão de ferro, pondo na ordem os ricos e os pobres. Há quem proponha que se deixe tudo como está, confiando na sorte e na mítica capacidade de auto-regulação dos mercados. Olhando para o panorama sinto um certo desamparo.

Vivemos num mundo regulado pela política económica mas não temos políticos capazes de se aguentarem na crista desta onda gigantesca , nem temos economistas honestos que resistam ao apelo do capital selvagem. Qual é a solução? Queimar tudo e recomeçar de novo? Tentar remendar este tecido sócio-económico todo esburacado que a globalização vem tecendo? Haverá solução?

Temo que tenhamos alcançado o extremo da nossa capacidade de resistência neste modelo civilizacional. Sempre me intrigou o crescimento económico em flecha, o conforto obtido através do consumo não estica mais, algo vai ter de quebrar. Talvez tenhamos de rever, em breve, os nossos objectivos mais imediatos e quotidianos. Talvez tenhamos de refrear o consumo de bens que, agora, nos parecem inquestionáveis, recuando em termos de conforto e lazer. Talvez tenhamos de diminuir o nosso bem-estar se quisermos manter alguma qualidade de vida. Ou isso ou um estoiro monumental. Sinto-me um profeta da desgraça.

sábado, dezembro 20, 2008

Peço desculpa, mas isto está uma merda.


Sinceramente, este mundozinho onde me sento está muito deprimente. O Pai Natal vestiu uma capa preta, com um capuz a tapar-lhe as fuças e veio sem pedir licença. Mas que raio de coisa, Pai Natal, que merda de ideia!

sexta-feira, dezembro 19, 2008

Uma reflexão interessante


O texto que segue é retirado da edição portuguesa de "Grandes Ideias Impossíveis de Provar" saída em Fevereiro deste ano com a chancela da Tinta da China. É da autoria de Nassim Nicholas Taleb, aqui apresentado como "ensaísta, devoto das belles lèttres e praticante da incerteza(i.e., um trader matemático) dedicando-se aos atributos de eventos inesperados, aos desvios extremos da norma e à nossa consequente incapacidade de fazer previsões".


Somos bons a encaixar explicações no passado, ao mesmo tempo que vivemos na ilusão de compreender a dinâmica da história.
Acredito que existe uma séria sobrevalorização do conhecimento naquilo a que chamo as disciplinas históricas «ex-post», ou seja, quase todas as ciências sociais (economia, sociologia, ciência política) e as humanidades - tudo o que assenta na análise não experimental de dados do passado. Estou convencido de que estas disciplinas não fornecem uma vasta compreensão do mundo - nem tão-pouco dos tópicos a que se dedicam. Encaixam-se sobretudo, numa narrativa que satisfaz o nosso desejo (necessidade até) de uma história. As implicações desafiam a sabedoria convencional: não ganhamos grande coisa por ler jornais, livros de história, análises, relatórios económicos; tudo o que conseguimos é ter confiança ilimitada naquilo que sabemos. A diferença entre um motorista de táxi e um rofessor de história é apenas de grau; o segundo é, provavelmente, melhor a expressar-se.
Na economia e nas finanças, por exemplo, há numerosos peritos (muitos dos quais ganham mais de um milhão de dólares por ano)que publicam previsões para benefício dos seus clientes. Experimentem comparar as previsões que eles fazem com os resultados reais. As suas projecções são pouco melhores do que se fossem feitas ao acaso, o que significa que as suas «histórias» são convincentes, mas não parecem ajudar-nos mais do que se dessemos ouvidos ao tal motorista de táxi. Uma leitura atenta dos jornais também não faz a mais pequena diferença para a nossa compreensão daquilo que a economia ou os mercados vão fazer. Testes realizados na década de 1960 por empíricos das finanças, visando o efeito das notícias sobre os preços, chegaram à mesma conclusão. Se examinarmos os dados de perto, podemos verificar que as pessoas tendem a prever (embora com pouca precisão) as flutuações regulares, mas não antecipam os grandes desvios que têm um impacto desproporcionadamente fortes nos resultados finais totais.
Estou convencido, embora não possa prová-lo quantitativamente, que tal sobrevalorização do nosso conhecimento pode ser generalizada para qualquer género de narrativa baseado em informação do passado, e à qual falte verificação experimental. Os ecoomistas foram apanhados porque dispomos dos dados e dos meios para verificar a qualidade dos seus conhecimentos; os historiadores, os novos analistas, os biógrafos, os gurus podem, todos eles, esquivar-se durante mais algum tempo. Diz-se que «Os sábios vêem as coisas antes de elas acontecerem». Para mim, sábios são aqueles que sabem que não conseguem ver as coisas antes de elas acontecerem.


Sábia conclusão a de Nassim Taleb. Entre os analistas da actual era dos computadores e os leitores de entranhas de galinhas pretas de épocas perdidas na noite de tempos de barbárie não há uma diferença assim tão acentuada. Acreditamos nos nossos adivinhos porque os imaginamos praticantes de ciências seguras. Mas podemos estar enganados.

quinta-feira, dezembro 18, 2008

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O dinheiro é ficção. Agora que a crise está a chover um pouco por todo o mundo já não dá para continuar a esconder essa evidência. O dinheiro não existe! Quando nos dizem que a dívida externa é de não sei quantos milhões estão a fazer poesia económica. Quando nos explicam que o investimento público necessário para debelar a força dessa crise é de tantos triliões estão a contar-nos uma história para nos adormecer o medo. O medo de vermos o nosso quotidiano a ganhar contornos de filme de terror.

E a crise chove. Nuns países é tempestade tropical, noutros chuvisco apenas, noutros ainda trovoada que se adivinha pelo horizonte carregado de cinzentas nuvens e pássaros voando baixinho. E os pássaros piam, deixando no ar um rasto arrepiante.

O dinheiro é uma mentira que nos impingem para nos fazerem acreditar que somos ricos enquanto os ricos nos fazem acreditar que são mais ou menos pobres e tudo não passa de uma ilusão barata, um truque de feira, um conto de fadas daqueles contos antigos em que os meninos eram devorados pela bruxa e não havia final feliz.

Olho para o interior da minha carteira e vejo algumas notas. São papéis. Simples papéis. Pequenas páginas do grande livro que encerra esta mentira que teimamos em tomar por verdade indiscutível. Não tenho outro remédio senão acreditar. Vou acreditando. Enquanto a chuva não cair com demasiada força vou continuar a jogar este jogo de faz-de-conta-que-aquele-dinheirão-todo-existe. Mas eu sei que não existe. O que existe somos nós. O resto é mera ilusão de óptica.

terça-feira, dezembro 16, 2008

Entrevista


O Beto Canales, do Blogue Cinema e Bobagens, honrou-me com uma entrevista que publicou no 3:AM Magazine Brasil. Não querendo parecer demasiado orgulhoso (dizem que a humildade é uma qualidade mas não tenho a certeza que seja sempre assim) convido-te, caro leitor, a experimentares uma vista de olhos.

Durante vários dias recebi e-mails do Beto com questões às quais fui respondendo. O resultado é essa entrevista. Na minha óptica é um longo post escrito a duas mãos (a 4 mãos, melhor dizendo) em Português dos dois lados do Atlântico.

O Beto diz que gostou do resultado. Eu também me sinto satisfeito. Espero que tu possas chegar à mesma conclusão. Ou então não. Seja como for, a experiência foi positiva para os que a levaram a cabo.

segunda-feira, dezembro 15, 2008

Brasil (Tertúlia Virtual)


Nunca fui ao Brasil mas o Brasil veio até mim nas mais diferentes formas e feitios. Começou por chegar nos livros de História, quando era ainda um menino e as viagens marítimas faziam parte do imaginário do pessoalzinho. Juntamente com as narrativas históricas vinham Pelé e Tostão, Clodoaldo, Jairzinho e Rivelino, nos cromos do Mundial de 1970, no México (penso que o "goleiro" era o Leão, mas já não tenho a certeza). Mais tarde ouvi discos de Caetano Veloso vi, na televisão, um "show" de Elis Regina, a preto e branco, que me deixou intrigado. O tempo foi passando e o Brasil era, cada vez mais, futebol e samba, tal como Portugal era futebol e fado. No Brasil havia o Cristo Redentor e por aqui reinava a Nossa Senhora de Fátima. Mais tarde veio a Revolução em Portugal e Chico Buarque cantava "sei que estás em festa, pá..." o que me deixou a pensar um pouco, não muito, sobre um Brasil com mais coisas que Pelés e batucadas. Entretanto romperam as telenovelas com Gabriela Cravo e Canela à cabeça. Eu cresci e o número de visitas que o Brasil me ia fazendo cresceu também. A minha primeira História da Arte de E. H. Gombrich era uma edição brasileira. O planeta foi encolhendo graças aos meios de comunicação de massas (que os brasileiros chamam "mídia") e o Brasil ganhou uma cara mais definida e menos simpática. Um mundo imenso e variado de personagens coloridas e fortíssimos contrastes sociais. Hoje o Brasil é um universo de blogues escritos por gente que fala a mesma língua que eu falo e com quem me entendo às mil maravilhas. Ah, já me esquecia que, como se diz por aí, "Deus é brasileiro!". Só pode!

domingo, dezembro 14, 2008

Domingo


Pronto, pronto, não há que entrar em pânico. Apesar dos distúrbios na Grécia, as 27 estrelas da União Europeia continuam a brilhar na escuridão deste mundo desregulado, dizem...

Apesar de continuarmos a ver o fosso entre os ricos e os pobres a aumentar a cada dia que passa não temos que desesperar. Afinal de contas a procura de produtos de luxo tem aumentado nesta época natalícia. A maioria pode não ter dinheiro para comer mas há uma minoria que tem dinheiro para gastar à balda em coisas supérfluas e brilhantes.

O resultado da recolha de bens alimentares levada a efeito pelo Banco Alimentar Contra a Fome deixa-nos a pensar que a solidariedade não é uma palavra vã. Um motivo para sorrirmos tristemente no meio de tanta merda.

A nossa sociedade é um fogo cruzado de lutas e contradições. Ora somos humanos, ora parecemos máquinas consumidoras a triturar recursos de toda a ordem. Sofreremos de esquizofrenia social?

Os piratas somalis rivalizam com os homens de negócios ocidentais seja nos métodos de trabalho, seja nos lucros alcançados. É preciso pensar na felicidade dos que lucram com a pirataria tanto quanto pensamos na felicidade dos magnatas que compram automóveis topo de gama para guardarem nas garagens de luxuosas mansões graças aos negócios obscuros que são realizados dentro de limites legais, mesmo que, para ganharem o seu dinheiro, não hesitem em lançar no desemprego e na miséria os trabalhadores que lhes proporcionaram riqueza. O mundo está coberto de piratas e de gente inocente. O mundo está coberto de pessoas.

No Matrix, quando Morpheus está a ser turturado pelo maléfico Agente Smith, o programa informático (que não tem alma) explica ao pobre herói humano a perspectiva que tem sobre a humanidade. É uma ideia interessante sobre a qual deveríamos reflectir de vez em quando. Nem que apenas por um simples mas proveitoso momento a cada novo dia que amanhece.

Bom Domingo.

sexta-feira, dezembro 12, 2008

Olhando Goya, o Imortal


Por vezes preferia ter uma sensibilidade ainda mais exagerada que só me permitisse a comoção perante coisas decididamente belas. Mas não, logo havia de me ter deixado apanhar por um espírito crítico enegrecido pelo escárnio cozido no fogo lento do maldizer!

Olho um cão a salvar outro cão e de imediato imagino homens a comer outros homens. Vejo um gajo de fato-e-gravata e logo me encontro perante uma hiena com furúnculos no cú a rir-se de um passarinho caído do ninho. Não há volta a dar-lhe, o sonho é, para mim, um pesadelo e a única esperança que me resta é estar doente a merecer visita de médico que me possa atenuar o mórbido prazer de imaginar um mundo despido do véu que lhe esconde a horrenda fuça.

Onde está a beleza das coisas horríveis? Onde está o horror das coisas belas? Se um gajo tem olhos agarrados à merda da cabeça, olhos que são excrescências do cérebro, uma espécie de castigo que Deus nos deu por querermos pensar o mundo por nós próprios, o que pode um gajo fazer senão olhar e ver? E o que vejo nem sempre é bonito. Quase nunca é bonito. As mais das vezes vejo coisas feias. Mas já não sei se é defeito. Como há quem sofra de miopia posso eu sofrer de um defeito qualquer que me tolhe a visão e distorce a retina e me queima os miolos como um ferro em brasa.

Quando estas dúvidas me assaltam e me retorcem este sono que gosto de dormir quando estou acordado, liberto-me de temores olhando as gravuras de Goya, o Imortal. Então compreendo a sorte que tenho por viver num horror tão brando como aquele em que vivo. Compreendo que, apesar de tudo, este é o melhor dos mundos que este mundo já teve nos confins do seu imenso ventre. E sorrio. Sorrio perante as visões horripilantes que nos foram legadas pelo Mestre para que possamos perceber os limites do Inferno e sentir a doçura de vivermos nesta favela do Paraíso.
E dou graças a Deus por não existir.

quarta-feira, dezembro 10, 2008

Ser-se o que se é



Hoje comemora-se o 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Nada melhor que o exemplo de um cão para que possamos recordar o significado da palavra "solidariedade".

segunda-feira, dezembro 08, 2008

Perigo de desmoronamento


O regime político está doente.

O parlamento sofre de macrocefalia e esclerose múltipla. Os deputados não são ninguém e suportam um governo de péssima qualidade.

Uns e outros, metidos num saco e atirados ao rio, não fariam mais falta que uma ninhada de gatos tinhosos.

Preferia de longe alimentar os gatos tinhosos.

A cada dia que passa compreendemos melhor os contornos mafiosos do nosso sistema económico e a forma pornográfica como este se mistura no mundo da política.

Uma história de faca e alguidar.

Faca para cortar gargantas e alguidar para receber o sangue das gargantas cortadas.

O presidente da república gagueja incongruências e serve para tanto quanto não servem os outros.

Os partidos políticos revelam-se verdadeiras associações de malfeitores.

Têm uma vida tão complicada que os melhores de entre os cidadãos se afastam e fogem deles como o Diabo foge da Cruz.

O país afunda-se e nós, sendo parte integrante do país, afundamo-nos com ele. Já estamos submersos até aos tomates e continuamos a ser puxados para baixo.

Entretanto tenho a sensação de que tudo se desmorona à nossa volta.

Vêm aí tempos interessantes mas, temo bem, tempos muuuuuito deprimentes.

domingo, dezembro 07, 2008

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Soube hoje ao jantar que o Paulo Rodrigues faleceu. O Paulinho. Já aconteceu há algum tempo. Não percebi quanto tempo. Mas percebi porque não respondeu ás últimas mensagens de SMS que lhe enviei. Vou apagar o número dele da lista de contactos no telemóvel.

sábado, dezembro 06, 2008

Um Mundo Catita



Quando me preparei para escrever este post a minha intenção era desancar na inenarrável versão do "Bem Bom" que faz parte do novo álbum a solo do Rui Reininho. Enquanto procurava no You Tube um vídeo que pudesse ilustrar este meu ódiozito de estimação dei de caras com uma série de vídeos de "Um Mundo Catita", a série que passa actualmente no canal 2 da RTP. Imediatamente mudei de tema. É que esta série tem-me proporcionado inesperados momentos de profundérrimo prazer e tem-me feito rir com vontade, coisa boa que cada vez menos acontece de forma espontânea.
"Um Mundo Catita" é uma espécie de biografia romanceada do grande (sob vários aspectos) Manuel João Vieira. Quem o conhece sabe que é uma personagem desopilante, capaz do melhor e do pior. Uma personagem real que constrói para si própria um mundo de faz-de-conta que se adapte à sua visão escatológica do universo circundante. As máscaras de João Vieira (ou será antes Lelo Marmelo?) estão sempre presas por arames e "Um Mundo Catita" é o lugar ideal para olharmos de frente toda essa mascarada.
Manuel João Vieira foi aluno da Escola Superior de Belas-Artes na mesma época que por lá andei. Já nos idos de 80 era um gajo estranho e exagerado que fazia rir ou nem por isso. Foi na época em que surgiram na escola os Ena Pá 2000 mas também os Mler If Dada. Tempos muito pouco modernos.
Assistir agora a esta série (passa aos Domingos, já lá vão 2 de 6 episódios) é um exercício de memória curioso. Lá surgem uma série de personagens que já havia esquecido. Surgem em pessoa ou disfarçados de "catitas". É uma série com uma qualidade assinalável tanto nos cenários como na fotografia e no argumento. Uma óptima surpresa que tenciono continuar a desfrutar até ao fim, devagarinho, com volúpia.

sexta-feira, dezembro 05, 2008

Atrás dos tempos vêm tempos e outros tempos hão-de vir...

Turner Prize Short List 2008


Esta semana foi mais curta do que as outras. Pareceu-me mais curta mas, provavelmente, não foi. A verdade é que o tempo se esgueirou à minha frente, sempre a correr e eu atrás, feito mamute, nunca fui capaz de o acompanhar. Eis que, de súbito, é já sexta-feira e eu a patinar ainda na segunda. O tempo tem destas coisas. Não há nada a fazer senão imaginar que o tempo existe para lá dos relógios, para lá dos calendários, fora das páginas fechadas das agendas. Imaginar que somos nós que nos alimentamos de tempo e não o contrário, que não é o tempo que nos enfia de uma só vez na sua imensa boca e nos mastiga como se fôssemos chiclete de banana, que somos nós que o mastigamos indolentemente e o deitamos fora quando já perdeu todo o sabor. Cuspir o tempo é que era!

Aconteceram tantas coisas dignas de registo entre a segunda-feira que não passou e esta sexta-feira que se calhar ainda é segunda. Um tal de Mark Leckey ganhou o Turner Prize. Coube a Nick Cave o papel de anunciar o nome do vencedor. Pronto, nunca tinha ouvido falar do artista mas já vi o velho Nick uma mão-cheia de vezes no palco. A coisa fica assim equlibrada. O tempo de conhecer nomes não é igual ao tempo de os dizer.

A ministra da educação deu várias cambalhotas dignas de uma arena circense e fiz greve e fartei-me de falar sobre as razões dos protestos e das reivindicações dos professores e hoje estou um pouco surpreso e algo confuso com os últimos acontecimentos. O tempo a baralhar-se todo em discursos pouco claros.

Outra revelação surpreendente foi a afirmação de Bush dizendo que não estava preparado para a guerra, confessando ainda que houve falhas de informação sobre as armas de destruição maciça que levaram à invasão do Iraque. Coitado, está arrependido. Entretanto não houve uma palavrinha para o fantasma de Saddam, condenado à morte e executado no meio desta salsada toda. O tempo não volta para trás.

O rescaldo dos atentados de Bombaim apenas sublinha a extrema fragilidade das sociedades contemporâneas perante o fanatismo fundamentalista do terrorismo internacional. O sangue corre como água e não parece haver nada a fazer para o parar. Vivemos tempos difíceis.

Vi em casa um filme excelente. Lars and the Real Girl. Brilhante. Ainda podemos imaginar que o tempo nos reserva momentos de extrema felicidade.
É tempo de fechar a loja. Até amanhã.



segunda-feira, dezembro 01, 2008

Viva a República!


Hoje passou mais um ano sobre a restauração da independência de Portugal. Corria o ano de 1640 e terminava a dominação espanhola iniciando-se a IV dinastia, da casa de Bragança que viria a ser abatida a tiro em 1908 com D. Carlos baleado no Terreiro do Paço. Actualmente a casa de Bragança tem em D. Duarte Pio o seu representante. Na entrevista que hoje saiu no P2, suplemento diário do Público, ficamos a perceber como a monarquia pode ser um cancro social ao impor governantes que têm como principal qualidade o facto de terem nascido na família real. Podem ser atrasados mentais ou homens geniais, não interessa, o lugar no trono é um direito de nascimento e o povo só tem de dar graças a Deus pelo facto de existir um gajo capaz de lá sentar o real pandeiro. Convenhamos que é pouco, muito pouco.

D. Duarte é uma personagem entre o vaidoso que quer parecer um simples e o gajo que deixamos jogar à sueca mas que não queremos como parceiro, por ser demasiado básico. A sucessão de respostas que dá na entrevista tem momentos, no mínimo, abstrusos. Destaco esta passagem e o leitor que decida sobre a bondade da sucessão dinástica ou a preferência pelo sufrágio universal na escolha de um Presidente para a nossa República. Diz D. Duarte:

D. Duarte - Quando estou numa monarquia árabe sou descendente do profeta Maomé.

Repórter - Porquê?

D.D.- A rainha Santa Isabel era descendente de um príncipe árabe que era descendente de Maomé. Por isso, a minha posição é completamente diferente da de qualquer embaixador da república portuguesa.

R.- Isso é reconhecido em todo o mundo árabe?

D.D.- É. Mas quando estou em Israel digo que o D. Afonso Henriques era descendente do Rei David. Aliás, aconteceu uma coisa curiosa, nesta última viagem a Jerusalém: o chefe dos sefarditas contou-me que D. Pedro II do Brasil, bisavô da minha mãe, tinha visitado Israel e falava fluentemente o hebreu.

Assim temos um perfeito camaleão que se gaba de o ser. Um Zelig, que muda de personalidade conforme o ambiente em que se encontra. Pergunto a mim próprio quem serão os antepassados de D. Duarte Pio quando visita Angola. Há quem considere este homem uma personagem aprazível por ser tão nítidamente um pobre de espírito. Eu não. Não gosto dele nem daquilo que ele representa. Teremos escolhido muito governante safado ao longo dos anos de Democracia Parlamentar mas escolhemos. Isso, D. Duarte, é algo que o senhor não pode perceber. Mas se fosse só isso que Vossa Senhoria é incapaz de entender... senão vejamos mais esta pérola do pensamento deste nosso pretendente a um trono que não existe:

A educação democrática em Portugal é muito fraca. As pessoas ainda não perceberam qual é o papel dos partidos e do Parlamento. Se houver uma crise grave, com fome, pilhagens, tudo isto vai por água abaixo. Basta que, por um acto terrorista, não recebamos petróleo, que por causa de greves, ou distúrbios, a importação de produtos alimentares seja suspensa. Somos completamente dependentes. Pode haver centenas de milhares de pessoas a manifestarem-se por uma intervenção totalitária dos militares, ou do Presidente.

É evidente que com um descendente de Maomé nos comandos da nação nada disto aconteceria. Alá é grande e haveria de interceder por nós. Ainda por cima as relações do hipotético monarca com Deus, o outro, o Deus dos judeus, são muito próximas, uma vez que também há parentesco com o Rei David. Sendo assim, com D. Duarte estamos sempre safos.

Podemos ter um 1º ministro do pior que já tivemos e um Presidente da República que... enfim. Mas podemos dar graças aos céus por não termos um reizito desta estirpe. Ao menos isso.